quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Correlação de Forças no Campo


SOBRE A JUSTIÇA E A CORRELAÇÃO DE FORÇAS NO CAMPO PARANAENSE

Caroline Mari de Oliveira[1]

O pão do povo (Brecht)
A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de bom gosto, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.
Fora com a justiça ruim!
Cozida sem sabor, amassada sem sabor!
A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta!
A justiça de ontem, que chega tarde demais!
Quando o pão é bom e bastante
o resto da refeição pode ser perdoado.
Não pode haver tudo logo em abundância.
Como é necessário o pão diário,
é necessária a justiça diária.
Sim, mesmo várias vezes ao dia.
De manhã, à noite, no trabalho, no prazer.
No trabalho que é prazer.
Nos tempos duros e felizes.
O povo necessita do pão diário
da justiça, bastante e saudável.
Sendo o pão da justiça tão importante, quem amigos, deve prepará-lo?
Quem prepara o outro pão?
Assim como o pão, deve o pão da justiça
ser preparado pelo povo.

É a partir da leitura deste texto de Berthold Brecht, provavelmente, escrito no início do século XX na Alemanha, que lanço uma reflexão acerca da justiça e da correlação de forças entre as classes sociais do campo paranaense.

A análise dos recentes acontecimentos envolvendo a luta por justiça dos trabalhadores rurais sem terra no Estado do Paraná contra a barbárie capitalista no campo expressa o processo histórico de concentração e centralização da renda e riqueza no Brasil. A dominação político-econômica do capital no país massacram a maioria da população brasileira, acentuando, em especial, a pobreza no campo. Mas, para uma análise inicial sobre a condição do campo no país, é necessário pensar em algumas questões: A pobreza no campo existe para quem? Justiça no campo para quem? O desenvolvimento do campo no Brasil esta trazendo muitos êxitos, mas para quem? Como o desenvolvimento do capital tem sido apropriado no campo pela burguesia camponesa? Como e às custas de quem tem sido produzida a riqueza no campo?

Com essas simples questões que devem ser feitas ao analisarmos a conjuntura capitalista inserida na estrutura fundiária brasileira para perceber que o Estado, aparelho regulador do conflito de classes a favor da classe dominante, tem sido cada vez mais orgânico aos interesses dominantes e tornado as políticas públicas cada vez mais vulneráveis ou compensatórias para as populações dominadas.

Claro que essa discussão tem um rigor teórico mais sistematizado e que deve ser melhor aprofundado em outras análises, mas para esta pequena análise é suficiente para desvendar a reflexão do que temos visto no noroeste do Paraná, acerca da desocupação de terras no Acampamento Elias Gonçalves de Meura, no limite entre as cidades de Guairaçá e Planaltina do Paraná/PR.

Nos últimos oito anos as famílias de trabalhadores rurais que vivem em uma fazenda improdutiva no Acampamento Elias Gonçalves de Meura, mudaram suas vidas. A posse da terra viabilizou condições para que pudessem sair da miséria através do trabalho e da educação. A terra possibilitou às famílias moradia, acesso regular a água e energia elétrica, escola no campo que viabiliza educação formal para jovens e adultos e o cuidado com a terra possibilitou a produção de alimentação para subsistência dos trabalhadores.

Desde agosto de 2012, 80 famílias que vivem no Acampamento estão sob ameaça de despejo, a partir da expedição da reintegração de posse da área ocupada assinada pelo Juiz Federal Substituto da Subseção Judiciária de Paranavaí/PR, Braulino da Matta Oliveira Junior. Segundo o site da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, na última semana de outubro, as famílias recorreram da decisão e o caso agora está no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nas mãos do juiz federal convocado Dr. João Pedro Gebran Neto, relator do processo.

Diante da conjuntura capitalista que marca o campo brasileiro, não é de se estranhar a morosidade da qual os tentáculos do capital tratam a questão da Reforma Agrária no país. A exemplo do que ocorre em outros casos que envolvem a ocupação de terras improdutivas, a morosidade e falhas do poder público marcam o histórico do acampamento Elias Gonçalves de Meura, fixado na Fazenda Santa Filomena, desde 2004. A referida fazenda de 1.797 hectares foi declarada improdutiva pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, em 1998. A partir deste parecer do INCRA, a mesma deveria ter sido desapropriada e destinada para a reforma agrária, como prevê a Constituição Federal Brasileira de 1988.  

Segundo informações da Terra de Direitos, o caso do Acampamento Elias Gonçalves de Meura se trata de um erro da Advocacia-Geral da União (AGU) que afastou a possibilidade de desapropriação das terras improdutivas. Em fevereiro de 2012, a AGU deixou de recorrer de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desfavorável ao INCRA e impossibilitou a desapropriação da área pelo descumprimento da função social.

Para o integrante da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Paraná, José Damasceno de Oliveira, o caso da fazenda Santa Filomena reflete o que acontece em outros municípios do Brasil, em que, apesar do decreto de improdutividade, os latifundiários conseguem adiar e até impedir a desapropriação para reforma agrária. Uma das formas utilizadas pelos fazendeiros para adiar a desapropriação é burlar a avaliação de improdutividade: “Em vários casos o juiz nomeia um perito judicial que às vezes não entende de agricultura e que acaba desfazendo o que foi feito por uma equipe técnica do INCRA”, lamenta Oliveira (TERRA DE DIREITOS, 2012). A verdade que não quer calar é que a Constituição, dita “cidadã”, abre brechas para os latifundiários burlarem a lei. Dessa forma, o direito no Brasil passa a servir mais a elite, do que a classe que mais carece da garantia de justiça no país.

Com poucas chances do INCRA conseguir a desapropriação clássica pelo descumprimento da função social, as famílias, com apoio do MST e da Organização de Direitos Humanos Terra de Direitos, ajuizaram em julho uma ação de desapropriação judicial, com base no art. 1228 §4º e §5º do Código Civil e nas relevantes normas de direitos humanos da Constituição, para conquistar a posse definitiva da terra. Em audiência de tentativa de conciliação realizada em julho, o INCRA se manifestou a favor da desapropriação judicial (art. 1228 do CC) afirmando que pagaria a indenização à vista, em dinheiro e pelo preço de mercado, apesar disso, o proprietário se recusou a ceder a área para os trabalhadores. Após a infrutífera audiência de conciliação, o Juiz Federal Braulino da Matta Oliveira Junior julgou improcedente a ação de desapropriação judicial sob o fundamento de que o INCRA não poderia pagar pela área que seria desapropriada em favor dos acampados, pois o INCRA só poderia pagar através da desapropriação por descumprimento da função social (TERRA DE DIREITOS, 2012).

