quarta-feira, 31 de outubro de 2007

INICIAÇÃO CIENTÍFICA - JULIANA CANALE

Políticas Públicas Para Educação no Campo: revisando as implementações do sistema nacional para formação de educadores



Acadêmica: Juliana Canale Camargo
Orientadora: Irizelda Martins de Souza e Silva
Co-orientadora: Maria Aparecida Cecílio



RELATÓRIO FINAL PIC
Período: agosto de 2005 a julho de 2006



No objetivo de atualizar informações para o ensino e ao mesmo tempo, organizar fontes documentais para análises posteriores, pela equipe de execução do projeto institucional: Políticas Públicas e Gestão na década da educação no Brasil: a educação do campo, o trabalho precoce e a formação de educadores entre 1997 e 2007 – Processo 3740, ao qual o presente projeto de iniciação científica é vinculado, realizamos levantamento de documentos oficiais das Secretarias de Estado da Educação sobre a formação de educadores para educação no campo, implementadas a partir de 1997.
Nessa perspectiva podemos registrar no presente relatório que a educação na zona rural, assegurada pela Lei Federal nº 9394/96 (na qual afirma-se e defende-se uma adaptação adequada às reais necessidades e singularidades da vida rural), tem sido objeto de várias discussões em assembléias e em encontros realizados a nível nacional. Dentre os quais podemos citar: o I Seminário Estadual da Educação do Campo, com o tema: Construindo Políticas Públicas (9 a 11 de Março de 2004); o II Seminário de Educação no Campo do Paraná, realizado em parceria – SEED/PR e MEC, (7 a 9 De Abril de 2005); o II Encontro Estadual de 2000 (realizado concomitantemente com a II Conferência Estadual por uma Educação do Campo, de 2 a 5 de novembro de 2000), em Porto Barreiro; e a II Conferência Nacional por uma Educação do Campo – CNEC, Luziânia/GO, (2 a 6 de agosto de 2004).
Nesses eventos foram discutidas as ações que cumprem de fato o que leis asseguram. Trabalhou-se para a elaboração de políticas públicas que garantam direitos sociais e humanos na luta por direitos conquistados e que necessitam ser concretizados. Diante dessas questões que tematizam a educação voltada para a zona rural, estudamos a questão e realizamos levantamento com a finalidade de verificar a real importância dada à educação no e do campo, sua concretização e quais são as formas de implementação de políticas públicas e os entraves existentes.
Com base em consultas a páginas da web das secretarias de educação dos estados brasileiros, no período de novembro de 2005 até junho de 2006, por meio de telefone (cabe informar que em todas tentativas não conseguimos atendimento), e via e-mail (dos quais não obtivemos respostas); verificamos que a maioria dos estados consultados não traz informações relacionadas a políticas públicas destinadas à educação do e no campo, bem como informações pertinentes à formação do educador. Este fato pode ser subentendido como descaso à essa população da a zona urbana, também possui as mesmas garantias de ensino, de acesso e permanência a uma educação escolar de qualidade, numa escola com estrutura física adequada e com educadores devidamente capacitados, orientados e remunerados.
Todos os direitos, como afirma a Carta Magna de 1988, independem do local onde o cidadão resida e de sua condição financeira e etnia. A educação precisa alcançar a todos os cidadãos, morem eles no campo ou na cidade.
Alguns dos estados pesquisados, como Acre, Alagoas e Maranhão não possuem informação alguma nos sites, aliás, a única informação disponível é a mensagem “EM BREVE ou EM CONSTRUÇÃO”, o que denota falta de preparo necessário para a atualização e disponibilização de informações relacionadas à educação. Nas Regiões Norte e Nordeste do Brasil constatamos que a maioria do estados não apresenta políticas públicas para a educação do campo e para a formação de professores.
Mediante o mapeamento panorâmico da educação no e do campo, objetivamos: Atualizar informações e verificar implementações estaduais de políticas públicas para a formação de educadores no campo até o ano de 2004, organizando fontes para análises posteriores.
O presente estudo constituiu-se como suporte de trabalho de investigação durante o período de agosto de 2005 a julho de 2006. Para o desenvolvimento das atividades propostas realizamos consultas, por meio de internet, às páginas das secretarias estaduais de educação das Regiões Norte e Nordeste, orientadas com a elaboração de questionário constituído de perguntas relacionadas às garantias de ensino ofertadas pelas secretarias estaduais de educação abordando desde a educação rural e indígena, a existência de escolas agrícolas e a valorização dos profissionais da educação.
•Desenvolvimento da problemática:
Neste projeto verificamos se o que está determinado legalmente é de fato real e cumprido em suas determinações, isto é, por meio da pesquisa, demonstramos se
o que é legal é legítimo. As consultas às secretarias estaduais de educação das Regiões Norte e Nordeste serviram como agentes indicadores em relação à educação no campo dentro do cenário nacional. Os primeiros dados reunidos, a partir do levantamento que realizamos, demonstram a necessidade de implementação de políticas públicas para a educação no e do campo, extrapolando os limites de programas sociais e atendimento desta população. Frente à necessidade de legitimidade das políticas nacionais a problemática a ser equacionada é saber se o que é legal é legítimo?
Na busca de respostas ao questionamento, observamos a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, na qual declara-se a educação como sendo um direito estendido a todos, sem exclusão alguma e como dever do Estado, o que a torna em direito público subjetivo no que se refere ao ensino fundamental. Neste ponto a educação deve ser irrestrita, deve ser independente da condição financeira do cidadão, bem como da sua etnia e moradia, seja ela urbana ou rural. Assim sendo, os princípios constitucionais da educação são delegados a todos os níveis e modalidades de ensino realizados em qualquer região e lugar do Brasil.

Segue-se a Carta Magna de 1988:

Título I Artigo 3o IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do DesportoSeção I – Da Educação I – Igualdade de condições para o acesso e permanência da escola;

Artigo 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III- pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
IV- gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V- valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
VI- gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII- garantia de padrão de qualidade
Também observamos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96

Artigo 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias ã sua adequação a peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodológicos apropriados a reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II – organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural
Artigo 78. I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, acesso a informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não índias.

A LDB 9394/96 prevê formação específica para o professor que vai atuar na educação das comunidades indígenas. E será desenvolvida conforme Artigo 79:

Artigo 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no provimento da educação intercultural às comunidades indígenas, desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.
1o –Os programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas.
2o- Os programas a que se refere este artigo, incluído nos Planos Nacional de Educação, terão objetivos:
I- fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de dada comunidade indígena;
II- manter programas de formação de pessoal especializado destinado à educação escolar indígena;
III- desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV- elaborar e publicar sistematicamente material didático e específico diferenciado.
Bem como nas diretrizes da CNE/CEB n. 1 de 03 de abril de 2002:

(...) a oferta do ensino fundamental precisa chegar a todos os recantos do País e a ampliação da oferta das quatro séries regulares em substituição às classes isoladas unidocentes é meta a ser perseguida, consideradas as peculiaridades regionais e a sazonalidade.

As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, instituídas na Resolução CNE/CEB no 1, de 03 de Abril de 2002 (Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica) manifesta que
a decisão de propor, supõe, em primeiro lugar, a identificação de um modo próprio de vida social e utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem perder de vista o nacional (Parecer 36/2001 do CNE/CEB, p.29).

As leis e diretrizes acima citadas servem de subsidio na verificação de sua legitimidade quanto à questão da educação rural e funcionam como auxiliares neste projeto a fim de revisar as implementações do sistema nacional para a formação de educadores. Passemos agora para os primeiros dados descobertos.


Educação rural: o mito

Os primeiros dados levantados na pesquisa revelam que grande parte dos Estados da Região Norte e Nordeste não apresenta informações claras e adequadas à questão da educação do campo. Notamos uma versão distorcida quanto ao conceito da educação rural. Criou-se, deste modo um mito em torno deste tema, que por carência de informações claras, adequadas e isentas de pré-conceito, fica restrito exclusivamente ao morador da zona rural. Quando na realidade a Educação Rural engloba os assalariados rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados, atingidos por barragens, agricultores familiares, vileiros rurais, povos da floresta, indígenas, descendentes de negros provenientes de quilombos, pescadores, ribeirinhos que retratam a diversidade sócio-cultural no Brasil.
Como podemos notar a gama da educação rural não se restringe apenas à imagem do caipira, ao trabalhador de enxada na mão, eternizado pelo estereótipo do Jeca. Faz-se necessário tomar esse ponto de vista como parâmetro para que não haja exclusão e, conseqüentemente, a educação rural alcance sua real demanda. Quanto à formação de professores para atendimento a esta população, a pesquisa nos possibilitou a organização de demonstrativo das regiões Norte e Nordeste do país que expomos a seguir.

Quadro atual das implementações do sistema nacional para a formação de educadores do campo na Região Norte e Nordeste do Brasil

Após percorrer os Estados que compõem a Região Norte e Nordeste é possível apontar alguns dados relevantes, e que, podemos afirmar, denotam dificuldades nas implementações de políticas públicas voltadas a educação do campo.
Demostram-se comuns os seguintes aspectos do corpus coletado:

· Dados revelam a ausência das implementações estaduais de políticas públicas para a formação de professores, inclusive quanto à formação de educadores do campo. Há poucas informações relacionadas à existência de escolas agrícolas, bem como seu funcionamento e se o ensino ocorre de modo integral ;

· A minoria dos Estados pesquisados, aborda o tema da educação rural, outros sequer mencionam o item na página principal dos sites oficiais das secretarias;

· A educação do campo é interpretada sob um ângulo restrito e por isso mesmo, transforma-se em agente excludente. Grupos de pessoas como os ribeirinhos, os assentados, os meeiros e remanescentes de quilombos acabem sofrendo, de certo modo, negligência quanto à questão da educação. Também não há informações sobre projetos e ampliação de atendimentos nos diferentes níveis de ensino;

· A formação do professor indígena resulta da luta do seu próprio povo, há neles o desejo de formarem educadores índios que possam ensinar sua própria comunidade, mantendo deste modo sua identidade cultural e servindo de exemplo e incentivo para os moradores das comunidades;

· Percebemos um baixo índice de investimento das Secretarias Estaduais de Educação em questão da formação continuada. Embora exista, nos sites informações de diversos cursos de capacitação de educadores.

Os resultados alcançados indicam que há um contraste considerável pelo que é garantido por leis e diretrizes e o que podemos encontrar nos sites oficiais das secretarias de educação. Entretanto, nossa investigação reúne dados de iniciativas que correspondem aos objetivos das políticas públicas para a educação do campo. Seguem alguns projetos que exemplificam de modo positivo, prático e eficaz as implementações nacionais para a formação de educadores do campo.

Formação do professor para o campo:
Iniciativas que fazem diferença

· O Estado do Amazonas conta com o projeto Pirayawara – formação de professores indígenas. Surgiu mediante pedidos das comunidades indígenas, que têm lutado para possuírem educadores do seu próprio povo, a fim da gradativa alfabetização de suas comunidades sem perder sua identidade. Atualmente o projeto atende a 21 etnias e possui 633 professores indígenas além de 16 publicações em português;

· Programa de Formação para o Magistério Indígena (Estado da Bahia), existente desde de 1996. O primeiro curso encerrou em agosto de 2003, no qual formaram-se 90 professores destinados a atender cerca de 3.492 estudantes;

· O Estado da Bahia ainda apresenta projetos importantes relacionados à valorização dos profissionais da educação, pode-se citar os programas de Formação Inicial (em módulos presenciais e a distância), e os programas de Formação Continuada: o Proformação (pós-graduação em strictu/lato senso e aperfeiçoamento);

· Projeto Escola Ativa: na Bahia atende a 123 municípios. O projeto combina vários elementos, como estratégias metodológicas próprias, e viabilizando materiais didáticos (nas diversas áreas do conhecimento). A Escola Ativa está presente também no Estado de Rondônia, onde foi implantado desde 1999 e atendeu até 2001 vários municípios, 42 escolas, 57 professores e cerca de 1383 alunos. No Estado de Sergipe a Escola Ativa é voltada às unidades de ensino (estadual e municipal) rurais com classes multiseriadas (de 1a a 4a série) do ensino fundamental;

· Projeto de Formação do Educador Indígena (Ceará): elaboração e publicação de materiais didáticos diferenciados. Possui 1.048 alunos indígenas, 62 professores e 25 escolas indígenas, além da implantação de um laboratório de informática numa escola indígena do povo de Irembé (Itarema);

· A educação no campo no Estado do Pará atende pessoas que moram no interior do estado, indígenas, e remanescentes de quilombos. Atendeu em 2004 mais de 70.000 alunos (desde a educação infantil ao Curso Normal) da zona rural. Além disso, o Estado possui o “Projeto Biblioteca Itinerante” (que conta com 200 títulos), atende escolas da rede estadual localizadas em áreas de difícil acesso como as escolas de remanescentes de quilombos, indígenas e interior a fim de subsidiar professores, alunos e comunidade escolar;


Um mapeamento para considerações

Os resultados encontrados até o momento apontam a necessidade prioritária das implementações do sistema nacional para a formação de educadores do campo, ou seja, precisamos legitimar o que já é legal.
Os dados revelam que é necessário desmitificar a imagem do morador da zona rural como o caipira, o famoso Jeca. Deste modo poderemos lançar parâmetros para a educação no campo que alcancem a demanda real, tornando a educação um direito a todo cidadão, independente da sua moradia, idade, sexo e etnia.
Como podemos notar a gama da educação rural não se restringe apenas à imagem do caipira, ao trabalhador de enxada na mão, eternizado pelo estereótipo do Jeca. Faz-se necessário tomar esse ponto de vista como parâmetro para que não haja exclusão e, conseqüentemente, a educação rural alcance sua real demanda.

