segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

XII SEMANA DE PEDAGOGIA - 2005 / ORIENTAÇÃO - CECÍLIO


APONTAMENTOS SOBRE O PROJETO EDUCACIONAL INFANTO-JUVENIL DE
ROUSSEAU


Acadêmica: Silvana Penteado de Souza
Universidade Estadual de Maringá


Resumo
Objetivou-se com este estudo compreender a especificidade da perspectiva educacional infantojuvenil de Jean-Jacques Rousseau, analisando-a a partir do conjunto de sua obra e tendo com pano de fundo os nexos societários fundamentais da totalidade social da segunda metade do
século XVIII. Este estudo de cunho bibliográfico utilizou tanto fontes documentais primárias de
autoria de Rousseau, quanto fontes secundárias de autores contemporâneos que tratam da questão investigada. Dessa forma, o desfecho dessa pesquisa possibilitou concluir que o estudo de um clássico, baseado na perspectiva materialista-dialética, continua sendo de grande valia para o
pesquisador e/ou educador que pretenda ter uma formação sólida a fim de intervir nas práticas
educacionais formais e informais da atualidade.
Palavras-Chave: Educação; Rousseau; Infanto-juvenil; Sociedade; Dialética.
1. Importantes aspectos biográficos de Jean-Jacques Rousseau