As famílias acampadas na fazenda Santa Filomena recorreram da decisão do juiz Federal Braulino da Matta Oliveira Junior que determinou a realização do despejo e impediu a desapropriação judicial da área. Após oito anos de ocupação com a permissão do Estado, as famílias se consolidaram na área como um pré-assentamento de reforma agrária. Retirar de lá as famílias nesse momento, seria um retrocesso social e econômico que certamente gerará o acirramento dos conflitos por terra na região.

Tenho estudado por meio de fontes bibliográficas o conflito de terras que ocorreu no Brasil e no Estado do Paraná. Mas, o acampamento Elias Gonçalves de Meura é um dos exemplos mais próximos que conheço que tem lutado para conquistar a reforma agrária no Brasil, simbolizando a resistência contra-hegemônica, a partir do acesso a terra.

A agricultura familiar tem coberto a terra do antigo latifúndio improdutivo para amenizar a pobreza rural que afetam a condição de vida dessas famílias camponesas. Segundo dados fornecidos pelas famílias há alguns meses atrás, embora não tenham recebido nenhum apoio governamental para a produção, o acampamento tem fornecido alimentos ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), por meio da cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária Avante Ltda (Coana), localizada em Querência do Norte/PR. Mais de 30 famílias estão envolvidas na produção ligada à cooperativa, em um total de 120 pessoas do acampamento.

Além dessas conquistas, o acesso a educação no Acampamento Elias Gonçalves de Meura não pode deixar de ser considerado neste texto. A ocupação da terra acompanhou a necessidade de ocupar a escola no território camponês, como um dos instrumentos de transformação da realidade. No início da ocupação, a partir do trabalho dos próprios acampados, a escola foi erguida com lona preta, sobre chão batido no local em que os antigos proprietários colocavam os animais.

Desde o início, a escola atende os acampados e também integrantes do Assentamento Milton Santos, localizado na região de Planaltina do Paraná/PR. O acesso à educação é uma das grandes conquistas dos camponeses a partir da ocupação da terra e da organização da vida de forma coletiva. Batizada de Carlos Marighella, a escola itinerante tem 11 professores: seis são do acampamento e lecionam na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, outros cinco professores vêm de outras localidades para ministrar as aulas do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental. Além das crianças, adolescentes e jovens que cursam os anos regulares. A escola também possibilita acesso à educação para jovens e adultos e ajuda a suprir a baixa escolaridade da comunidade por meio das práticas pedagógicas e coletivas da Educação do e no Campo.

Caldart (2005, p. 64) explicou que a Educação do e no Campo faz parte de um projeto político e social maior, em que: “antes ou (junto) de uma concepção de educação, ela é uma concepção de campo” e ainda explica que “não há escolas do campo num campo sem perspectivas, com o povo sem horizontes e buscando sair dele”. Por isso, baseados no direito subjeito a educação garantido na Constituição Federal brasileira de 1988, explicamos a necessidade histórica da construção e luta por uma Educação do e no Campo que busque a valorização da experiência, identidade, da cultura, das relações de trabalho dos povos do campo.

Junto à luta por Educação do e no Campo, observamos a luta por terras para que a vida e a cultura camponesa seja conquistada por essas famílias com dignidade. A desocupação da fazenda Santa Filomena expressa um retrocesso social e educacional muito grande. Fico pensando como estão as cabecinhas das crianças e adolescentes, que conheci nas visitas que fiz ao acampamento e à escola, sabendo que essa conquista está ameaçada?

De acordo com o que foi exposto aqui e com a luta por Educação do e no Campo, a desapropriação da área do acampamento é medida de justiça. Expulsar as famílias do campo é deixá-los sem perspectivas, é retirar delas a maior possibilidade que já tiveram para viver com dignidade. Se despejadas da terra, essas famílias não terão para onde ir, não haverá política pública que substitua a perda da condição de vida que alcançaram. Além disso, haverá um retrocesso social na condição de vida dessas famílias e o despejo forçado aumentará a tensão e o conflito no campo no Estado do Paraná.


Referências:
CALDART, R. S. Elementos para a construção do projeto político pedagógico da  educação do Campo. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos: educação do campo. Curitiba: SEED/PR, 2005.

TERRA DE DIREITOS. Justiça Federal decide o futuro de 80 famílias sem terra acampadas há oito anos no Paraná. Disponível em: http://terradedireitos.org.br/biblioteca/justica-federal-decide-o-futuro-de-80-familias-sem-terra-acampadas-ha-oito-anos-no-parana/. Acesso em: 27 nov. 2012.


Neste texto, apresentei alguns dados sobre a Escola Itinerante Carlos Marighella, localizada no Acampamento Elias Gonçalves de Meura no noroeste do Estado do Paraná. Para mais informações sobre esta escola, disponibilizo um texto escrito por mim e algumas pesquisadoras em Políticas Educacionais e Educação do Campo sobre “ESCOLA ITINERANTE: UMA ANÁLISE PARA ALÉM DA SALA DE AULA”. Este texto objetiva a reflexão das práticas da Educação do e no Campo na Escola Itinerante Carlos Marighella e da importância que a mesma representa para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Paraná. O texto foi apresentado na IX Anped Sul - Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul no 2º semestre de 2012 em Caxias do Sul/RS.

Para acessar, clique aqui:




[1] Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, linha de políticas e gestão da educação. 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Justiça??


Ex-presidente da UDR vai a Júri Popular acusado de assassinar Sem Terra no Paraná


da página do MST

De 1994 a 2009, 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados no Paraná. Na próxima terça-feira (27) o ruralista Marcos Prochet e outros três acusados de participação na morte de trabalhador sem terra Sebastião Camargo vão a júri popular.
 
O Júri terá início às 9h, no Tribunal do Júri de Curitiba, Praça Nossa Senhora da Salete – Centro Cívico.
 