A Educação do campo: dados

Esta pesquisa pôde encontrar dados que revelam iniciativas que correspondem aos objetivos das políticas públicas para a educação do campo. Seguem alguns projetos que exemplificam de modo positivo, prático e eficaz as implementações nacionais para a formação de educadores do campo.
Dentre as secretarias que se encontram nesse quadro está o Estado do Amapá. Quanto às garantias de ensino fornecidas pelo Estado para a formação do campo encontra-se o “Projeto Some” (implantado desde 1998) objetiva garantir o ensino sistematizado à zona rural do Estado (educação fundamental) assegurando a ampliação do nível de escolaridade o acesso e a permanência dos alunos em suas comunidades. A avaliação da aprendizagem acontece de forma integrada, participativa, e visa um “diagnóstico qualificativo” do processo de ensino-aprendizagem. A avaliação envolve as diferentes habilidades não apenas ligadas ao cognitivo, visando o desenvolvimento e a formação integral do aluno.
O processo avaliativo constitui-se de 50 pontos distribuídos em 5 tarefas/atividades de 10 pontos cada uma. Registrando-se o mínimo de 25 pontos para a aprovação final. Caso o aluno não alcance os objetivos estipulados pela avaliação ele passa pela “recuperação da aprendizagem” desenvolvida pelo projeto. A recuperação é realizada em cinco dias específicos, ocorre de modo independente, atribuído-se 10 pontos, que são distribuídos em no mínimo duas tarefas /atividades computando-se a nota 5 como o mínimo para a aprovação.
Outras iniciativas positivas em relação à educação do campo são encontradas no estado da Bahia. O qual desenvolve o “Projeto Escola Ativa”, que funciona em escolas rurais, de 1a a 4a séries, atende a 123 municípios e combina vários elementos (estratégia metodológica própria) munindo as classes de materiais didáticos nas diversas áreas do conhecimento. Vale acrescentar que a Escola Ativa focaliza a formação continuada do professor, este projeto propõe um processo de formação em três níveis: dos quais o primeiro nível trata dos cursos propriamente ditos; o segundo nivele é o acompanhamento direto a pratica docente acompanhada de reuniões pedagógicas mensais; e o último nível é o microcentro, no qual se realiza o aprofundamento dos estudos e da socialização das experiências adquiridas.
Quanto a Secretaria Estadual da Educação do Ceará, há informações sobre o Projeto Telensino e sobre educação nos assentamentos. O Programa de Telensino, criado em 1974, o programa ocupa uma faixa significativa da oferta de Ensino Fundamental no Estado do Ceará. Consta na página da secretaria de educação que o Telensino atende mais de 420.00 alunos e viabiliza a democratização desta oferta da Capital e em municípios do interior do Estado, com ênfase na zona rural.
Constituem o sistema do programa equipes curriculares, equipes de acompanhamento pedagógico, emissão de programa via TV Ceará em canal aberto, recepção organizada nas telesalas, e processo ensino-aprendizagem mediado para professores orientadores. Como proposta pedagógica, o Programa Telensino compromete-se com o humanismo pedagógico e com a formação de alunos solidários, participativos, criativos e autônomos.
Quanto à questão dos assentamentos, a Secretaria de Educação vem desenvolvendo, por meio de um convênio com o MST, ações para a escolarização, pós-alfabetização (1a e 2a série), Ensino Fundamental e Ensino Médio. Em funcionamento dede 1996, esta parceria já atendeu 3.500 pessoas nos cursos de alfabetização, e há previsão de atendimento a 2.700 assentados em 33 municípios.
O termo ‘educação do campo’ engloba, no Estado do Pará, o ensino destinado às pessoas que moram no interior, como também os indígenas e os remanescentes de quilombos. Consta no site que no ano de 2004 foram matriculados cerca de 71.522 alunos (desde a educação infantil ao curso normal) da zona rural. Além disso, a página da secretaria o “Projeto Biblioteca Itinerante”, projeto que atende escolas da rede estadual localizadas em áreas de difícil acesso, como as escolas de remanescentes de quilombos, indígenas e do interior. O projeto foi criado a fim de subsidiar professores, alunos e comunidade escolar, como também criar uma reflexão prática pedagógica no tocante a diversidade étnico-cultural de cada região. A “Biblioteca Itinerante” percorre as escolas dos municípios contemplados e permanece de acordo com o tempo estipulado em cada escola, o projeto conta com várias caixas de madeiras que transportam 200 títulos.
A “Escola Ativa” está presente no Estado de Rondônia, onde objetiva capacitar professores de classes multiseriadas da zona rural nas áreas de Língua Portuguesa, Matemática, Estudos Sociais e Ciências. O site da Secretaria Estadual de Educação informa que o projeto implantado em 1999 atendeu até o ano de 2001 vários municípios, 42 escolas, 57 professores e 1383 alunos. Afirma ainda que no ano de 2004 mais 05 escolas dos municípios de Alta floresta do Oeste, Alto Alegre dos Parecis, Chupinguaia, Seringueira e Machadinho do Oeste foram atendidas pelo programa.
O “Projeto Escola Ativa” também está implantado no Estado do Sergipe, voltado às unidades de ensino (estadual e municipal) rurais com classes multiseriadas (de 1a a 4a série) do ensino fundamental. O programa utiliza-se de estratégias pedagógicas, incluindo a auto-aprendizagem, trabalho em grupo, ensino por módulos, livros didáticos próprios especiais, bem como a participação da comunidade. A “Escola Ativa” dispõe ainda de avaliação processual, capacitação continuada e o acompanhamento constante, de alunos e docente.
Como anteriormente mencionado, o programa atende as classes do ensino fundamental, entretanto não há informações sobre o ensino médio. Fato que gera questionamentos sobre os alunos correspondentes a essa faixa etária: depois que concluírem o ensino fundamental qual será a opção desses alunos? Para qual instituição de ensino serão encaminhados? Haverá estruturas físicas adequadas para atendê-los na região onde residem, ou terão de estudar na cidade? E caso isso ocorra, como farão para deslocar-se até lá?Tais questões servem para reflexão, e no momento cabe deixa-las em suspenso e dar continuidade aos resultados deste projeto.
É válido mencionar que com uma parceria pública privada, a Secretaria de Educação de Tocantins transferiu as atribuições para a fundação Pró-Cerrado. A fundação iniciou um processo de administração pública não-estatal do colégio Agrícola de Natividade. Também iniciou uma reforma, da qual a primeira etapa da revitalização do colégio teria a inauguração prevista para o dia 26 do mês de Maio deste ano. Por meio desta reforma possibilita-se a continuidade de ensino dos 100 alunos já matriculados, como também oportuniza a entrada de quase o dobro desse número.
Jefferson Nascimento, o autor do boletim no site da secretaria, afirma que a revitalização beneficiará o desenvolvimento da cidade por meio da força produtiva agrícola, como também o progresso educacional da região.
Além dessas informações a respeito da educação no campo, destacamos também a questão indígena.

A questão indígena
Percorrendo os vários sites oficiais das secretarias de educação verificou-se certa incidência na maioria dos Estados pesquisados: a educação indígena não é tratada como parte integrante da educação do campo, e sim como algo independente dela; a luta das comunidades indígenas por seus direitos à educação.
Como mencionado anteriormente, neste trabalho adotou-se um ponto de vista que engloba na educação rural não apenas o morador do interior, da zona rural, mas também meeiros, assentados, reassentados, posseiros, indígenas entre outros.
Entretanto, nesse momento faz-se necessário abordar a questão indígena. A pesquisa nos sites oficiais das secretarias estaduais da educação revelou que Estados como Amapá, Pernambuco, Sergipe e Tocantins não citam informações sobre a educação indígena.
Contudo esse quadro não é o mesmo para Estados como Amazonas, Bahia, Ceará, Pará e Rondônia, que figuram entre os que demonstram iniciativas voltadas à questão indígena. Durante a pesquisa verificou nesses lugares resultados positivos que de fato vem acrescentar um diferencial relevante à questão.
O Projeto Pirayawara, no Estado do Amazonas integra esse grupo de iniciativas. Trata-se da formação de professores indígenas, o projeto obedece a uma política de Educação Escolar Indígena, proporcionando deste modo o resgate das memórias históricas, da língua, da ciência e da identidade étnica aos povos indígenas além da interação com outras sociedades indígenas e não índias. De acordo com a secretaria da educação do Amazonas, o projeto tem como objetivo viabilizar condições de acesso e de permanência na escola à população escolarizável nas terras indígenas.
O site também informa que o curso estrutura-se em 09 etapas: 05 etapas para o ensino fundamental e 04 etapas para o ensino médio normal e indígena. Tem durabilidade de 45 a 50 dias, com 10 horas de aulas ministradas em turmas. Todo o material pesquisado e elaborado pelo professor indígena é conduzido ao SEDUC, a fim de ser elaborado com o auxílio docente de varias áreas de conhecimento. O próximo passo será a organização da publicação deste material. Que será publicado em português como também na língua materna de cada povo indígena. Atualmente o projeto atende 21 etnias, com 633 professores indígenas em formação e produziu cerca de 16 publicações em língua portuguesa.
É interessante notar que o projeto nasceu mediante as reivindicações das comunidades indígenas, que indicam os índios mais qualificados para participar do curso. Fato que revela a consciência do povo indígena quanta os seus direitos à educação, bem como o direito a um ensino de qualidade e bilíngüe assegurada pela Constituição Federal de 1988 e pela LDB 9.394/96 (artigo 78).
A secretaria da educação da Bahia informa que em 20 de janeiro de 2004 foi criada a Coordenação de Educação Indígena e do Campo, situada dentro da nova estrutura da SEED, a fim de atender essas 02 modalidades de ensino, integrantes da estrutura da educação brasileira.
Os dados do Censo Escolar do ano de 2004 apontam que a Educação Escolar Indígena teve abrangência em 18 municípios, 35 aldeias, 11 aldeias/povos, 46 escolas (sendo que 41 escolas pertencem à rede municipal e as 05 restantes à rede estadual). Totalizando 157 classes, 190 professores e mais de 5.000 alunos.
Procurando valorizar e respeitar as diferenças e culturais, a Secretaria de Educação do Ceará desenvolve ações voltadas para a Educação Indígena e apresenta dados e resultados considerados como avanços e melhorismo no contexto educacional indígena. Dentre eles pode-se destacar:
-A elaboração do Projeto de formação do Educador Indígena;
-O aumento considerável de alunos (1.048) e professores (62) e a criação de mais 22 escolas indígenas, além da elaboração e publicação de material didático especifico e diferenciado;
-A divulgação para a sociedade do estado da existência da pluralidade étnica e cultural desses povos, seus valores e visão de mundo;
-Assinatura de um convênio entre SEDUC e as associações Indígenas como objetivo de viabilizar a remuneração de 64 professores indígenas;
-Além da implantação de um laboratório de informática em uma escola indígena do povo Tremembé (Itarema).
No Pará, a Coordenação de Educação Inclusiva (CEINC) desenvolve ações educacionais voltadas para povos indígenas e remanescentes de quilombos. A educação ocorre de modo descentralizado e contextualizado com a situação loco-regional como mostra a tabela a seguir.
A respeito da educação indígena o Estado da Paraíba apresenta na página principal da secretaria de educação apenas um boletim informativo (com a data de 15/02/06), no qual noticia uma reunião da SEEC, realizada com o intuito de discutir a construção de escolas em aldeias indígenas. O diretor do Departamento de Educação para Diversidade e Cidadania do MEC, Armênio Bello Schimiat confirmou o repasse de recursos ao estado na quantia de R$940 mil para a construção de escolas indígenas.
É no Estado de Rondônia que as políticas públicas voltadas para a educação do campo parecem atender as necessidades de educação e formação de educador que os povos indígenas precisam. Atualmente há 67 escolas indígenas, contabilizando um total de 2.918 alunos matriculados no Ensino Fundamental (dados do Censo Escolar de 2003), sendo que apenas quatro dessas escolas são administradas pela esfera municipal. Nas escolas localizadas nas aldeias o trabalho docente é ministrado por docentes indígenas nas séries iniciais do Ensino Fundamental (equivalente a 1a e 4a séries), estes professores são contratados em caráter emergencial.
A continuidade do Ensino Fundamental vem sendo ofertada de modo gradativo nas aldeias dos municípios de Guajará-Mirim e Cacoal. O projeto está sendo elaborado fundamentando-se na legislação vigente e com a participação das próprias comunidades indígenas.
No estado de Roraima há 18 escolas indígenas na região de Alto alegre, segundo informações do Núcleo Indígena. As escolas atendem mais de 3 mil alunos. Consta ainda na pagina principal da secretaria um boletim noticiando a Oficina de Alfabetização, que ocorreu no período de 06/03/06 à 10/03/06, na nação Tuxau (comunidade de Barata). A secretaria também informa que está em fase de conclusão um estudo que prevê a criação do Centro Regional do Ensino Indígena. O centro objetiva atender escolas indígenas que fazem parte do município de Alto Alegre. A princípio pensa-se em implantar a sede na comunidade de Barata, na região de Taiano. No início de março do ano corrente estiveram reunidos em Barata o governador Ottomar Pinto, o secretário da educação Hildebrando, além de diretores, tuxaus e a população para discutir a implantação do centro.