Jean-Jacques Rousseau nasceu em 28 de junho de 1712, em Genebra, na Suíça. O século
XVIII foi uma época de profundas transformações no mundo, os destroços da velha sociedade
feudal contrastavam com a emancipação política e econômica das práticas sociais burguesas.
O pai de Jean-Jacques, Isaac Rousseau, era relojoeiro; sua mãe Suzanne Bernard, faleceu
após seu nascimento. Rousseau sob a influência de seu pai leu vários romances, que contribuíram
para sua formação intelectual. No "Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade
Entre os Homens", referiu-se ao pai recordando com carinho à importância das suas instruções.
[...] Não me recordo sem a mais doce emoção da memória do virtuoso
cidadão que me trouxe ao mundo e que freqüentemente alimentou minha
infância com o respeito que vos era devida. Vejo-o ainda vivendo do
trabalho de suas mãos, e alimentando sua alma com as mais sublimes
verdades. Vejo Tácito, Plutarco e Grotius misturados diante dele com os
instrumentos de seu ofício. Vejo ao seu lado um filho querido que
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recebia, com poucos frutos, as ternas instruções do melhor dos pais [...]
(ROUSSEAU, 1999, p.143).
Rousseau aprendeu vários ofícios, especialmente música, prosseguiu sua educação
científica, literária, e filosófica que, posteriormente, contribuiu para composição de suas grandes
obras. Dentre os clássicos da filosofia, destacam-se: O Contrato Social e Emílio ou Da Educação,
que foram escritos quase que simultaneamente. As obras de Rousseau polemizavam com as
principais instituições da época, sendo que em 9 de julho de 1762, o Parlamento de Paris
condenou Rousseau à detenção e ordenou a queima dos exemplares de Emilio. Mais tarde, o
Conselho de Genebra também o condenou à prisão, ordenando que juntamente com os
exemplares do seu tratado de educação, fosse queimada a sua obra jurídico-político.
Estas retaliações contra Rousseau e suas obras indicam que seus escritos não agradavam
aos reis, às elites clericais católicas e protestantes e aos governos estabelecidos na Europa,
naquele momento histórico.
Em 1745, passou a viver com Thérése Levasseur, com quem teve cinco filhos e que, após
o nascimento dos mesmos, foram entregues ao Enfants-Trouvés.1 Esse fato o marcou
profundamente, pois em 02 de julho de 1778, quando faleceu, estava escrevendo o Décimo
Passeio dos "Devaneios de um Caminhante Solitário", em que tratava do abandono dos filhos e
do problema da educação.
2. As influências da Igreja no século XVIII, e o embate entre a velha ordem feudal e a nova
ordem social burguesa
Durante o período da Idade Média ocidental, a Igreja é quem comandou o pensamento e a
ação da maioria dos homens, controlando a educação formal e informal. Nas palavras de Hazard
(1974, p.65):
O cristianismo deparava-se aos homens logo que nasciam, modelava-os,
instruía-os, sancionava todos os grandes actos (sic!) da sua existência
[...] A religião fazia tão profundamente parte de suas almas, que se
confundia com o próprio ser dos homens.
Na França, século XVIII, a Igreja conservara seu poder – era o Primeiro Estado –
exercendo expressiva influência sobre o conjunto da sociedade, que mantinha parte da estrutura
1 Esta era a designação atribuída as instituições que, nas cidades francesas dos séculos XVIII e XIX, acolhiam os
filhos de pais que não se sentiam em condiões de educa-los. Badinter (1985, p.226) as define nos seguintes termos:
"O sistema de ‘Roda’ nos asilos (que permitia à mãe deixar o filho sem revelar sua identidade), [...]" feudal em vigor. A nobreza laica – era o Segundo Estado – não pagava impostos e ainda se nutria de pensões do Estado absolutista, expressando o caráter estamental dessa sociedade cujo
privilégio de nascimento ainda era referência social.
Entretanto, a sociedade francesa não era composta apenas pelo Primeiro e Segundo
estados, uma vez que a grande massa da população estava no Terceiro Estado, do qual faziam
parte a burguesia, os artesãos urbanos, os jornaleiros (assalariados) e os camponeses. Essa grande massa é que arcava com o ônus dessa sociedade de ordens através do pagamento de vários tipos de impostos. Além disso, praticamente não tinha direito à participação política no Parlamento, estando impossibilitada de interferir nos desígnios da nação pelas vias institucionais existentes.
[...] E como as classes privilegiadas não contribuíam com sua parte (pelo
contrário, impunham aos plebeus taxas próprias), e como os membros
mais ricos de Terceiro Estado conseguiam, por tortuosos caminhos,
isentar-se dos impostos diretos, todo o peso recaía sobre os pobres. Era
um peso difícil. Um quadro verdadeiro do período mostraria o camponês
curvado carregando em suas costas o rei, o padre e o nobre.
(HUBERMAN, 1983, p.157)
Tais condições sociais engendravam uma sociedade híbrida, pois as velhas e novas
condições sociais coexistiam, mas não podiam se harmonizar devido à essência dos interesses
que as separavam. Essas contradições se explicitavam com mais evidência na capital francesa.
É neste contexto que surgem questionamentos das mais variadas matizes contra a ordem
estabelecida. Os filósofos contrários ao domínio exercido pela Igreja vão propor a abolição dos
seus dogmas e, portanto, o questionamento do princípio da infalibilidade do clero e de sua
hegemonia social. A Igreja respondeu com duras repressões, utilizando o seu forte braço
coercitivo: a Inquisição. Esta, entre outras práticas repressivas, confiscou livros, prendendo e
mandando para o exílio alguns expoentes do Movimento Iluminista, tais como Voltaire, Diderot,
D’Alembert e Rousseau.
Para Rousseau, a influência que a Igreja exercia sobre a sociedade, mantinha o problema
educacional da época, sob os desígnios das ordens sociais privilegiadas.. Segundo o filósofo, o