Amanhã, terça-feira (27), a história dos conflitos de terra no Paraná terá um fato inédito: será a primeira vez que um ruralista vai para o banco dos réus acusado do assassinar um trabalhador sem terra. Marcos Prochet, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), é suspeito de matar o camponês Sebastião Camargo, 65 anos, durante um despejo ilegal na cidade de Marilena, no Noroeste do Paraná, em 1998.
 
As investigações sobre o caso apontam Marcos Prochet como autor do disparo que matou o agricultor, numa ação que envolveu cerca de 30 pistoleiros integrantes de milícia organizada pela UDR. Apesar das tentativas da defesa de Prochet em julgá-lo separadamente dos outros acusados, o que poderia beneficiar o ruralista, o Júri está marcado com os demais acusados de participação no crime: Teissin Tina, proprietário da Fazenda Boa Sorte, onde Camargo foi assassinado, Augusto Barbosa da Costa e Osnir Sanches, integrantes da milícia privada da UDR.
 
Sebastião Camargo foi morto em um período de grande repressão no campo paranaense, especialmente na região Noroeste, por concentrar uma grande parte das terras subutilizadas do Paraná, ocupados pelo MST na época. De 1994 a 2009, 19 trabalhadores rurais sem-terra foram assassinados no estado. Jaime Lerner governava o estado durante os anos mais agressivos dessa repressão: entre 1994 e 2002, foram assassinados 16 camponeses, além de 516 prisões arbitrária, 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 7 casos de tortura, 134 despejos e 325 pessoas vítimas de lesões corporais por consequência de conflitos de terra, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
 
Impunidade dos crimes do campo
 
O caso do trabalhador Sebastião Camargo é o quarto dos 19 assassinatos que vai a Júri no Paraná, apesar da maior parte ter ocorrido há mais de 10 anos. A única condenação por crime de conflito agrário ocorreu em julho do ano passado, quando Jair Firmino Borracha foi sentenciado pelo Tribunal do Júri a 15 anos de prisão pelo assassinato do sem-terra Eduardo Anghinoni, em 1999, no município de Querência do Norte/PR. Borracha também participou do despejo que resultou na morte de Sebastião Camargo.
 
A condenação de Borracha também foi a primeira relacionada a milícias armadas no Paraná, apesar do acusado ter negado em juízo a participação em grupos ilegais. Marcos Prochet esteve presente no julgamento, ao lado da família de Borracha, e na época declarou ao jornal Folha de S. Paulo que acreditava na inocência do pistoleiro.
 
A ação de milícias armadas aparece como uma constante nas investigações dos despejos violentos e assassinatos por conflitos de terra no estado. Valmir Motta de Oliveira, conhecido como Keno, foi morto por pistoleiros em 2007 quando o MST ocupou a área da empresa Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, para denunciar a transnacional pela realização de testes ilegais com transgênicos nas proximidades do Parque Nacional do Iguaçu. No Boletim de Ocorrência feito pela Polícia Militar, os pistoleiros informaram que foram contratados pelo Movimento de Produtores Rurais e a Sociedade Rural de Cascavel.
 
Ações trabalhistas movidas por “seguranças” contra a UDR reforçam o volume de provas sobre a formação de milícias armadas. No Paraná, a UDR já respondeu a oito ações perante a Justiça do Trabalho movidas por pistoleiros, reivindicando pagamentos por serviços de “proteção” a membros da entidade. Houve reclamações trabalhistas extintas por “ilicitude do objeto” do contrato de trabalho, mas nunca houve investigação criminal.
 
No capítulo sobre as milícias privadas no Paraná, o ex-coronel Copetti Neves também ocupa lugar de destaque. Neves comandou o Grupo Águia, tropa de elite da PM, entre outras ações, realizou despejos violentos contra o MST, utilizando como estratégia os despejos de madrugada, separando as crianças dos pais, com prisões arbitrárias e torturas contra militantes do movimento. Mesmo tendo sido condenado em 2010 a dezoito anos de reclusão por crimes como tráfico de drogas e tráfico de armas, o ex-coronel aguarda em liberdade o julgamento de recurso apresentado no Tribunal Regional Federal.

Passados 14 anos do assassinato do agricultor sem terra Sebastião Camargo Filho, em Marilena, região Noroeste do Paraná, o caso vai a júri popular no dia 27 de novembro, em Curitiba. Entre os quatro acusados a serem julgados está o ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Marcos Menezes Prochet. Além dele, serão julgados Teissin Tina, proprietário da Fazenda Boa Sorte onde Camargo foi assassinado, Augusto Barbosa da Costa e Osnir Sanches, integrantes da milícia privada da região, organizada pela UDR.

O júri tem grande relevância por ser o primeiro no Paraná em que um latifundiário vai para o banco dos réus por participação em crime relacionado à disputa por terras. “A não realização da reforma agrária e a situação de impunidade relacionada com os crimes contra trabalhadores rurais contribui para o aumento da violência no campo. A condenação dos acusados é medida de justiça que pode ajudar a prevenir novos conflitos fundiários no Estado”, afirma o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo.

O assassinato de Sebastião Camargo foi o primeiro de uma série de homicídios cometidos por pistoleiros: além dele, foram mortos Sétimo Garibaldi (1998), Sebastião da Maia (1999), Eduardo Anghinoni (1999) e Elias Gonçalves Meura (2004), entre outros trabalhadores. Os crimes marcaram um período de grande violência no campo na região Noroeste do estado, especialmente durante o governo Jaime Lerner.

O crime ocorreu no dia 7 fevereiro de 1998, na Fazenda Boa Sorte, ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Testemunhas relatam que um grupo de 30 pistoleiros armados e vestidos de preto obrigaram as 70 famílias acampadas a deitar no chão, com o rosto voltado para baixo. Sebastião Camargo Filho, com 65 anos, sofria de um problema cervical que o impedia de permanecer agachado. Ao ver que o trabalhador não cumpriu sua ordem, o homem que comandava o despejo apontou uma escopeta calibre 12 e disparou contra ele a menos de um metro de distância. O réu Marcos Prochet é acusado de ter dado o tiro. Antes de acamparem na Fazenda Boa Sorte, os trabalhadores ocuparam a fazenda Dois Córregos, em Querência do Norte, de propriedade de Marcos Prochet.

Dois dias antes do assassinato os trabalhadores acampados levaram ao Assessor Especial para Assuntos Agrários do Governo do Estado do Paraná a preocupação a possibilidade de despejo violento planejado pela UDR. As denúncias foram ignoradas e nenhuma medida foi tomada.