Formação do educador

Pertinente a valorização do profissional da educação encontramos no Estado do Amazonas o Projeto Pirayawara – formação de professores indígenas.O projeto surgiu mediante pedidos das comunidades indígenas, que têm lutado para possuírem educadores do seu próprio povo, a fim da gradativa alfabetização de suas comunidades sem perder sua identidade. Atualmente o projeto atende a 21 etnias e possui 633 professores indígenas além de 16 publicações em português.Consta ainda que o SEDUC iniciou em novembro do ano passado as atividades do Programa Progestão, no qual estima-se até o final deste ano tenha capacitado 1600 técnicos em educação, da capital bem como do interior do estado.O estado da Bahia garante a formação inicial e continuada de professores. O programa Formação para Professores integra ação de valorização do Magistério, definido como uma das linhas de atuação prioritárias do Programa Educar para Vencer fase II. Dos projetos desenvolvidos pode-se citar a Escola Ativa, que propões a formação de técnicos e professores em 3 níveis: sendo que o primeiro trata-se dos cursos propriamente ditos; já o segundo nível é o acompanhamento direto à prática docente e reuniões pedagógicas mensais; e o terceiro nível consiste no microcentro para o aprofundamento de estudo e socialização de experiências.O estado fornece Formação Inicial (nas modalidades presencial/distância, e o Proformação) além da Formação Continuada (Pós graduação strict/lato sensu, e o aperfeiçoamento). Os cursos de Formação Inicial na modalidade presencial duram 3 anos e objetivam graduar na primeira etapa cerca de 4.100 professores da rede estadual. Os cursos dão destinados aos professores do quadro efetivo da rede estadual, que possuem formação de nível médio e àqueles que possuem licenciatura curta. Já a modalidade a distância objetiva graduar o maior número possível de professores que atuam na rede pública estadual ofertando cursos de licenciatura plena em diferentes áreas de conhecimento.a secretaria de educação informa que mais de 375 professores já foram licenciados.
Em relação à formação do professor indígena o estado da Bahia possui o Projeto de Formação para o Magistério Indígena, que existe desde o ano de 1996, e nasceu da parceria do Instituto Anísio Teixeira em parceira com a SUPEM. O site informa que em dezembro de1997 iniciou-se no IAT o primeiro curso de Formação para o Magistério Indígena. O curso visava formar 90 professores indígenas para atender a uma população estimada de 3.492 estudantes.
O Projeto Proformação também está presente no estado do Ceará, o estado conta também com o Programa de Formação Docente em Nível Superior e o Magister Ceará. O Magister Ceará possui duas sistemáticas: a) programa de Formação à distância e modulada para 32.000 professores dos ciclos/séries iniciais; b) Programa de Formação Contínua Presencial e em Serviço, com 42.146 profissionais participantes. Tem como estratégias momentos de estudos intensivos; preparação dos formadores; oficinas pedagógicas; além de minicursos. Figuram entre os objetivos do programa capacitar profissionais da rede pública de ensino, que já possuem magistério ou outra formação, a fim de atuarem nas últimas séries do Ensino Fundamental e no ensino Médio, destinado a atender 12.045 professores em exercício.
A educação nos assentamentos no estado do Ceará vem sendo trabalhada por meio de um convênio da secretaria de educação com o MST. As aulas são ministradas por profissionais dos próprios assentamentos, estes professores são capacitados por agentes técnicos da SEDUC. Consta na página da secretaria que o governo do Estado tem apoiado tais ações por meio do repasse de recursos para o pagamento de monitores, para a capacitação e a aquisição de material didático e escolar.
No Estado do Pará há ações educacionais por meio de Cursos de Formação para Professores Índios. O público alvo destas ações é composto principalmente de professores índios, que possuem formação em serviço e alunos indígenas em faixa de idade escolar regular.Ainda é capacitado, técnico governamentais e professor não índio das redes estadual e municipal de ensino a fim de realizações referidas de modo descentralizado e contextualizado com a situação loco-regional como anteriormente mencionado no item da educação indígena.
Há boletins informativos na página oficial de Pernambuco que noticiam cursos que capacitação, dentre eles o Projeto Telemar, que reúne 32 professores para capacitação tecnológica co o objetivo de estimular a cidadania e promover projetos comunitários, fazendo uso do computador para dinamizar a aprendizagem.
O Estado de Rondônia oferta diversos projetos em relação à valorização do educador. A maior parte deles pertence à educação indígena, dos quais destaca-se o Projeto Açaí-Curso de formação em Magistério Indígena, que atende 126 professores indígenas atuantes em suas aldeias. O projeto apresenta etapas presenciais e não presenciais, disciplinas com ênfase no bilingüismo e nas interculturalidade na construção de metodologias específicas e dinâmicas.
Algumas páginas oficiais não estavam concluídas ou não constavam. Por meio do questionário verificou-se que muitas questões permanecem sem respostas, com exemplo as garantias de ensino fornecidas pelo Estado para a educação no campo; se o ensino no campo ocorre em tempo integral, informações sobre o número de matrículas efetuadas e de conclusões no campo no ano de 2004; quais são os níveis de ensino atendidos pela educação no campo e se há projetos para ampliação de atendimento para esses níveis. Além da questão indígena e da valorização dos profissionais da educação, restam questionamentos sobre a realização da formação continuada; se há tempo reservado para estudo e preparação de aulas;e ainda qual seria o piso salarial do educador nível regional e estadual?
Face o corpus coletado nessa pesquisa, que evidencia a necessidade prioritária de implementações de políticas públicas para a educação do e no campo, bem como para a formação do educador, acrescido das várias dúvidas não sanadas e perguntas que permanecem sem respostas, há uma precisão de dar continuidade a este trabalho. Deste modo poderíamos obter um quadro geral nacional, das reais condições da educação no e do campo e da formação de educadores no Brasil. Por meio da continuidade deste trabalho poderíamos alcançar dimensões mais exatas sobre a legitimização do legal, das condições de igualdades que qualquer pessoa tem direito, como assegura a Constituição de 1988, das garantias de ensino destinado a todo cidadão, independente da territorialidade ou etnia.




FONTES REFERENCIAIS E BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Brasília-DF: Câmara dos Deputados, 2002.

______. II Conferência Nacional por uma Educação do Campo–CNEC, Luziânia/GO, de 2 a 6 de agosto de 2004.

______. Lei Federal nº 9394/96, aprovada em 21 de dezembro de 1996.

______. Parecer nº 36/200-CNE. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo; Resolução 1/2002 –CNE. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

Carta de Porto Barreiro, caderno nº 2, da Articulação Paranaense: “Por uma Educação do Campo”, s/d.


SOARES, Edla de Araújo Lira. II SEMINÁRIOS ESTADUAIS: educação e diversidade no campo. Faxinal do Céu, 2005.



ANEXO


TABELA DE VERIFICAÇÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS DE ATENDIMENTO A POPULAÇÃO DO CAMPO NO PERÍODO DE 1996 E 2007.

1-Garantias de Ensino
-Quais são as garantias de ensino fornecidas pelo Estado para a educação no campo ?
-Como funcionam as garantias para a Educação Infantil, para 1a à 8a séries, e Ensino Médio?

-Existe Escola Agrícola?Em qual município? Desde quando? Como funciona?
-Existe Ensino Profissional?Como funciona?

-O que existe nos planos da Secretaria Estadual para a formação de professores?E para o professor que trabalha no campo (zona rural) ?

2-Educação Indígena
Existe atendimento para:
-educação infantil ?
-ensino fundamental ?
-ensino médio ?
-Como é realizada a formação do professor ? Onde (universidade ou outros)?
-O tempo do curso é presencial ou à distância ?

3- Educação no Campo
-O ensino é em tempo integral ? Em caso negativo, como funciona a questão do campo?
-Qual o número de matrículas no campo?
-Quantas conclusões houve no campo no ano 2004?

4-Atendimento
-Qual o número de alunos atendidos no campo?
-educação infantil:
-ensino fundamental:
-ensino médio
-Existe educação para adultos?
-Existe alfabetização para adultos?

5-Ampliação do atendimento
-Há projetos de ampliação de atendimento nos diferentes níveis de ensino no campo?
-educação infantil:
-ensino fundamental
-ensino médio
-outro(s)

6-Valorização dos profissionais da educação
-Existe formação continuada ?
-Existe tempo reservado para o estudo? Quantas horas?
-Existe tempo reservado para a preparação de aulas? Quantas horas?
-Qual o piso salarial do educador?

7-Desenvolvimento de sistema de informação
-Existem sites de informações, fornecendo boletins de projetos desenvolvidos ?
-O professor tem acesso a esses sites ?

8-Desenvolvimento de sistemas de avaliação
-Como é realizado o sistema de avaliação referente :
-educação infantil ?
-ensino fundamental ?
-ensino médio ?
-O sistema de avaliação é baseado no plano nacional ou segue outros padrões (estaduais)?

REVISTA COMUNICAÇÕES - UNIMEP

TRABALHO INFANTO-JUVENIL: A retroação na história da organização social do trabalho


Maria Aparecida Cecílio[1]

Resumo
O presente artigo é o início de um estudo sobre a condição de vida do trabalhador rural infanto-juvenil no Brasil. O objeto de estudo é a formação do trabalhador rural comparado com a máquina no desenvolvimento de atividades braçais com a preocupação de compreender a utilização da mão-de-obra infanto-juvenil no campo. O processo de industrialização, historiciza o pensar a retroação como categoria de análise da organização social do trabalho na formação do homem-máquina, evidenciando a contradição no uso de novas tecnologias na formação de uma população trabalhadora descartável, com prazo de validade.
Palavras-chave: Infanto-juvenil; trabalho; campo
Abstract: The present article is the beginning of one study about the condition of life of the workman contry infantile and juvenile. The object of estudy is the formation of the workman contrry compared with the machine in the development manual labourer with the preoccupation of comprehend the utilisation of the hand-of-work infantile and juvenile in the contry. The process of industrialization, historize the thinking the retroaction with category of analysis the organization sicial the work in the formation the man machine, to evidence the contradiction in the use of new technology in the formation of one population workman to discard, with period of validity.
Keywords: Infantile and juvenile, work; contry, man-machine.