No dia seguinte ao crime, com base em uma chamada anônima, as autoridades prenderam na fazenda Figueira, no município de Guairaça/PR, sete suspeitos de participação no despejo violento. Junto com os suspeitos também foram encontradas várias armas de grosso calibre e munição, entre as quais 100 cartuchos calibre 12 deflagrados, além de capuzes e camisas pretas sem identificação. Apesar das fortes provas contrárias aos sete pistoleiros detidos, eles foram liberados 35 dias depois.

Apesar das múltiplas declarações expressas na investigação policial, que reconheciam Marcos Menezes Prochet como autor do disparo contra Sebastião Camargo, em 5 de maio de 2000, investigação criminal vinculou aos crimes de homicídio culposo e formação de quadrilha somente Teissin Tina e Osnir Sanches.

Prochet, a princípio, não foi incluído na denúncia formulada pelo Ministério Público do Paraná, 29 de agosto de 2000, quando apenas Teissin Tina e Augusto Barbosa da Costa, foram acusados do homicídio de Sebastião Camargo. Apenas em 2 de março de 2001 houve o aditamento da denúncia e foram incluídos como co-autores o ex-presidente da UDR e Osnir Sanches. O aditamento foi feito por haver muitas provas da participação de Prochet no crime.

A demora nas investigações resultou na prescrição de vários dos crimes cometidos na desocupação forçada, além disso, outros delitos foram injustificadamente descartados pelo Ministério Público. Apesar de a lei brasileira estabelecer o prazo de um mês para a realização da investigação policial, neste caso a investigação demorou 25 meses, em que pese o fato de três dos delitos investigados terem prescrito 24 meses depois de ocorridos os fatos.

A primeira sentença foi dada em 2007, nove anos depois do assassinato, quando houve a decisão de enviar para Júri Popular os quatro réus. Desses acusados, apenas Prochet apresentou recurso contra a decisão. A pedido da Terra de Direitos e com o encaminhamento do Ministério Público de Nova Londrina, o júri foi marcado com os quatro acusados.

Em 2011, 11 anos após o assassinato do trabalhador rural Sebastião Camargo Filho no Paraná, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) responsabilizou o Estado Brasileiro pelas violações ocorridas do direito à vida, às garantias judiciais e à proteção judicial.


Trabalho Infantil

3,4 milhões crianças trabalhando:''É inaceitável''

  Para Isa Maria, é inaceitável que 3,4 milhões de crianças ainda estejam trabalhando - Foto: João Roberto Ripper

Em entrevista, a secretaria do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, afirma que a prevenção e eliminação do trabalho infantil “tem que se dar no contexto da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente”


De acordo com Isa Maria, cerca de 132 mil crianças e adolescentes entre 10 a 14 anos ainda “são responsáveis pelos seus domicílios”. Para ela, a impossibilidade de erradicar o trabalho infantil no país está relacionada à ineficácia das políticas públicas, que não conscientizam as famílias sobre o tema. Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Isa comenta o impacto dos programas de transferência do governo no controle do trabalho infantil. Apesar de terem contribuído para garantir o acesso das crianças à escola, os programas não contribuíram “para que as famílias tivessem uma compreensão sobre o trabalho infantil”. Isa também destaca a omissão dos gestores públicos, que não denunciam casos em que as famílias recebem um valor em dinheiro e mantêm as crianças trabalhando. “O governo municipal não identifica e não reconhece que há trabalho infantil, ou seja, não faz esse cofinanciamento. Enquanto isso, o Programa de Transferência de Renda está aí, cobrindo mais de 14 milhões de famílias”.“Se analisarmos que em uma década pouco mais de meio milhão de crianças foram retiradas do trabalho infantil, e que ainda há um universo de 3,4 milhões crianças trabalhando, isso revela claramente que as políticas e os programas adotados e implementados no Brasil não estão dando conta da gravidade do problema”. A análise é de Isa Maria de Oliveira, secretaria do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, referente aos dados do censo sobre o combate ao trabalho infantil no país. Para ela, esse “resultado é inaceitável”, porque “em comparação ao universo de crianças que ainda estão trabalhando, esse número ainda é pouco expressivo”. E dispara: “É inaceitável que o Brasil, apontado como uma referência para os outros países nessa área de enfrentamento do trabalho infantil, tenha um resultado tão pequeno”.
Isa Maria de Oliveira é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás, e pós-graduada na mesma área pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Em dez anos aproximadamente 530 mil crianças e adolescentes brasileiros deixaram de trabalhar no país. O que esse dado significa e representa considerando a trajetória brasileira em relação ao trabalho infantil?
Se analisarmos que em uma década pouco mais de meio milhão de crianças foram retiradas do trabalho infantil, e que ainda há um universo de 3,4 milhões crianças trabalhando, isso revela claramente que as políticas e os programas adotados e implementados no Brasil não estão dando conta da gravidade do problema. Quando falamos de crianças e adolescentes, nos referimos a uma fase na vida muito breve. Então, se em uma década milhares de crianças não foram retiradas do trabalho infantil, na próxima década elas não serão mais crianças, e legalmente poderão trabalhar e perderão a oportunidade de viver plenamente a infância e de ter assegurado todos os direitos fundamentais para o seu pleno desenvolvimento cognitivo, físico e emocional.
Do ponto de vista da avaliação do Fórum Nacional, esse resultado é inaceitável. É uma redução muito pequena. Claro que felizmente pouco mais de meio milhão de crianças foram retiradas do trabalho infantil, mas em comparação ao universo de crianças que ainda estão trabalhando, esse número ainda é pouco expressivo. É inaceitável que o Brasil, apontado como uma referência para os outros países nessa área, tenha um resultado tão pequeno.

Quais foram as políticas públicas de combate ao trabalho infantil que não foram eficazes? Qual é o problema e como o Estado aborda essa questão?
A primeira observação que faço é a de que o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI foi instituído em 1996, quando trouxe um impacto forte e positivo. Tanto é que a maior redução do trabalho infantil aconteceu até 2001 e 2002. Retiradas as crianças da cadeia formal de trabalho, permaneceram trabalhando as crianças que trabalham com as próprias famílias, tanto na área rural como na área urbana. Essas são formas de trabalho infantil que requerem uma articulação e uma integração das políticas públicas.
Nesses casos, as famílias precisam receber um atendimento especial. O início dessa atenção pode ser a transferência de renda, mas isso não é suficiente. É preciso que as famílias tenham a oportunidade de serem informadas e de compreenderem que a inclusão precoce de crianças e adolescentes no trabalho infantil não é uma solução, mas um fator determinante de reprodução da pobreza e da exclusão social no Brasil.
Quais são as outras políticas que precisam funcionar e estarem articuladas? Sem dúvida nenhuma, a política de educação. As crianças que estão trabalhando têm direito a uma educação de qualidade, que passa necessariamente por aprender no tempo certo e por ter todas essas oportunidades de práticas esportivas, culturais, para que se tenha uma educação, e não somente uma escolarização. É preciso garantir uma escola de qualidade e, preferencialmente, em tempo integral, com foco nas áreas e nos municípios, nos territórios onde há realmente maiores focos de trabalho infantil. Além disso, deve haver, por parte do Estado, seja municipal, estadual ou federal, uma responsabilidade no sentido de informar e sensibilizar a sociedade de que o trabalho infantil traz inúmeros prejuízos e riscos para as crianças, além de comprometer o desenvolvimento humano do país. Isso é importante, porque mudar valores culturais é um dos maiores desafios, ainda mais em um país que tem um legado escravocrata, uma percepção equivocada e desumana de que o trabalho é bom para as crianças pobres. 132 mil crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos são responsáveis pelos seus domicílios. Esse é um indicador forte de trabalho infantil.

As políticas públicas deveriam ter sido acompanhadas mais de perto ao longo dessa década?
É importante ressaltar que, quando se fala de direitos de crianças e de adolescentes, de proteção integral, a prioridade tem de estar posta e assumida por todas as políticas públicas – e isso não acontece no Brasil. Por exemplo, ainda não temos a educação básica, aquela que cuida da fase pré-escolar, do ensino fundamental e ensino médio. Da mesma forma, o combate e à prevenção ao trabalho infantil não é uma prioridade. Então, a atuação das políticas públicas ainda está muito ligada à escolarização, e o foco é sempre a taxa de escolarização, ou seja, “o estar matriculado”.
Quando analisamos os indicadores de frequência e de rendimento escolar, vemos que essa taxa tão positiva de matrícula cai drasticamente. Dados do próprio MEC demonstram que, quando a criança ou o adolescente estuda e trabalha, o rendimento escolar é 10 ou 12 pontos percentuais abaixo daqueles que só estudam.

Violações

   
   
Menino trabalha em carvoaria. De acordo com a OIT 115 milhões de crianças
exercem atividades profissionais de risco - Foto: Arquivo ABr
O trabalho infantil é uma porta aberta para as outras violações. Nós temos registros de que adolescentes privados da liberdade, porque cometeram um ato infracional, trabalharam quando crianças. O trabalho infantil nas ruas é um caminho aberto para que se deem a exploração sexual comercial, o abuso e outras inaceitáveis violações, como o espancamento, o xingamento, humilhações. É preciso refletir sobre isso. O resultado dessa década evidência realmente que o Brasil não está respondendo a todas essas graves questões. Quando falamos em trabalho infantil, entendemos que sua prevenção e eliminação têm que se dar no contexto da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Tem que proteger a vida dessa criança, a saúde, o direito à educação de qualidade, o direito ao lazer e à convivência escolar.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT, 40% das crianças que trabalham atualmente não são de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza. Dizem que se trata de um novo perfil do trabalho infantil. Essa mudança acompanhou a ascensão econômica do país, e por isso as crianças não pertencem a famílias que estão abaixo da linha da pobreza? Comparando os anos 1990 e início dos anos 2000, como descreve hoje o perfil do trabalho infantil no Brasil?
Esse dado requer uma maior análise. O perfil apontado pela OIT está aliado muito a que situações de trabalho as crianças estão submetidas. Aí eu aponto o seguinte: o corte de renda para que uma família seja incluída no programa Bolsa Família é de 140 reais per capita, mas uma família que tem uma renda dessas não será atendida pelo programa. Apesar disso, não posso afirmar que essa família não está em uma situação de pobreza. Então, precisaria analisar qual é a faixa de renda desses 40%.
O que esse dado pode trazer é o seguinte: como o maior abandono da escola é na faixa de 15 a 17 anos, na adolescência, e como nós vivemos numa sociedade do consumo, todos os adolescentes, independente de cor e de situação econômica, têm aspirações materiais, e essas aspirações, muitas vezes, motiva os adolescentes a trabalhar, mesmo que a família não esteja precisando daquela renda para sobreviver. É um trabalho que ele realiza para lhe dar direito a uma aspiração de consumo. Então, se tem uma família que não está em situação de extrema pobreza, mas ela não pode realmente dar ao seu adolescente, por exemplo, um celular, um tênis de marca ou algum bem que ele considera importante, ele trabalha para poder comprar. Então, esses 40% podem representar, em parte, esses adolescentes que estão trabalhando e que querem realmente garantir as suas aspirações de consumo e que não necessariamente estão determinados pela extrema pobreza da família. Todavia, avalio que esses 40% ainda estão na faixa da pobreza.

As crianças trabalham por necessidade?
Exatamente! E aí você não pode reduzir a necessidade à sobrevivência somente. Há outros bens que estão disponíveis na sociedade e que são privilégios de poucas crianças e adolescentes. Por um lado, essa questão do consumo é muito forte entre os adolescentes, e eles são os que mais abandonam a escola.


   
   Isa Maria de Oliveira - Foto: Fábio Pozzebom/ABr
É possível constatar se o trabalho infantil é mais recorrente nas cidades ou na zona rural?
Se dividir por faixas etárias, sim. A faixa etária de 13 e 14 anos tem maior incidência de trabalho infantil na área rural. A faixa etária de 15 a 17 anos tem maior incidência urbana. Não há dúvidas. Isso está se confirmando. Quando se olha, por exemplo, nessa faixa de 15 a 17 anos, no Brasil e em todas as regiões, a maior incidência é urbana. Quando se pega nessa faixa até 14 anos, especialmente nas regiões Norte, Nordeste e Sul, é na área rural.