O objetivo deste artigo é iniciar um estudo a respeito da utilização da mão-de-obra infanto-juvenil no campo. Para buscar entender essa prática, é preciso lembrar que a saída do homem do campo para as cidades foi motivada, em grande parte, pelo processo de industrialização das cidades.
A história da organização social do trabalho nos mostra que o processo de industrialização mundial agregou grande população infanto-juvenil oriunda do campo como mão-de-obra lucrativa em diferentes partes do mundo capitalista em nome da produção.
Para analisar esta questão como início de estudo, observamos que Marx ao buscar rumos para a “Crítica da economia política”, se orienta pela idéia de concreto como sinal de unidade do diverso para a realização sintética, porém reflexiva de uma sistemática de pensamento. Constatamos que essa busca levou-o a algumas generalizações que facilitaram a construção de parâmetros de análise vinculados à prática social da produção como algo concreto e abstrato ao mesmo tempo. Concreto porque pressupõe a determinação de relações, e abstrato porque possibilita ao pensamento apropriar-se do concreto para representá-lo.
Tais observações nos ajudam a caminhar na busca de rumos para nossa análise pressupondo que a realidade do final do século XX tem como problema histórico que buscamos entender, a concentração de famílias refutadas pelas empresas urbanas que servem aos interesses de produção das agroindústrias fornecendo mão-de-obra de crianças e adolescentes.
O fato da criança e o adolescente não contar com organização jurídica de defesa de sua cidadania com poder de fazer valer esse direito humano favoreceu o desenvolvimento da exploração do capitalismo rural sobre essa população.
O setor rural, como é o caso do Brasil, com a instalação das agroindústrias exportadoras, tornou-se campo de concentração da agregação de crianças e adolescentes nas frentes de trabalho penoso longe das vistas da população politicamente ativa. Esse fato é de relevância para a compreensão da retroação como categoria de análise das ciências cognitivas uma vez que pretendemos situar nossa argumentação no trabalho infanto-juvenil do setor rural do espaço geográfico brasileiro contemporâneo.
A utilização da mão-de-obra infanto-juvenil tanto no campo como na cidade, contribuem para a extinção de gerações sadias físico e mentalmente. Essa prática nada mais é do que a comprovação da falta de inteligência humana presente na organização dessa forma de captura de capital financeiro desvinculado do compromisso de garantir a vida digna ao trabalhador.
No ano de 1995, a UNICEF publicou relatório sobre a Situação Mundial da Infância que resultou do Encontro Mundial de Cúpula pela criança no ano de 1990. Vejamos uma conclusão mais generalizada divulgada pela UNICEF:
Uma sub-classe está, portanto sendo criada, sub-educada e sem instrução, colocando-se abaixo dos piores níveis de progresso econômico e social, vítima da pobreza do passado, de salários reais decrescentes, e dos desgastes das redes de segurança social na década de 80.
Ao lado das tragédias mais visíveis de conflitos violentos ou de catástrofes súbitas, este processo mais sutil de marginalização econômica também está afetando muitos milhões de crianças no mundo de 1994, aumentando a probalidade destas crianças não conseguirem desenvolver seu potencial físico e mental, não conseguirem completar a escola, não conseguirem encontrar trabalho, e não conseguirem tornar-se adultos bem adaptados, economicamente produtivos e socialmente responsáveis. (UNICEF, p. 3, 1995).
No Brasil o processo de agregação de mão-de-obra infanto-juvenil tem na agroindústria exportadora uma verdadeira fábrica de analfabetos, de seres fisicamente debilitados. Levantamento da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo constatou que, enquanto o adolescente trabalhador pesa em média 34 quilos, o que apenas estuda tem 49 quilos. Os trabalhadores também são 13 centímetros mais baixos, tem o braço 4 centímetros mais fino e o pescoço 2 centímetros mais estreito. (CARVALHO, 23/11/96, p. 37)
Essa realidade não é segredo para o mundo. No ano de 1997, a primeira dama Ruth Cardoso, participando em Oslo, Noruega, da Conferência Internacional sobre o Trabalho Infantil, vivenciou a situação de estar representando o Brasil como um dos grandes exploradores da mão-de-obra infanto-juvenil como é o caso da Guatemala, Tailândia, Paquistão e Índia.
Os dados expostos pela primeira dama foram publicados na Revista Veja nº 44 de 5/11/97 por Bruno Paes Manso. A publicação traz a confirmação da estimativa governamental sobre os dados apresentados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número estimado de crianças e adolescente nas frentes de trabalho manejando enxada e carregando tijolos é de 5 milhões, sem contar outras formas de exploração. A estatística apresenta um balanço de como esta situação se configura. Dos 5 milhões entre 5 e 14 anos de idade, meio milhão tem idade abaixo de 10 anos.
O Discurso da primeira dama revelou que no ano de 97, trinta mil crianças foram retiradas do mercado informal de trabalho. Nos cálculos de Manso, para que os 5 milhões passem pelo mesmo processo, no rítmo dos programas do governo, serão necessários 170 anos. Um outro dado relevante apresentado pelo IBGE segundo Manso é de que além das crianças e adolescente que já trabalham, 1 milhão estão em busca de emprego por falta de recursos das famílias.
Essa realidade catastrófica pode ser analisada de forma mais regionalizada para que possamos nos aprofundar em questões específicas em relação a Exploração do trabalho infanto-juvenil no Brasil. É com esse objetivo que nos colocamos a tratar do trabalho infanto-juvenil como retroação histórica a partir de uma reflexão regionalizada.
Tomaremos a região Norte/Noroeste do Estado do Paraná, como base geográfica representativa no cenário nacional da indústria agroexportação sustentada pela monocultura da cana.
O Estado do Paraná é grande produtor agrícola. A monocultura avança dia-a-dia seus campos de cultivo tornando a vida do homem rural quase inexistente. O principal cultivo é o da cana de açúcar e álcool. Essa cultura exige contingente elevado de mão-de-obra. A população trabalhadora produtiva envolvida no manejo do facão durante o corte da cana, historicamente, tem se constituído de adultos descartados pelo setor urbano da economia juntamente com seus filhos (crianças e adolescentes).
Esta constatação é resultado dos trabalhos realizados pela “CPI do Bóia-Fria” (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná. No ano de 1993, enquanto a cúpula mundial pela criança concluía que mundialmente se está produzindo uma população incapacitada de desenvolver suas potencialidade físicas e mentais, no Estado do Paraná, a CPI concluía seu relatório identificando a população infanto-juvenil explorada no meio rural.
Os relatos contidos no documento registram a presença de crianças trabalhando no meio rural ainda de chupeta. Nos chamou atenção esse fato por entender que os prejuízos de uma nação que permite essa prática de exploração das futuras gerações são evidências de que sua economia prevalece orientada pela obtenção do lucro a qualquer preço.
No dia 25 de setembro de 1997, em Hong Kong, James Wolfenson, presidente do Bird (Banco Internacional de Desenvolvimento), ao falar na assembléia anual do Banco Mundial afirmava que o lucro a qualquer preço não é mais o padrão do capitalismo internacional, embora esta visão ainda resista nos países do Terceiro Mundo. (Folha de Londrina, editorial, 26/9/97)
A conduta de pagar qualquer preço para produzir lucro vem sendo discutida mundialmente diante das determinações capitalistas em relação ao trabalho infanto-juvenil. As constatações dos organismos supranacionais esclarecem a preocupação do capital internacional com a previsão do que podemos estar produzindo para o século XXI em termos de mão-de-obra produtiva. Podemos observar o manifesto contido no relatório de 1995 publicado pela UNICEF por entender que a criança está no centro da problemática do futuro da humanidade:
O UNICEF acredita que é chegado o momento de colocar as necessidades e os direitos da criança como ponto central nas estratégias de desenvolvimento.
Este argumento não se baseia nem em interesses institucionais particulares, nem em sentimentalismo com relação aos mais jovens; está baseado no fato de que a infância é o período no qual mentes e corpos e personalidades estão sendo formados, e durante o qual privações, ainda que temporárias, podem infligir prejuízos e distorções no desenvolvimento humano que serão sentidos por toda a vida. [...] o mundo não poderá resolver seus principais problemas enquanto não aprender a desempenhar-se melhor na tarefa de proteger e investir no desenvolvimento físico, mental e emocional de suas crianças. (UNICEF, 1995, p.9).
A visão redentora implícita nas publicações da UNICEF em relação a criança como futuro da humanidade nos faz pensar no desdobramento das políticas nacionais e supranacionais diante da hipótese de que qualquer estratégia que se queira implementar em prol da criança, estará fortemente fundamentada na preocupação com a falta de mão-de-obra, dentro de curto espaço de tempo, para sustentação do setor primário da economia mundial.
Se em 1995, a preocupação mundial com a criança e o adolescente é tomada como sendo um fator prioritário de desenvolvimento das nações, e se essa preocupação está intimamente relacionada com a formação física, mental e emocional dos seres humanos, isto se transforma, para uma reflexão didática, em questionamentos. Como podemos entender a prática de desrespeito a essa população a partir de informações regionalizadas?
Podemos partir da constatação jurídica legal no Brasil que nos diz que o corte da cana é trabalho penoso - aquele que desgasta o físico e provoca envelhecimento precoce - e que por lei é proibido para menores de 18 anos devido a série de males que causa à saúde. Waki, médico da Universidade de São Paulo, conforme publicação da Revista Veja, p. 36 de 23/10/96, diz que o trabalho na cana aumenta os riscos de doenças como mocardite, hipertensão arterial, arteriosclerose, enfisema pulmonar e afecções do aparelho reprodutor.
A outra questão a ser abordada é a fome endêmica compreendida como problema alimentar derivado das relações de dominação herdadas do colonialismo.
Abramovay, ao estudar a atualidade do método de Josué de Castro e a Situação alimentar Mundial, escreve que:
A gravidade do problema alimentar no meio rural é uma das mais veementes condenações do próprio modelo de desenvolvimento agrícola implantado na maior parte dos países do Terceiro Mundo que, muitas vezes, estimulou o aumento das safras, mas eliminou ou marginalizou do cenário as regiões e as populações que não podiam ter acesso às tecnologias em que se baseou a Revolução Verde. (ABRAMOVAY, 1996, p. 94).
O aumento das safras pela monocultura e o emprego de tecnologia pelos latifúndios, são as principais questões a serem entendidas. O cultivo da cana no norte/noroeste do Estado do Paraná tem sido sinônimo de empobrecimento da população trabalhadora, e da terra da região. Com a expansão das plantações de cana, ocorre substancial diminuição da produção de alimentos necessários a subsistência local em quantidade e qualidade/diversidade.
Outra informação a ser considerada como argumentação para o entendimento da fome endêmica na região é o uso de tecnologias avançadas em outros cultivos o que restringe a ocupação de trabalhadores braçais nas frentes de trabalho para o corte da cana. Essa atividade é temporária/intensa[2] e por produtividade, ou seja, o trabalhador recebe pela quantidade produzida e pela qualidade da cana colhida. Nas frentes de trabalho, conforme “CPI do Bóia-Fria” (1993), encontramos crianças e adolescentes.
Se o trabalho penoso, como já registramos, causa problemas à saúde do trabalhador adulto, o que seria possível analisar no caso de crianças e adolescentes?
Insistimos na reflexão dos prejuízos para vida destes seres em formação. Será possível avaliar o desgaste mental e emocional deste seres com a mesma precisão da avaliação física?
A deficiência alimentar aliada ao trabalho penoso, certamente, poderá justificar a maior parte dos problemas de saúde que estas pessoas manifestarão durante suas vidas. As conseqüências destes problemas infelizmente são observados pelos organismos internacionais apenas como prováveis perdas no contingente de mão-de-obra para o século XXI.
Sinaceur, da divisão de Filosofia da UNESCO, nos lembra a célebre advertência de Rousseau: “não conhecemos a infância e com nossas falsas idéias sobre a infância, quanto mais longe vamos, mais nos perdemos.” E salienta:
Não basta ter consciência de que os que rodeiam a criança desempenham papel importante em seu desenvolvimento e de que a criança é um polo de expectativas e projetos mesmo antes de nascer. O mais importante é saber como essas expectativas e projetos repercutem na criança e até que ponto a predeterminam. (CORREIO DA UNESCO, 1978, p. 30).
Ao salientar que as crianças são seres predeterminados, nos damos conta de que as crianças e os adolescentes que trabalham na zona rural são influenciadas pela organização do trabalho no setor agrícola e que os envolvidos com esse meio de produção desempenham importante papel na vida da criança e do adolescente e na conceituação de criança e adolescente.
O trabalho infanto-juvenil cria um novo conceito de criança e de adolescente. O conceito generalizado de infância e adolescência estão distantes dessa realidade. A linguagem, a resistência física, o autocontrole, a relação com os adultos, o compromisso com o trabalho, a competência para produzir a própria subsistência são evidências de uma nova concepção de formação humana.
Apesar das evidências, o que a nosso ver caracteriza de forma generalizada o novo conceito, é a idéia de produtividade. Para o setor explorador, fica delineado o conceito de homem-máquina durável de produzir para criança/adolescente-máquina descartável de produzir.
O principal argumento de confirmação para essa tese, seria o não investimento na formação escolar da população trabalhadora na zona rural. A cultura da cana não permite que os trabalhadores residam no campo. Por esse motivo habitam as periferias das cidades. Considerando o desgaste físico e mental diário pressupomos que as dificuldades em acompanhar os estudos do ensino regular torna-se uma tarefa dolorosa e improdutiva.
Se um ser em fase de desenvolvimento físico-mental e emocional é tratado como uma coisa que não precisa de condições para estudar, para brincar, para conviver com a família, para realizar refeições equilibradas, para dormir, então não é tratado como humano. Ao contrário, é concebido como máquina. Mais que isso, é tratado como máquina descartável que ao apresentar qualquer problema pode ser substituída. É assim que temos analisado a conduta do explorador que determina essa criança-máquina, esse adolescente-máquina.
Consultando dados oficiais da UNESCO, da UNICEF entre outros organismos, encontramos tabelas demonstrativas de taxas de crescimento da população mundial com previsão até para o ano 2050. A leitura dos dados indicam que há preocupação destes organismos em combater o trabalho infanto-juvenil por entenderem que as estimativas são de brusca diminuição da população mundial.
Essa diminuição é estatisticamente prevista nos países considerados em desenvolvimento e nos considerados menos avançados. Até o ano 2025 os índices demonstram 50% de diminuição da população. A diminuição vem sendo interpretada como previsível falta de trabalhadores devidamente adequados para os setores essenciais de produção.
Considerando o pensamento de Rousseau - em Sinaceur - nossas reflexões se voltam mais uma vez para o que entendemos ser primordial discutir: Como conceber a criança e o adolescente que tem sua consciência desconsiderada e sua identidade camuflada sob o conceito de máquina descartável de produzir? A aproximação de um conceito real pressupõe pensar a relação homem-máquina.
Buscaremos demonstrar alguns parâmetros para pensar a relação homem-máquina considerando a organização social do trabalho a base da argumentação. Deste modo podemos combinar as observações relacionadas a seguir como um guia para nossas posteriores reflexões.
Em se tratando do trabalho infanto-juvenil na zona rural, consideraremos o trabalho de corte da cana em terreno inclinado uma situação de análise na qual o homem e a máquina tem função de trabalho. Os parâmetros levantados são os abaixo relacionados:

MÁQUINA
HOMEM
· A máquina obedece leis físicas para desempenhar suas funções no meio. Para cortar cana em terreno inclinado tem que ser projetada especificamente para isso.
· O homem aumenta o nível de complexidade de seus sistemas conforme as variações do meio - terreno - para desempenhar suas funções.
· A máquina varia as formas de operacionalidade de seu sistema fechado.
· O homem evolui seus sistemas para adaptar-se ao meio.
· A máquina não tem emoção, não pode ser motivada ou desmotivada.
· O homem tem emoção, é motivado.
· A máquina não tem organização própria.
· O homem tem organização própria.
· A máquina não se relaciona com outra máquina.
· O homem se relaciona com sua espécie e com outras espécies.
· A máquina não se autoregenera.
· O homem se autoregenera.
· A máquina tem linguagem programada e sem capacidade de generalização de informações.
· O homem tem linguagem própria articulada, com capacidade de generalização de informações.
· A máquina autodestrói seu sistema.
· O homem autoregula, autocontrola seus sistemas.
· A máquina reproduz o que o homem programa.
· O homem cria/produz informações, planeja e elabora programas.
· A máquina organiza dados.
· O homem realiza a leitura dos dados, ele interpreta os dados.
· A máquina não toma decisão.
· O homem toma decisão.
· A máquina executa o que o homem pensa e programa.
· O homem pensa para criar e para executar e questiona o que executa.
· A máquina tem limites
· O homem tem possibilidades
· A máquina não manipula o homem.
· O homem manipula outros homens e a máquina.

Na situação exemplificada tanto o homem como a máquina podem cortar cana, mas somente o homem pode hoje cortar cana em terreno inclinado e amanhã em terreno plano com produção equivalente. Não existe um homem que corta cana somente em terreno inclinado e um que corta cana em terreno plano. A máquina necessita de adaptações mecânicas para realização de um mesmo tipo de trabalho em terrenos inclinados e planos.
Como podemos pensar a criança e o adolescente-máquina? É possível atribuir ao homem as características de uma máquina? Atribuir à máquina características humanas é um sonho pelo qual cientistas do mundo contemporâneo trabalham incessantemente com o reconhecimento da humanidade por demonstrarem as possibilidade de criação do homem. Mas como podemos avaliar aqueles que não são cientistas e insistem em atribuir ao homem função de máquina descartável de produzir?
Pensar o homem-máquina pressupõe negar a existência da emoção, da consciência, do pensamento, da reflexão, da organização. Significa desqualificar o homem enquanto ser humano, enquanto ser que pensa, que transmite seus pensamentos com linguagem própria, que evolui fisicamente, mentalmente e emocionalmente. Pensar este homem é pensar um ser sem possibilidades, um ser treinável e produtivo por um determinado tempo.
É a identificação dessa inversão de valores que nos ajudam a compreender a conduta dos que se utilizam desse conceito de homem. Como já registramos neste artigo, o número de seres humanos economicamente determinados como mão-de-obra produtiva e descartável no Brasil continua desconhecido. No Estado do Paraná a situação não é diferente, no entanto, podemos retomar a idéia de trabalhar o problema regionalizado para pontuar questões que podem ser generalizadas.
Primeiro vamos relacionar algumas práticas que nos mostram ações daqueles que se utilizam do homem-máquina infanto-juvenil conforme registro da Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná no ano de 1993:
Vale do Ivaí em 12/08/93[3]
Município de Faxinal: A CPI flagrou durante a madrugada , adolescente de 15 anos dirigindo trator que puxava carreta carregada de bóias-frias;
Município de Lunardelli: 7.500 habitantes. Destes, a cada 10 examinados, 6 eram portadores do bacilo da tuberculose e 66% dos eleitores analfabetos;
Municípios de São Pedro do Ivaí e São João do Ivaí: muitas crianças estão trabalhando na lavoura, outras se prostituindo e há alta incidência de gravidez na adolescência e há elevado índice de analfabetismo. Grande número de acidentes com veículos que transportam os bóias-frias.
Região Noroeste em 13/08/93[4]
Municípios de Paranavaí e Amaporã: A CPI encontra muitos caminhões transportando bóia-frias, entre eles dezenas de crianças. A comissão registra a seguinte frase dos trabalhadores: “aqui vai de mamando a caducando”.
Município de Querência do Norte: 10.400 habitantes, 6.200 bóias-frias (homens-mulheres-crianças);
Santa Cruz do Monte Castelo: 10.500 habitantes, todos bóias-frias.
A relatora da Comissão[5] registra o seguinte parecer: “Dessa conveniente simbiose nasce e floresce uma indústria de desrespeito à dignidade humana e aos valores sociais do trabalho.”
Em todo o documento é possível levantar práticas inaceitáveis ocorrendo como transporte inseguro, concessão de alvará para emissão de carteira de trabalho de menores de 14 anos, compra de sindicalistas, trabalho escravo de crianças e adolescente, entre outras. São as atitudes de desrespeito a vida humana que fundamentam a determinação do conceito de criança e adolescente específico do meio rural dedicado a monocultura da cana.
Conceber este ser como máquina, a nosso entender, extrapola o conceito de trabalhador escravo. O escravo podia sonhar com a fuga, com a compra da liberdade. O trabalhador concebido como máquina encontra-se sem possibilidade de sonhar com a fuga, muito menos de sonhar com a compra da liberdade de trabalho. Facilmente substituível. Sua falência não representa perda para essa forma de organização do trabalho.
O escravo tinha que ser comprado e seu valor de venda devia ser conservado, isso determinava o lucro do proprietário. O “homem máquina” não precisa ser comprado, não precisa ser mantido em boas condições físicas e mentais e representa lucro garantido. A vida humana perde aí seu significado. É isso que transforma o homem em máquina. Máquina porque pode ser manipulado para o trabalho através de regras de produção.
O “homem máquina” não precisa de segurança. Se morrer em acidente de transporte para o trabalho pode ser facilmente substituído e sem prejuízos. Não precisa de escola, não precisa pensar, não precisa ler e escrever, não tem que se comunicar, não lhe resta tempo para isso. Não há possibilidade de evoluir intelectualmente e nem fisicamente.
Máquina também não precisa de alimentação e nem de atendimento a saúde, afinal máquina não adoece e quando quebra ou entra em falência é reposta. Como máquina não se organiza socialmente, então não precisa de sindicato. Como o uso da máquina independe de sua idade desde de que seja produtiva e não cause problema, porque não pensar na utilização do trabalho da “máquina criança e adolescente”, portanto nova, em construção, passível de ser remodelada, tornada mais eficaz, mais rápida, mais precisa, mais produtiva do que é no estágio inicial de seu desempenho no trabalho.
Se assim o for não importará seu tempo de vida útil. Importará sua capacidade de produção, sua operacionalidade, sua reprodução em massa para a garantia da continuidade do sistema de produção lucrativo. Essa é a lógica do pensamento que podemos ler na realidade brasileira como justificativa econômica da prática social da utilização do trabalho infanto-juvenil de caráter penoso.
A retroalimentação desse sistema de exploração de mão-de-obra é possibilitada a medida da manutenção social dos meios de reprodução do conceito de homem máquina como sinônimo de desenvolvimento econômico.
Enquanto a criança e o adolescente continuar sem possibilidade de desenvolvimento físico, mental, emocional e organizativo, não poderemos deixar de procurar entender os pensamentos que justificam a prática do homem que provoca a extinção de sua própria espécie. Será ele um ser humano? Será que ele possuí inteligência humana? Que tipo de mente possui este homem?
Estas são as questões que acreditamos ainda merecerem atenção para a continuidade de nossa reflexão em momentos futuros. Mas como o objetivo deste artigo foi iniciar o estudo da lógica que sustenta a exploração do trabalho infanto-juvenil para dizer que esta prática, a nosso entender, significa a retroação da organização social do trabalho, acreditamos ter construído argumentos para atingir esse objetivo. As questões finais deixaremos como compromisso de retomar a reflexão em momento oportuno.



BIBLIOGRAFIAS DE APOIO A REFLEXÃO

1. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARANÁ. CPI do Bóia Fria. Relatório Final. Curitiba : 21/12/93.
2. BUTTN, Graham e outros. Pode uma máquina pensar? Marília : Unesp, 1997.
3. CARVALHO, Joaquim de. A Força Infantil: Enquanto o governo anuncia novas proibições, os menores dão um jeito de trabalhar. Revista Veja. São Paulo : Ed. Abril, 23/10/96.
4. CHURCHLAND, Paul M.. Matter and conscionsness. Revised Edition, 1996.
5. DENNETT, Daniel Clement. Tipos de Mentes: Rumo a uma compreensão da consciência. Rio de Janeiro : Rocco, 1997.
6. DUPPUY, Jean Pierre. Nas origens da ciência cognitiva. Marília : Unesp, 1996.
7. MANACORDA, Mário Alighiero. História da Educação: da antigüidade aos nossos dias; tradução de Gaetano Lo Monaco; revisão da tradução Rosa dos Anjos Oliveira e Paolo Nosella. 5. ed. São Paulo : Cortez, 1996.
8. MANSO, Bruno Paes. Mãos Pequenas: Um milhão de crianças procuram emprego. Revista Veja. São Paulo : Ed. Abril, 5/11/97.
9. MARX, Kal. Manuscritos econômicos-filosóficos e outros textos escolhidos; seleção de textos de José Arthur Giannotti; traduções de José Carlos Bruni...(et al.). 4ª ed. São Paulo : Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores)
10. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro : Ed. Bertran do Brasil, 1996.
11. SEARLE, John R. A redescoberta da Mente. São Paulo : Martins Fontes, 1993.
12. SINACEUR, Mohammed A. e Jean-Jacques Rousseau: Que a infância amadureça na criança. Correio da Unesco. Fundação Getúlio Vargas, ano 6, nº 7, 1978.
13. SOARES, Adriana. O que são ciências cognitivas. São Paulo : Brasiliense, Primeiros Passos, 1993.
14. UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância. Relatório da reunião de 1990 da Cúpula Mundial pela Infância: Situação Mundial da Infância. São Paulo : UNICEF de Brasília, 1995.