Apesar das suas críticas aos programas de distribuição de renda, é possível fazer uma avaliação de como eles incidiram no sentido de prevenir o trabalho infantil?
Quando se faz um acompanhamento das famílias que recebem transferência de renda, faz-se o acompanhamento de duas condicionalidades. Entre elas estão a condicionalidade da frequência à escola – e volto a dizer que frequência à escola não é rendimento escolar. Sem dúvida, porém, nenhum programa de transferência de renda contribuiu para a maior frequência escolar, até porque, se a criança não tiver 85% de frequência, a família corre o risco de receber uma advertência e até de perder a bolsa.
De todo modo, não podemos aceitar que 571 mil crianças estejam fora da escola. Percentualmente esse valor é “pequeno”, mas, quando se vê o universo de crianças fora da escola, o número é inaceitável, sobre tudo nessa faixa de 6 a 14 anos. Já é de longa data que está posto na Constituição e no Plano Nacional de Educação que a escola é obrigatória, tem que ser ofertada e tem de se garantir a frequência e o sucesso escolar. Então, é inaceitável que se registrem números tão elevados.
O Programa de Transferência de Renda impactou na frequência escolar e no melhor acompanhamento da saúde da criança. Mas temos muitos depoimentos de quem trabalha nos municípios segundo os quais é comum que famílias recebam o benefício, a criança frequente a escola, a criança cumpre o calendário vacinal, faça o acompanhamento de saúde e, ainda assim, trabalhe. Então, para o trabalho infantil o impacto do programa de distribuição de renda não foi o desejável e nem o esperado. Em nossa avaliação, há uma coisa mais grave: o Programa de Transferência de Renda não contribuiu para que as famílias tivessem uma compreensão sobre o trabalho infantil, e o poder municipal também se omite em relação a ele. A família pode receber a transferência de renda por uma situação de pobreza e manter a criança no trabalho infantil. E o município não precisa cofinanciar, porque existe o financiamento do governo federal para os chamados serviços socioeducativos. Então, o governo municipal não identifica e não reconhece que há trabalho infantil, ou seja, não faz esse cofinanciamento. Enquanto isso, o Programa de Transferência de Renda está aí, cobrindo mais de 14 milhões de famílias. É muito preocupante, porque esse programa deveria impactar diferentemente no dia a dia das crianças.

Em que estados é possível perceber o predomínio do trabalho infantil?
Nos três estados do Sul os percentuais de trabalho infantil são elevados, estão acima da média nacional. As regiões Sul e Norte, de acordo com os dados do último censo, são as que têm maior incidência do trabalho infantil. Então, o Nordeste apresentou realmente resultados positivos, embora a situação ainda seja grave, mas a diferença de percentual da região Norte para a região Sul é de 0,1%.
Como se tem uma densidade populacional muito maior no Sul, o percentual fica mais elevado do que no Norte. No Sul essa situação precisa ser ressaltada, porque se têm mais desenvolvimento econômico, mais escolas e os percentuais de trabalho infantil são muito elevados.

Como avalia o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA?
Este Estatuto é um marco, apesar de ainda não estar plenamente implementado. Defendemos que um dos artigos – o de n. 248 – seja imediatamente revogado. Ele trata da vinda de adolescentes de outras comarcas, e a família que busca ou que recebe esse adolescente tem um prazo de cinco dias para informar a autoridade legal sobre a guarda dessa criança, que irá prestar serviços domésticos. Esse artigo é um claro incentivador do trabalho infantil, e isso se agrava mais porque o Brasil, em 2008, aprovou um decreto que define o trabalho infantil doméstico como uma das piores formas de trabalho.
Esse artigo está na contramão, sobretudo porque o trabalho infantil doméstico, como todos sabem, é oculto, de difícil fiscalização. Essa é uma das formas de trabalho que mais traz prejuízos para o rendimento escolar, porque a jornada é atenuante; muitos não têm nenhum descanso semanal; em muitos casos a jornada se estende, porque o trabalho é quase que ininterrupto. Em alguns o adolescente frequenta a escola, mas ele chega exausto para acompanhar as aulas; ele não tem como preparar as tarefas.

Pré-Conferência de Educação do Campo

Carta da Pré-Conferência Regional de Educação do Campo

No dia 23 de outubro de 2012, reuniram-se, no campus da Universidade Estadual de Maringá, em Maringá/PR, por ocasião da Pré-Conferência Regional de Educação do Campo, 36 participantes objetivados a debater a Educação do Campo quanto a sua concepção, significado e perspectivas, para reafirmar sua trajetória de luta pela efetivação do direito da população do campo à escola pública no Estado do Paraná.
Entre os participantes, contou-se com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST); educandos e equipe pedagógica da Escola de Agroecologia Milton Santos (Maringá/PR); Comissão de Mulheres do Sindicato Rural de Maringá; Sindicato de Trabalhadores Rurais dos municípios de Santo Inácio e Colorado; Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Centro Social Marista de Maringá; educadoras da Secretaria Municipal de Educação de Maringá (SEDUC); coordenadora da pasta de Educação do Campo do Núcleo Regional de Educação de Maringá; educadores do Colégio Estadual Felipe Silveira Bittencourt do município de Marialva/PR; educadores do Colégio Estadual João Farias da Costa de Nova Cantu/PR; representantes do Comitê Estadual de Educação do Campo; acadêmicos, técnicos e professores da Universidade Estadual de Maringá (UEM); representantes do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM; professores da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
No Estado do Paraná, serão realizadas diversas Pré-Conferências de Educação do Campo de caráter regional, a fim de articular as bases sociais dos sujeitos envolvidos com o campo; analisar, por meio dos relatos dos sujeitos sociais e históricos do campo e da educação, a conjuntura e a estrutura do campo, a situação das escolas e da Educação do Campo no Paraná; elaborar uma Carta Documento da Pré-Conferência Regional de Educação do Campo (Região de Maringá/PR); e, por fim, retirar os delegados que participarão da III Conferência Estadual
de Educação do Campo que será realizada nos dias 30, 31 de maio e 01 de junho de 2013, na cidade de Laranjeiras do Sul/PR.
Objetivou-se, nesta Pré-Conferência Regional de Educação do Campo:

(1) Reafirmar o conceito e o caráter da Conferência, visto que a Conferência é uma instância de participação social que comumente é convocada por um órgão público, com vistas a institucionalizar a participação da sociedade civil nas atividades de planejamento, gestão e controle de uma determinada política que foi ou precisa ser implementada em âmbito local, estadual ou federal. Neste espaço, ocorrem debates nos grupos de trabalho com a finalidade de discutir a respeito de temas específicos e elaborar, de acordo com os eixos determinados, propostas de políticas relacionadas ao tema da Conferência, e, posteriormente, encaminhado à etapa estadual. Além desse processo, é necessário eleger delegados que irão representar a sociedade civil participativa na Pré-Conferência, que estarão presentes na próxima etapa, que será Estadual ou Nacional.
(2) Realizar uma análise que problematize a situação da Educação do e no Campo, bem como a situação de vida e de trabalho dos trabalhadores do campo.
(3) Construir um documento referência desse evento, semelhante à “Carta de Porto Barreiro”, para que tenha força política. Neste documento, serão apresentadas as demandas para a Educação do e no Campo de modo a mostrar ao governo que os Movimentos Sociais do Campo estão se articulando pela garantia de políticas educacionais do e no campo no Paraná.
(4) Contribuir com o debate sobre o papel da Escola Pública do Campo no processo de Desenvolvimento Rural Sustentável.

Do balanço e das perspectivas da Educação do Campo na Região de Maringá - PR
Após a retomada histórica propiciada pela leitura da Carta de Porto Barreiro (PORTO BARREIRO, 2000), que lança luz à concepção, aos significados e às perspectivas teóricas e práticas da Educação do e no Campo no âmbito local e nacional, destacamos que este documento é tomado como eixo norteador da nossa Pré-Conferência. Entendemos que esta Carta é um dos principais instrumentos políticos construída histórica e socialmente no I Seminário de Estadual de Educação do Campo que pensou uma política estadual de Educação do Campo, refletindo a realidade século XXI no Estado do Paraná.
Iniciamos a Pré-Conferência Regional de Educação do Campo com a clareza de que este é um espaço político e pedagógico que possibilita a análise da Educação do Campo, apontando limites, diretrizes e ações de luta por políticas públicas que garantam às populações do campo o direito à educação no lugar onde vivem.
Dessa forma, constatamos que:
1. A conjuntura econômica e política existente no estado do Paraná marginaliza a educação dos trabalhadores do campo, contribuindo para o aumento de dificuldades com o planejamento de ações e projetos escolares, visto que a maioria das escolas apresenta um quadro de professores temporários. Como exemplo dessa situação, algumas escolas afirmam que não têm condições de transporte e deslocamento. Para solucionar esta questão, é urgente reivindicar junto à Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED) uma política pública de incentivo à permanência dos professores nas escolas do campo, reduzindo a rotatividade desses profissionais, situação esta que atrapalha o encaminhamento político e pedagógico das escolas do campo.
2. É relatado pelos próprios sujeitos que há uma discriminação em relação ao camponês que se desloca até o meio urbano para estudar. Infelizmente, ainda existe a desvalorização do campo como território de saber em escolas urbanas e do campo. Dessa forma, é necessário que a importância da educação para os trabalhadores do campo seja trabalhada na educação urbana, para que os jovens do campo possam ser valorizados.
3. A migração do jovem camponês para os centros urbanos ocorre devido à busca de trabalho, abandonando, assim, o campo e demonstrando a desvalorização e a falta de incentivo para a permanência do sujeito em seu local de origem.
4. Existem denúncias de fechamento de escolas do campo, o qual impacta negativamente o desenvolvimento da Educação do Campo. Há um retrocesso educacional devido ao fechamento das escolas do campo, os governantes demonstram do lado que se encontram o agronegócio. Remetemo-nos a abordar essa questão, pois o que está em jogo é algo bem maior, a Educação do Campo como um direito do sujeito camponês e dever do Estado. Para suprir a demanda de alunos que frequentavam essas escolas, implementa-se a política do transporte escolar e da nucleação de escolas.
6. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) prevê que as escolas do campo adequem o ensino à sua realidade particular, porém esse processo apresenta dificuldades, a começar pela formação dos professores do campo, que, em sua maioria, ocorre em centros urbanos. Uma das soluções é pautar para a APP Sindicato e ao Estado uma política de formação e valorização continuada aos professores que atuam nas escolas do campo.
7. É necessário diminuir a burocracia para superar a lentidão com a qual as políticas são colocadas em prática, bem como aumentar o investimento financeiro. Necessidade de viabilização de projetos como o Curso de Pedagogia da Terra, da UEM e outros que preparam o professor para trabalhar no contexto do aluno do campo.
8. Promover parcerias entre a Secretaria Estadual de Educação (SEED) e as escolas de agroecologia existentes no estado do Paraná, a fim de investir e apoiar as práticas pedagógicas estratégicas de agroecologia no desenvolvimento tecnológico voltado à Educação do Campo, melhorando a qualidade de ensino e facilitando o acesso ao conhecimento sistematizado para os educandos.
9. Valorizar a Educação de Jovens, Adultos e Idosos do campo e garantir que seja implementada como Política Pública de Estado, sendo a mesma incluída no sistema EJA Campo.
10. Os Conselhos de Desenvolvimento Rural dos Municípios devem ser fortalecidos com o aumento de sua visibilidade e poder de decisão.
11. Alguns professores e diretores da rede pública estadual expuseram suas inquietações quanto à dificuldade em entender a proposta de Educação do Campo tal como a SEED colocou a situação, ou seja, somente distribuindo as resoluções e diretrizes do governo para os gestores e deixando nas mãos da escola e da comunidade o processo de troca de nomenclatura da escola. Por isso, o processo precisa ser institucionalmente coordenado pela Secretaria de Educação do Estado do Paraná (SEED) junto aos diretores, diretoras e
equipes pedagógicas do campo a partir de investimentos na formação continuada desses educadores.
12. Visando atender ao tópico 10, é necessário pautar uma agenda que amplie o diálogo entre as escolas do campo, comunidade e os núcleos regionais de educação. Inclusive, reivindicando ao Ministério da Educação (MEC) a criação de uma agenda nacional integrada para a Educação do Campo.
13. Evidenciou-se que o processo de construção histórica das políticas para Educação do Campo no Estado do Paraná encontrou uma série de questões irregulares, tais como: adequação do perímetro rural da cidade por arrecadação de IPTU; fechamento das escolas municipais do campo para oferecer o transporte; quadro docente temporário devido ao PSS.
14. Foi ressaltada a discussão sobre a ausência dos Núcleos Regionais de Educação nas questões práticas das escolas. A falta de formação dos gestores para lidar com a modificação das escolas não é uma escolha deles, mas da falta de ação do núcleo regional de educação. É o Núcleo que deve estabelecer reuniões para levar a compreensão da Educação do Campo para essas escolas, e não os gestores que devem ficar correndo atrás do entendimento. A função do Núcleo é dar o suporte para essas escolas.
15. Foram recordadas as dificuldades de negociação com a SEED no processo de reunião do Comitê Estadual de Educação do Campo. Além disso, constatou-se a desintegração do quadro de funcionários que trabalhavam com a Educação do Campo no governo do Paraná (2007-2010), realizado pelo governo atual, dificultando o processo de garantias por políticas educacionais de Estado para as populações do campo.
16. Na fala dos representantes dos Movimentos Sociais do Campo, presentes nesta Pré-Conferência, foi explicado que a dinâmica curricular das escolas do campo se relaciona com a importância de pensar a complementaridade do campo e da cidade, uma vez que a escola do campo não sobrevive sem a participação da cidade. Foi ressaltado, ainda, o significado da escola na formação da identidade dos indivíduos, a concepção de
educação ampliada que tem a Educação do Campo, a importância da comunidade e das políticas de estado, bem como a importância da participação da comunidade.
17. O conceito de Educação do Campo deve ter significado aos sujeitos do campo e no campo. Seu caráter de educação que visa ao processo contra-hegemônico da classe trabalhadora é urgente para: o rompimento com a situação nacional e global vigente, a formação integral do ser humano e acesso ao conhecimento historicamente construído e acumulado pela sociedade. E não pode, em nenhum momento, reproduzir a desigualdade que engendra sociedade capitalista.
18. Finalizamos nossas análises com o resgate de um sujeito histórico e social do campo que afirmou emocionadamente que toda conjuntura econômica, política e educacional atual mostra que o campo sempre foi inferior. Nesse sentido, deve haver uma parceria junto aos professores e de forma permanente para viabilizar a Educação do Campo. Os filhos dos camponeses, da agricultura familiar não querem mais ficar no campo, já que a escola tem incentivado as crianças a irem para a cidade. Existe um preconceito em relação a ser filho de agricultor que, por sua vez, produz os alimentos que suprem as necessidades da cidade. Deve haver a permanência conjunta da Educação do Campo e da cidade. Deve haver a valorização do campo, onde a escola é um dos elementos, porque não há escolas do campo num campo sem perspectivas, com o povo sem horizontes e buscando sair dele.
Diante dos objetivos desta Pré-Conferência, firmou-se o compromisso de elaborar e apresentar o conteúdo desta Carta na III Conferência Estadual de Educação do Campo, por meio dos delegados: Aparecido Calegari e Ivone Francisca de Souza (Sindicato Rural de Colorado), Caroline Mari de Oliveira e Rozenilda Luz Oliveira de Matos (Pós-graduandas em educação da UEM), Wagner Roberto do Amaral (UEL), João das Graças Oliveira e Maria Parolin (MAB), Adilson Vagner de Matos (MST/Escola de Agroecologia Milton Santos).