[1] Integrante do PPGE – Doutorado em Educação – UNESP – Marília/SP; Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá/PR.
[2] Entende-se por atividade “temporária/intensa” o corte da cana em período de colheita da safra. “Temporária” por compreender alguns meses de trabalho durante a safra. “Intensa” por ser desenvolvida em longa jornada de trabalho diário.
[3] Maiores informações podem ser encontradas no relatório final da CPI do Bóia-fria/93 - Assembléia Legislativa do Estado do Paraná - nas páginas 5 e 6.
[4] Idem
[5] Deputada Estadual Emília Belinati.

GEONOTAS - 1999


Departamento de Geografia - Universidade Estadual de Maringá

Volume 3 Número 4
Out/Nov/Dez 1999
ISSN 1415-0646


AS CONDIÇÕES DE VIDA DO TRABALHADOR RURAL NO NORTE DO PARANÁ

Maria Aparecida Cecílio


Resumo
Neste artigo, a autora discute, desde uma perspectiva da educação popular, as condições de vida dos trabalhadores rurais na região norte do Estado do Paraná. Analisando tanto o regime quanto as condições de trabalho.
Palavras-chave: Norte do Paraná, Trabalhador rural, bóias-frias, educação popular.
Através de levantamento realizado para este estudo, junto aos trabalhadores conhecidos como bóias-frias (assalariados rurais temporários), foi possível obter informações preciosas para a contextualização do trabalho educativo de iniciativa popular que tem como população alvo as famílias que vivem do trabalho braçal na zona rural.
Temos informações esclarecedoras a respeito da dinâmica de vida que invalida a garantia dos direitos humanos, entre eles o direito a educação.
1. Regime de Trabalho
O termo bóia-fria, para a identificação popular do assalariado rural temporário, carrega a complexidade do regime de trabalho que os trabalhadores são obrigados a suportar para garantir o sustento diário. Existem várias definições para o termo. Elas são compreendidas à medida que compreendemos a condição de vida destes trabalhadores.
Andrade ao falar do espaço canavieiro paulista e paranaense no ano de 1994, dizia que:
No estudo do problema da força de trabalho no universo da agroindústria canavieira, deve-se levar em conta a existência de uma grande variedade de trabalhadores. Daí uma classificação em pelo menos três grandes categorias: a dos empregados ligados à administração, a dos operários industriais e a dos trabalhadores agrícolas. (Andrade, 1994: 200).
Complementando a observação de Andrade, podemos dizer que é necessário ampliar a classificação em mais categorias para que possamos realmente realizar um estudo aprofundado, pois os serviços que os trabalhadores executam como diaristas ou por produção são determinantes da forma de remuneração que percebem. A origem dos serviços define a condição de diarista ou não.
A fonte dos serviços por eles executados está na cultura de subsistência, na monocultura, na criação do bicho da seda, nas granjas e nas usinas de açúcar e álcool.
O diarista é conhecido no Sul do Brasil como aquele que executa os serviços de capina e plantio nas culturas de subsistência, e de capina, plantio e colheita no cultivo da monocultura.
Lembra-nos Andrade (1994: 210-211) que:
Nos anos 60 e 70, procedeu-se em todas as áreas canavieiras do país, com intensidade variável, ao processo de "desruralização" dos trabalhadores do campo, quando os proprietários promoveram uma política de expulsão de suas terras e de alojamento dos trabalhadores nas cidades e vilas próximas às suas propriedades.
Os trabalhadores que não são diaristas, executam tarefas por produção e são remunerados por semana, quinzena ou por mês. Alguns são contratados para manutenção das usinas, enquanto a maioria trabalha no corte da cana.
É curiosa a compreensão do que é ser um diarista, até mesmo porque somos levados a refletir que nos anos 70, conforme censo agrícola e demográfico do IBGE, lembrados por Andrade (1994), a porcentagem de trabalhadores empregados em estabelecimentos agrícolas no Estado do Paraná atingia menos de 35% da população rural.
A primeira visão nos dava a idéia de que diarista é aquele que trabalha por dia e recebe ao final de cada dia de serviço prestado. No entanto, constatamos que o diarista do qual falamos só é chamado de diarista por que recebe somente os dias trabalhados e os recebe a cada oito ou quinze dias, sendo que durante esse período, se precisar faltar ao trabalho por doença ou qualquer outro motivo, não recebe o dia da falta.
Quando chove também não recebe o dia, mesmo que tenha ido até a roça. Na Região do Vale do Ivaí/PR, por exemplo, de acordo com um depoimento de um educador de São João do Ivaí/PR, quando chove depois de terem trabalhado até meio dia, recebem apenas por um quarto do dia trabalhado. Esse diarista faz parte da população de 65% dos trabalhadores rurais não registrados pelo censo como mão de obra empregada e produtiva, mas como dependentes economicamente dos 35% produtivamente ativos.
Um fator importante a ser observado nesse regime é que a faixa etária considerada produtiva pelos empregadores, que nem sempre são os patrões mas intermediários conhecidos como gatos, é de l4 a 55 anos de idade.
É imprescindível compreender que a idade biológica define a idade cronológica que é tomada como produtiva.
O desgaste físico e mental é detectado após os 50 anos já com sérias conseqüências. Os critérios que definem essa faixa etária é resultado da quantidade produzida pelas pessoas no dia-a-dia de trabalho e a resistência física que conseguem manter até os 55 anos no máximo.
Quando já não são considerados produtivos, os que continuam sem sérios problemas de saúde, são dispensados do trabalho por produção e aproveitados como diaristas.
O trabalhador produtivo é reconhecido como aquele que cumpre horário de trabalho imposto pelo empregador e consegue manter uma média de produtividade satisfatória às expectativas do dono dos meios de produção.
A jornada de trabalho dos que são registrados em carteira profissional não é a mesma dos não registrados. Em geral, a jornada itinerante prolonga a carga horária diária de trabalho, o que impede a dedicação ao estudo no sistema regular de ensino.
Os funcionários das usinas que executam serviços de manutenção e os que cortam cana, iniciam sua jornada diária às seis horas e encerram o dia às dezoito horas. Os que trabalham por produção não usufruem de pausa para as refeições, muitos almoçam ao chegar nas plantações para não perderem tempo. Como relatam os trabalhadores, comemos no pé do eito.
Perder tempo significa produzir menos, o que pode significar a sua substituição por um trabalhador "mais produtivo", além de significar menos dinheiro a receber. Os demais contam com uma hora para almoço.
O horário de café varia entre Municípios, Regiões e Estados, entre l5 minutos e uma hora no período da tarde.
O serviço executado só é avaliado no final da tarde pelos fiscais que determinam o preço a ser pago a partir de critérios não explícitos, o que desfavorece o trabalhador no sentido de não ter controle sobre a sua produção e conseqüentemente sobre o valor a receber.
Os diaristas iniciam o dia as quatro horas e retornam para suas casas por volta das 20 horas. Geralmente são levados para executar serviços em regiões distantes. Os trabalhadores registrados geralmente não são levados para a execução dessas tarefas por implicar no pagamento de horas extras se requisitadas em litígio.
A jornada mínima constatada é de doze horas para os que são registrados e de dezeseis horas diárias para os não registrados, considerando o tempo gasto na viagem de ida de seus municípios até o local de trabalho e retorno no final do dia.
A população à qual nos referimos depende, devido à baixa remuneração que recebe por sua mão-de-obra, do ganho dos filhos crianças. Esse é um dos motivos que favorece o ingresso de crianças no mercado de trabalho na zona rural.
De acordo com os dados que conseguimos organizar a partir da investigação feita com a participação dos educadores populares, crianças e adolescentes entre 7 e l6 anos são mão-de-obra produtiva nas diferentes monoculturas desenvolvidas no Brasil.
De acordo com Muller, desde os anos 70 ...a questão de braços para agricultura adquire contornos de crise (Cadernos CEBRAP nº 32, 1980: 115).
Esses contornos assumem formas de organização que ignoram os direitos à cidadania. Algumas culturas propiciam o ingresso de crianças a partir dos 7 anos de idade como a da uva e da amora de forma camuflada.
Segundo Andrade (1994: 206),
Em toda a história das relações de trabalho na agroindústria canavieira, foi utilizado o trabalho das mulheres e das crianças, sempre em condições inferiores às do trabalhador do sexo masculino. No corte da cana, em que o trabalhador rural percebia uma remuneração por produção, era comum ir para os partidos de cana acompanhado da mulher e dos filhos; ele cortava a cana e a família a reunia em feixe, fazendo a amarração.
O que ocorre hoje não é o filho acompanhando o pai, ao contrário disto, a exploração da mão-de-obra infantil é praticada de outras formas que merecem estudo aprofundado para compreensão da lógica de sua existência em sociedades que discutem o desenvolvimento econômico a partir da qualificação para o trabalho e ao mesmo tempo, convive, sem constrangimento com a exploração da mão-de-obra infantil.
A Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a situação do trabalhador rural em 1993 na Região Norte e Noroeste do Estado do Paraná, constatou, conforme relatou a então deputada estadual Emília Belinati (1993: 31) que:
O mais grave é que, considerável parte do contigente é formado por crianças que vão à roça ainda de chupeta na boca para engrossar o orçamento familiar. Elas não tem alimentação adequada, não tem carteira assinada, são transportadas sem a menor segurança, trabalham sem proteção e esgotam-se em jornadas exaustivas.
Muller (1980), ao estudar temas como a estrutura agrária, população, mão-de-obra e migrações, acredita que a intensificação da utilização da mão-de-obra infantil na zona rural é devida ao processo de migração por dividir a família à busca de trabalho em diferentes regiões. Argumenta dizendo que nos anos 70 o Brasil vive o deslocamento da população rural masculina para zona urbana de forma desordenada e estimulada pelos empreendimentos rodo e ferroviários. Para Muller, é isso que justifica em parte, a exploração indevida da mão-de-obra infantil na zona rural.
Por outro lado nos diz Eduardo Galeano (1970: 72), que a economia cíclica cultuada na América Latina nos explica a ruína de gerações em detrimento do progresso de nossos colonizadores. De modo especial, nos mostra em seu livro As Veias Abertas da América Latina que:
Da plantação colonial, subordinada às necessidades estrangeiras financiada, em muitos casos, do exterior, provém em linha reta o latifúndio de nossos dias. Este é um dos gargalos da garrafa que estrangulam o desenvolvimento econômico da América Latina e um dos fatores primordiais da marginalização e da pobreza das massas latino-americanas. O latifúndio atual, mecanizado em medida suficiente para multiplicar os excedentes de mão-de-obra, dispõe de abundantes reservas de braços baratos. Já não depende da importação de escravos africanos nem da encomenda indígena. Ao latifúndio basta o pagamento de diárias irrisórias, a retribuição de serviços em espécies ou o trabalho gratuito em troca do usufruto de um pedacinho de terra; nutre-se da proliferação de minifúndios , resultado de sua própria expansão, e da contínua migração interna de legiões de trabalhadores que se deslocam, empurrados pela fome, ao ritmo de safras sucessivas.
A estrutura da plantação funcionava, e assim funciona também o latifúndio, como um coador armado para a evasão de riquezas naturais. Ao integrar-se no mercado mundial, cada área conheceu um ciclo dinâmico; logo, pela competição de outros produtos substitutivos, pelo esgotamento da terra ou pela aparição de outras zonas com melhores condições, sobreveio a decadência. A cultura da pobreza, a economia de subsistência e a letargia são os preços que cobra, no transcurso dos anos, o impulso produtivo original.
Galeano nos ajuda assim, a compreender o funcionamento da estrutura que hoje explora o trabalhador precoce, porque não dizer, a criança.
Como diria Muller (1980), os contornos da economia é que nos permitem estudar o funcionamento da estrutura de exploração.
O presente estudo tem revelado por exemplo o funcionamento do serviço desenvolvido na sericicultura que é realizado sem interrupção, provocando a rotatividade de mão-de-obra entre os membros da família, incluindo as crianças. A limpeza dos barracões é realizada com formol e todos participam da atividade para que seja realizada com a máxima eficiência.
No cultivo da mandioca temos constatado o ingresso de menores a partir da idade mínima de l4 anos. A idade mínima é justificada pelas características do serviço. A tarefa de arrancar a mandioca exige esforço concentrado nas mãos e pés e por esse motivo é atribuída aos homens enquanto às mulheres a tarefa é picar as raízes e transportar a produção.
Conforme depoimento de uma educadora de Vila Guadiana – Município de Mandaguaçu/PR, os adolescentes que executam esse trabalho são prejudicados pois, suas mãos ficam em carne viva, sangrando muito Este depoimento nos faz lembrar as características das obras de Portinari ao retratar em suas pinturas pés e mãos de trabalhadores rurais.
Os exemplos nos fazem crer que a estrutura pensada para a produção em larga escala pressupõe a preparação de mão-de-obra produtiva no máximo a partir dos 14 anos de idade. O que equivale dizer que as crianças que iniciam suas atividades aos 7 anos de idade, aos l4 anos são cortadores de cana resistentes fisicamente, suportam calor, falta de água potável e uma longa jornada de trabalho até aproximadamente 55 anos, isso quando a saúde é regular e o trabalhador consegue superar seu próprio limite de produtividade diária.
Segundo Bueno (1980), com o lançamento do Pró-álcool no final do ano de 1975, temos um aceleramento do processo de migração interna no Brasil diante das promessas governamentais de que este programa reduziria as disparidades regionais e individuais de renda, garantindo crescimento da renda interna pela criação de novos empregos por ter como finalidade cultivar a cana nas regiões onde houvesse concentração de mão de obra disponível.
No entanto o que vemos hoje é o oposto. As plantações de cana se expandiram pelas regiões de terras férteis e os trabalhadores começaram a migrar à procura de trabalho de safra em safra.
De acordo com os estudos de Bueno (1980: 22):
Um estudo do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPQ) faz duras críticas ao abandono dos objetivos sociais do Pró-álcool. Os órgãos que atuam no programa, como o Banco do Brasil, o Banco Central e o Ministério da Indústria e Comércio, repassam os recursos para os projetos sem se "preocupar com os desequilíbrios regionais, com a fixação do homem no campo, com o desemprego rural e com a má distribuição de renda".
Dando continuidade a questão, Bueno constata que as grandes destilarias freqüentemente trabalham apenas seis meses por ano (período da cultura da cana-de-açúcar), permanecendo ociosas durante outros seis meses e que o fato de não existir diversidade de cultura nas regiões onde se cultiva a cana nem ocupação industrial, faz o trabalhador ficar desempregado, e para ele, [...] é nessa hora que surgem os graves problemas sociais como o do menor carente( explorado), o da migração[...] (Bueno, 1980: 29).
A relação trabalhador/empregador nesse processo não é amistosa. Os trabalhadores que são concentrados nas tarefas por produção sofrem com a forma de administração a que são submetidos. Andrade (1994: 217) fala sobre o assunto. Para ele:
A fiscalização sobre os trabalhadores, quanto à qualidade do seu trabalho ou quanto à freqüência de reclamações ou de indisciplina, é muito rigorosa. Eles são punidos com a demissão nos casos mais graves ou com o ‘gancho’ e suspensão por três a quatro dias de trabalho.
As regras utilizadas pelos empregadores são autoritárias e cumprem a função de penalizar o trabalhador pelo que consideram faltas cometidas. Um exemplo corriqueiro são as penalidades pelo não comparecimento a um dia de trabalho.
Nos depoimentos dos trabalhadores, a dispensa do dia de trabalho, o gancho, o desconto no salário, a perseguição, o aumento de tarefa, a advertência, a demissão e o não recrutamento na época de contratação, são providências conhecidas e temidas, pois eles vivem da venda da força de trabalho.
No trato de casos considerados mais graves pelos empregadores, o suborno de dirigentes sindicais, o autoritarismo no diálogo, a sobrecarga de tarefas e a força policial são praticas coercitivas que garantem o poder do empregador sobre o trabalhador na relação de trabalho. A organização administrativa da mão-de-obra assalariada nos faz concluir que essa população é diferenciada pela produção individual, no entanto, todos são tratados como iguais na hora da punição. As regras valem para todos, homens, mulheres e crianças, produtivos ou não produtivos.
Sobre a absorção do trabalho infantil na zona rural, podemos verificar, na tabela exibida a seguir, um demonstrativo de como isso está se manifestando na Região Norte e Noroeste do Estado do Paraná nos últimos anos, o que não é diferente de outras regiões do Brasil, entre elas a região canavieira de Alagoas como constatamos em janeiro de 99.
Idade em que as crianças e adolescentes começam a trabalhar na zona rural:
Cotonicultura
12 anos
Viticultura
07 anos
Cafeicultura
07 anos
Mandioca
14 anos
Cana
14 anos
Feijão
07 anos
Sericicultura
07 anos
fonte: levantamento realizado por educadores junto aos trabalhadores assalariados rurais temporários na região de Maringá no ano de 1995.
O demonstrativo nos mostra que dos 7 aos 14 anos, as crianças e os adolescentes são treinadas para a execução do trabalho braçal.
Estes dados nos pareceram alarmantes quando foram organizados. Hoje já se tornaram insignificantes diante do levantamento realizado pela DRT (Delegacia Regional do Trabalho) do Paraná no ano de 1996, que constata a presença de crianças a partir dos 4 anos de idade trabalhando não só na zona rural mas também na zona urbana.
Diante dos fatos, nos dedicamos à busca de mais informações sobre o assunto e chegamos à CPI do Bóia-Fria realizada no ano de 1993 no Estado do Paraná por um grupo de deputados, entre eles a relatora Emília Belinati, hoje Vice Governadora do Estado do Paraná.
Os dados levantados junto aos educadores tornaram-se suaves diante das constatações realizadas pela DRT e pela CPI.
O levantamento nos revelou que além da constatação da exploração da mão-de-obra infantil, os trabalhadores reclamam da discriminação da mão-de-obra feminina e infantil que é praticada pelos empregadores na zona rural. O salário desigual é a forma mais clara de promover a discriminação.
A contratação das pessoas para o trabalho no corte da cana, por exemplo, ocorre mediante critérios considerados pelos trabalhadores, como desumanos.
A estrutura física, a idade, o sexo, a postura política e a dentição são determinantes do tipo de contratação e preço pago pelo serviço executado.
As crianças e os adolescentes passam a executar atividades como adultos dos 12 aos 14 anos de idade, no entanto, sua remuneração só é equiparada a do adulto/homem quando conseguir superar a produtividade de um adulto que satisfaça a expectativa do empregador em produtividade.
Não basta produzir igual aos adultos, é preciso ser o melhor. Para estimular os jovens, as usinas promovem sorteios de cesta básica, bicicleta, televisor, entre os mais produtivos e assíduos.
Os trabalhadores dizem que a produção esperada pelo patrão é de 6 a 8 toneladas de cana cortada por pessoa ao final de cada dia. Encontramos casos em que um jovem de 20 anos colhe um caminhão de cana por dia, o que equivale a 8 ou 10 toneladas. Isso o torna um parâmetro de produtividade para o empregador que passa a exigir sempre mais produtividade daqueles que se distanciam dessa média.
O preço pago a eles é baseado no salário mínimo. A idéia de salário é limitada ao conceito de salário mínimo, tornando comum a realização do pagamento de uma diária sendo realizado com um real e oitenta centavos, no ano de 1996, conforme constatamos no Município de Bom Sucesso, Região do Vale do Ivaí/PR. No início do ano de 1999, no Estado de Alagoas, ouvindo cortadores de cana durante o horário de trabalho, foi possível observar que não há diferenças de Sul a Nordeste do Brasil no que se refere a exploração do trabalhador braçal. No Estado de Alagoas os cortadores de cana recebem R$ 1,35 (um real e trinta e cinco centavos) a tonelada de cana cortada, o equivalente a U$ 1 (um dólar). Vale lembrar que a quantidade mínima aceita pelos empregadores é de 8 toneladas por dia, por cortador.
Os educadores que lidam com estes trabalhadores, ao analisarem esse contexto, dizem que para eles existem dois tipos de escravos do sistema capitalista: o patrão, que é escravo do dinheiro e o trabalhador que é escravo do trabalho que gera dinheiro para o patrão. Esse entendimento é comum aos educadores do Estado do Paraná e Estado de Alagoas.
2. Condições de Trabalho
De modo generalizado, podemos afirmar que o trabalhador da zona rural no norte e noroeste do Estado do Paraná, seja ele diarista ou não, executa seu serviço em condições precárias, tanto quanto os que vivem no Nordeste do Brasil.
Falando em particular dos cortadores de cana, é importante para a compreensão de suas atitudes, de seus sentimentos, saber um pouco das condições, ou melhor dizendo, sobre a falta de condições de trabalho que os identifica como bóias-frias.
Na Região de Maringá é grande o número de assalariados rurais temporários que transitam de colheita em colheita. Nem mesmo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) consegue realizar o cadastro necessário para o censo dessa população.
Procuramos informações nos registros de censo realizado pelo IBGE e não encontramos dados sobre essa população. O fluxo migratório não é uma variável que preocupe o governo federal. Os funcionários públicos responsáveis pela realização do senso no Estado do Paraná argumentam, ao justificar a falta de dados, dizendo que o governo federal não tem liberado verbas para esse fim. A política econômica não entende o censo populacional como necessário à ação governamental. No Estado de Alagoas – região litorânea – observa-se o mesmo quadro de desolação.
O descaso no atendimento a essa população não se revela como simples conseqüência da crise econômica que atinge os países do "terceiro mundo". A ação política minuciosamente planejada para o atendimento dos interesses econômicos de uma minoria se apresenta quando nos colocamos a buscar nos fatos as suas causas e nas causas os causadores.
As prefeituras municipais também não conseguem fazer acompanhamento dessa população. Os municípios de pequeno porte têm suas finanças limitadas. Geralmente dependem dos impostos derivados das usinas e grandes latifúndios que os cercam.
Com os benefícios de isenção de impostos e financiamentos do governo federal, privilegiando o grande proprietário que, por vezes, como comprovam os fatos divulgados pela mídia, agem premeditadamente para não realizar o pagamento dos empréstimos, sonegando a produção, pouco resta às prefeituras. A maioria delas encontra-se falida.
Para Bueno (1980: 66), isso faz parte de nossa cultura, sangrar o Brasil para atender interesses das multinacionais. A miséria de dezenas de milhões de pessoas convive com o luxo e a ostentação de uma minoria.
De acordo com dados organizados por várias entidades paranaenses, entre elas a – FATAEP - Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Paraná, a agricultura familiar no Estado, corresponde aos estabelecimentos menores de 50 hectares, que são responsável por 71% do algodão produzido; 61% do arroz; 51% da batata; 79% do feijão; 91% do fumo; 82% da laranja; 60% do milho; 55% do leite; 84% da carne de porco; 39% do trigo; 35% da soja.
Pelos dados atuais do INCRA, dos 7 milhões de estabelecimentos rurais existentes no país, 6,5 milhões são classificados como agricultura familiar (ocupando 80% das pessoas que trabalham na agricultura familiar dispondo apenas de 25% da área agricultável). O restante dos estabelecimentos (0,5 milhão) são classificados como agricultura patronal.
Concluem as entidades que em função dessa falta de apoio à agricultura familiar, o município de Curitiba por exemplo, registrou no ano de 1996, uma média de 6 ônibus por dia, que chegam com migrantes desempregados e desqualificados para o trabalho urbano. Aos poucos este contingente vai se dirigindo para o interior do Estado à procura de trabalho.
Sabemos que estas famílias não encontraram condições dignas de vida considerando que há falta de infra-estrutura para acolhimento das famílias que viviam da terra e que hoje procuram espaço na zona urbana das pequenas cidades. Esse luxo gera concentração de casebres sem o mínimo de infraestrutura, saneamento e segurança.