Assinam a Carta da Pré-Conferência Regional de Educação do Campo (Região de Maringá/PR):

Articulação Paranaense por uma Educação do Campo

Centro Social Marista de Maringá
Rosiany Maria da Silva

Colégio Estadual Felipe Silveira Bittencourt de Marialva/PR
Abigail Correa Gonçalves
Alessandra Medina (Mandaguari)
Edson Reis da Silva
Lenira Sampaio Stubs
Lilian Cristina Marini Pepinelli

Colégio Estadual João Farias da Costa de Nova Cantu/PR
Cristiane Valéria Bósio Klein Leal

Comitê Estadual de Educação do Campo
Kiomi Hirose (Professora Departamento de Teoria e Prática da Educação / GEPPGE)
Elias Canuto Brandão (Professor Departamento de Educação UNESPAR/GEPPPEC)

Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE) e Projeto 707/2003
Ana Paula Rosa da Silva
Caroline Mari de Oliveira
Darlene Novacov Bogatschov
Dominique Michèle Perioto Guhur
Elias Canuto Brandão
Irizelda Martins de Souza e Silva
Jani Alves da Silva Moreira
Kethlen Leite de Moura
Kiyomi Hirose
Maria Aparecida Cecílio
Maria Eunice França Volsi
Odair Antônio Fernandes
Rebeca Szczawlinska Mucieniecks
Rozenilda Luz de Oliveira de Matos

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST /Escola de Agroecologia Milton Santos)
Adilson Vagner de Matos
Aparecida do Carmo Lima
Márcia Gomes Pego
Natália da Silva

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
João das Graças Oliveira
Maria Parolin

Núcleo Regional de Educação (NRE – Maringá/PR)
Valkíria Trindade de A. Santos

Secretaria Municipal de Educação de Maringá (SEDUC)
Maria Eunice Carmonada
Rosilene Nascimento Polizeli

Sindicato Rural de Maringá – Comissão de Mulheres
Ana Cristina do N. Versari

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Santo Inácio
José Ulisses de Brito

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Colorado
Aparecido Calegari
Ivone Francisca de Souza

Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR)
Elias Canuto Brandão
Vanderlei Amboni

Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Maria Regina Clivati Capelo
Wagner Roberto do Amaral

Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Ana Paula Rosa da Silva (Graduação em Pedagogia / GEPPGE)
Caroline Mari de Oliveira (Pós-Graduação em Educação / GEPPGE)
Francielle de Camargo Ghellere (Pós-Graduação em Educação)
Heliana da Silva (Laboratório de Apoio Pedagógico - LAP)
Irizelda Martins de Souza e Silva (Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação / PPE / GEPPGE)
Jeinni Kelly Pereira Puziol (GEPPGE / Professora do Departamento de Geografia)
Kethlen Leite de Moura (Pós-Graduação em Educação/GEPPGE)
Rebeca Szczawlinska Muceniecks (Pós-Graduação em Educação / GEPPGE)
Rozenilda Luz de Oliveira (Pós-Graduação em Educação / GEPPGE)


Maringá, 23 de outubro de 2012.