No ambiente de trabalho, a poluição sonora produzida pelas motocanas, a poeira da cana associada ao forte cheiro de veneno e aves mortas durante a queimada dos canaviais, somado ao sereno, ao sol e a chuva, frio e calor mais a falta de abrigos, sanitários e água potável, nos dão uma idéia do que é viver a condição de bóia-fria na zona rural, ou seja, ser um assalariado rural temporário. Também não é difícil imaginar as conseqüências da falta de condições de trabalho dia-a-dia por estas pessoas.
Para termos uma idéia da dimensão destes problemas consultamos Andrade (1994: 60-61), ele nos diz que com a política do PROALCOOL,
[...] o governo atendia segmentos das classes produtoras e justificava a sua política alegando que ela teria um alcance social, por que criava novos empregos. Esquecia-se de que os empregadores eram sazonais, que as unidades industriais iriam causar um grande impacto sobre o meio ambiente, com a destruição das matas, a poluição dos rios devido ao lançamento do vinhoto e das águas servidas, e dos solos pelo uso de agrotóxicos nos canaviais. E acrescenta: [...] no Norte do Paraná, onde a produção açucareira era pouco expressiva (haja vista a implantação de usinas de açúcar a partir de 1947), tornou-se significativa com a implantação de 28 destilarias no período 1975-1985. Mais uma vez os cafezais foram substituídos por canaviais, tanto no Norte velho como no novo e no novíssimo Norte do Paraná. Existem destilarias até em municípios bem meridionais, como Campo Mourão, onde os canaviais se limitam com os campos de cultura de trigo e de soja. No Norte do Paraná existem, em funcionamento, cinco usinas de açúcar com destilarias anexas e cerca de 31 destilarias.
Dentre as conseqüências do trabalho sazonal desenvolvido por estas usinas/destilarias, algumas são relacionadas pelos trabalhadores como fatais. Podemos conferir nos relatos que paralisia facial por choque térmico, doenças respiratórias, alergia da cana, acidente com instrumento cortante por falta de equipamentos de proteção, diarréia prolongada, problemas no aparelho urinário - insuficiência renal, problemas visuais, problemas auditivos, problemas de coluna, intoxicação por fumaça, poeira e veneno, verminoses e alimentação fria e em horários irregulares, são observadas na vida dos trabalhadores dia-a-dia.
A alimentação básica identificada em toda a região pesquisada no Estado do Paraná através de estudo sistemático que realizamos, que é comum entre os assalariados rurais é composta de arroz, feijão, macarrão, tomate, ovos e sardinha enlatada.
A ingestão de carnes, verduras e legumes acontece esporadicamente e de forma desequilibrada. O quiabo, a mandioca, a abóbora e o chuchu são as variáveis da alimentação.
A ração básica mencionada não apresenta uma unanimidade, nem todos os alimentos que fazem parte do cardápio básico por eles consumido são ingeridos em uma refeição. Há um arranjo entre o arroz, o ovo e o tomate e um entre o macarrão, o feijão e a sardinha por exemplo, em outro.
No Estado de Alagoas, constatamos que também ocorre esse desequilíbrio. A alimentação básica consistia em farofa de charque, feijão tropeiro comum ou de corda e macacheira. Acreditamos que a situação alimentar no Nordeste brasileiro seja mais complexa. Não há uma variação no cardápio além da batata doce em algumas regiões canavieiras.
Esse desequilíbrio alimentar agrava as doenças provocadas pela falta de condições no trabalho.
Chonchol ao discutir o modelo de alimentação dos países industrializados esclarece que:
As diferenças para calcular a situação de subalimentação por parte de diferentes instituições variam de acordo com os critérios adotados para a avaliação. Nem todas as pessoas têm as mesmas necessidades graças às diversidades de clima, os hábitos de vida, os tipos de trabalho, a idade, o sexo, etc. [...] - e lembra que – [...] citam os livros que a média exigida por uma pessoa, por dia, é de cerca de 3.000 calorias, num balanço entre proteínas, vitaminas e elementos minerais (Chonchol, In: Raízes da Fome. 1985: 95).
Estes dados nos mostram que a alimentação básica dos assalariados rurais temporários é insuficiente diante de suas condições de trabalho, o que pode transformar-se em causa de acidentes de trabalho na cana. Quando ocorrem acidentes, os trabalhadores registrados são atendidos com curativos provisórios para que possam continuar o serviço. Nos casos graves, são encaminhados ao posto de saúde do município mais próximo do local de trabalho. A insuficiência de calorias na alimentação dos trabalhadores é um dos agravantes nos casos de acidente. A recuperação após um acidente torna-se lenta e o afasta do trabalho durante o período de restabelecimento.
O Dr. Afonso Murad, médico em Florestópolis/PR, em depoimento à CPI do Bóia-Fria (Belinati, 1993: 8), afirma que:
O que ocorre são muitos cortes por facão de cana. Isso ocorre bastante. Não são cortes muito violentos, não. São pequenos corte nas pernas, lado esquerdo. Agora acidentes, vamos falar na época de corte de cana, aqui no hospital tem dia que não ocorre nenhum, tem dia que ocorrem dois ou três. Mais ou menos nesta faixa. Em dias quentes, no corte de cana, acontece muitas cãibras e insolações, isso acontece porque ele também não come, coitado. Não tem condições de se alimentar adequadamente.
Na lavoura da mandioca e da uva não há indício de que haja atendimento. Os acidentes são raros.
Os prejuízos sociais causados pela falta de respeito à condição humana desses trabalhadores são numerosos. Não é difícil reconhecer as pessoas que sofrem as conseqüências desse sistema de produção que explora e descarta a mão-de-obra assalariada.
A pele queimada de sol e envelhecida, a mão calejada, pés largos e cascudos, a desconfiança e tristeza no olhar e o sentimento de inutilidade dentro da sociedade, isso tudo em uma só pessoa, conforme salienta uma educadora de Engenheiro Beltrão/PR, sugerem as causas da prostituição, do alcoolismo, da violência, da desestruturação familiar que enfraquece o homem, que desencadeia a letargia, a velhice precoce e sem garantias de sobrevivência, e que conserva a mão-de-obra diarista dos idosos na lavoura de subsistência manipulada pelos pequenos produtores.
O resultado da falta de condições de trabalho é utilizado pelos empregadores como motivo nos casos de dispensa que são justificados com os seguintes chavões: término da safra, implantação de máquinas, idade improdutiva, doenças, incapacidade por acidente de trabalho, manifestação reivindicatória.
Na avaliação de Andrade (1994: 219),
[...] a racionalização econômica capitalista se baseia, sobretudo, na rentabilidade do processo produtivo, na preocupação com a queda do custo de produção. Para que a empresa tenha competitividade no mercado, não pode aceitar considerações de ordem ecológica, de defesa do meio ambiente, que encareçam a produção. Ao empresário, não preocupa, também, o problema do desemprego e do empobrecimento da população, a não ser quando isso se reflete sobre o mercado consumidor ou põe em risco sua segurança e de seu patrimônio.
3. Greve
A maior e mais conflitante das situações vividas pelos trabalhadores é a manifestação reivindicatória desencadeada em forma de paralisação do trabalho e suas conseqüências.
No recorte de informações da história de greve dos trabalhadores bóias-frias da Região de Maringá esse tipo de manifestação ocorre quando, somada à falta de condições de trabalho, há falta de poder de compra dos produtos da cesta básica de alimentos (fome endêmica) e a insegurança atinge as famílias dos trabalhadores rurais devido à mísera remuneração percebida.
Geralmente as paralisações são realizadas no auge das colheitas, nesse período há maior concentração de pessoas, há oferta de trabalho, portanto, poder de negociação, mesmo que limitado pela contratação temporária.
Esses movimentos são parciais e duram no máximo 10 dias, tempo suficiente para faltar alimento e para os empregadores semearem o medo do desemprego através de ameaças de demissão em massa.
As paralisações ocorrem para reivindicação de aumento de salário, redução da jornada de trabalho, direito a atestado médico, registro em carteira profissional, direito a férias e l3º salário.
Quando a pressão por maior produção individual passa a ser praticada sem garantias de emprego e de preço do serviço, aliada a falta de atendimento às condições básicas para o desempenho do trabalhador braçal, como já comentamos, a insatisfação torna-se o tempero que leva os trabalhadores a romperem com o medo e paralisarem de maneira não planejada estrategicamente, sem preparo para as negociações.
A não consciência da importância da organização de um movimento para a paralisação é um fator determinante da desmobilização. Prova disso são os resultados obtidos após as negociações, que geralmente contam com sindicalistas como mediadores das pautas reivindicatórias e nem sempre os resultados são favoráveis aos trabalhadores.
As conquistas são mínimas diante da falta de condições de trabalho enfrentada pela população de assalariados. O saldo positivo nem sempre corresponde aos anseios manifestados. Pesa mais a revanche que é praticada pelos empregadores na volta ao trabalho. Nessa revanche o trunfo é o medo da perda do trabalho que pode ser revitalizado com ameaças pós paralisação.
O aumento de salário geralmente é simbólico. A redução da jornada de trabalho é garantida apenas para os mensalistas. O registro em carteira profissional é atendido mediante critérios de seleção definidos pelo empregador que prefere os trabalhadores considerados em idade produtiva.
Para estes são garantidas as cláusulas negociadas, desde que os atestados médicos sejam emitidos por médicos contratados pela empresa. Em contrapartida as represálias são cometidas com a demissão dos que não são registrados e com o boicote dos participantes da manifestação na época da contratação.
A sobrecarga de tarefas aos que permanecem trabalhando e a perseguição aos líderes momentâneos acontecem abertamente.
Para assegurar o poder nessa relação de trabalho, o empregador pratica a contribuição espontânea aos sindicatos caracterizados pelo assistencialismo e passam a oferecer trabalho com remuneração inferior para os não registrados. De acordo com a CPI do Bóia-Fria (1993: 6),
Os empresários rurais de maneira unânime, há muito rasgaram a CLT e fazem que desconhecem qualquer avanço na área dos direitos constitucionais e trabalhistas. Muitos deles acabam presidentes de sindicatos que, em tese, representariam os trabalhadores "bóias-frias.
Podemos observar de forma mais clara como se dá a administração da mão de obra do assalariado rural através dos quadros a seguir:
CULTURA
IDADE MÍNIMA
JORNADA DE TRABALHO
SERVIÇOS EXECUTADOS
Cana
14 anos
16 h/ não registrado
10 h/ registrado
corte
corte/plantio
Mandioca
14 anos
10 h
arrancar, picar, transportar
Viticultura
7 anos
10 h
colheita
Sericicultura
7 anos
não definida
corte do casulo, limpeza e abastecimento do barracão
Cotonicultura
7 anos
10 h
colheita
Cafeicultura
7 anos
10 h
capinar, ruar, colher, transportar
Feijão
7 anos
10 h
arrancar
Fonte: levantamento realizado por educadores de jovens e adultos na região Norte/Noroeste do Estado do Paraná.
As medidas utilizadas para a atribuição de serviços aos assalariados rurais são específicas de cada lavoura conforme demonstrativo:
MEDIDA UTILIZADA
CULTURA
VARIÁVEL
Eito/tonelada
Cana
Qualquer espaço, ou espaço a ser definido conforme a cultura. Uma rua ou uma quadra pode ser um eito
Qadra/saca
talhão/rua
Café
Quadra/rua, espaço com a mesma quantidade de pés. Ex.: 10 ruas com 10 pés de café.
Talhão: 10 ruas com 50 pés em cada rua.
Salaminho
Feijão
¼ de ¼ de um alqueire paulista que é igual a 1.512,5m.
Arroba/saca
Algodão
1 arroba = 15 quilos
1 saca = 4 arrobas
Braça
Milho
3 metros quadrados
Fonte: levantamento realizado por educadores de jovens e adultos no ano de 1995, na região Norte/Noroeste do Estado do Paraná.
A relação entre trabalhadores e empregadores varia de acordo com a exigência de mão de obra nas diferentes culturas como podemos conferir observando o quadro abaixo:
CULTURA
FORMA DE PAGAMENTO
REGIME DE TRABALHO
IDADE MÁXIMA
Cana
diária
quinzenal
não registrado
registrado
55 anos
55 anos
Mandioca
semanal
Diarista
não definida
Viticultura
semanal
Diarista
não definida
Sericicultura
safra
Porcentagem
não definida
Cotonicultura
semanal
Diarista
não definida
Cafeicultura
semanal
Diarista
não definida
Feijão
Semanal
Diarista
não definida
Fonte: levantamento realizado por educadores de jovens e adultos no ano de 1995, na região Norte/Noroeste do Estado do Paraná.
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