fato das escolas conservarem os métodos e objetivos do ensino escolástico manteria as novas
gerações subservientes à manutenção do status quo e de suas respectivas instituições. Ele
acreditava ser preciso um novo modelo de educação e de novas instituições para a edificação de
uma sociedade diferente daquela existente.
Levando em consideração o domínio mantido pela Igreja durante a época feudal, entre os
séculos XIII ao XVIII, a sociedade européia passou por um período de transição entre as velhas
práticas sociais feudais e a nova ordem burguesa. O embate entre estas duas formas de
organização durou séculos, sendo que, em meados de século XVIII, o Antigo Regime, na França,
se alicerçava sob a ambigüidade da coexistência das velhas instituições de caráter feudal e das
emergentes formas burguesas de relações sociais.
Neste sentido, vários fatores serviram de agravante para a dissolução da sociedade feudal,
segundo Marx, a expropriação do camponês de suas terras foi à base de todo o processo do
surgimento da era capitalista, cujo epicentro fora a Inglaterra onde:
O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do
estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade
feudal e do clã em propriedade privada moderna, levada a cabo com
terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação
primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista,
incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das
cidades a oferta necessária de proletários sem direitos (MARX, 1968,
p.850).
O filósofo de Genebra, parecia não aceitar as perspectivas societárias burguesas como
alternativa ao regime absolutista monárquico vigente, do qual ele também era crítico ferrenho.
Sua posição era a de que a burguesia, por seus valores intrínsecos, produzia novas formas de
privilégios políticos e econômicos, refazendo, sob novos moldes, a prevalência dos interesses
particulares sobre os interesses da coletividade. A dupla negação de Rousseau à velha ordem
social em decadência e à nova ordem social emergente, se deu no momento em que estava em
curso na Inglaterra um conjunto de transformações sociais que deram condições para a eclosão da Revolução Industrial no século XIX.
3. A educação infantil no século XVIII
Algumas situações presentes no século XVIII denunciavam o hábito de algumas mães
contratarem amas-de-leite para amamentar os próprios filhos. Por volta do século XIII
aproximadamente, as mulheres da aristocracia começaram a contratar amas-de-leite para o
sustento dos filhos recém nascidos. De acordo com Badinter, até o fim do século XVI, esta era
uma característica utilizada apenas pela aristocracia. Ao mesmo tempo em que essas mulheres
ricas contratavam essas amas para amamentar os próprios filhos, privavam outras crianças de sua mãe, os filhos da ama.
Segundo numerosos testemunhos, foi no século XVII que o uso de deixar
a criança na casa da ama-de-leite se generalizou entre a burguesia [...].
Mas é no século XVIII que o envio das crianças para a casa de amas se
estende por todas as camadas da sociedade urbana. Dos mais pobres aos
mais ricos, nas pequenas ou grandes cidades, a entrega dos filhos aos
exclusivos cuidados da ama é um fenômeno generalizado (BADINTER,
1985, p.67).
Cabe ressaltar que, várias reflexões teóricas profundas contribuíram para a tomada de
consciência de que a criança ao nascer deveria receber os cuidados da própria mãe. Desta forma,
essa mudança no pensamento dos homens só foi possível devido às novas necessidades materiais
que, paulatinamente, se cristalizavam nas relações sociais.
No século XVIII, as leitoras de Jean-Jacques eram um pequeno número de adeptas
intelectuais e, passaram a se dedicar ao aleitamento materno e aos cuidados para com os filhos.
As mulheres da aristocracia foram às últimas a modificarem seus hábitos, já, as mulheres da
classe burguesa se incubiram dos cuidados com os seus próprios filhos. Tais mudanças não se
efetivaram de forma linear foram se concretizando, gradativamente, em lugares e momentos
históricos distintos. No entanto, as mulheres mais pobres, devido as suas necessidades sociais
praticamente não puderam modificar este hábito. Conforme menciona Badinter (1985, p.224):
[...] a operária, ou a esposa do pequeno artesão têm, mais do que nunca,
necessidade de mandar os filhos para o campo, para poder trazer mais
algum dinheiro para casa. Até a camponesa entregará o filho a uma ama,
para melhor ajudar o marido na lavoura, ou para ser ama das crianças das
cidades.
Nesse sentido, a nova característica da família burguesa que se cristalizava nas relações
sociais no século XVIII submeteu a maioria das mulheres as suas obrigações maternais. Embora
se possa observar que, tais transformações das atitudes dessas mulheres não tenham se
concretizado de maneira imediata.
4. A posição de Rousseau e sua proposta educacional infanto-juvenil
Para Rousseau a questão educacional (formal e informal) transcendia os seus próprios
limites, carregando consigo contradições sociais complexas. Tal postura de Rousseau pode ser
constatada de maneira direta nas suas "Considerações sobre o Governo da Polônia", em que
sugere aos poloneses o descarte sem concessões, à participação do clero na educação das crianças
polonesas, nos seguintes termos: "Pelo que acabo de dizer, pode-se concluir não serem os estudos
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ordinários dirigidos por estrangeiros e padres, os que gostaria de fazer as crianças seguirem"
(ROUSSEAU, 1962, p. 278).
Rousseau, ao fundamentar sua teoria, defendia que o ponto de partida de um educador
diferenciado daqueles das instituições da sua época, seria o de afastar a criança dos vícios da
sociedade, era preciso combater a severidade dos professores da época, que reagiam de forma
enérgica a qualquer erro do aluno. Assim, fazia-se necessário afastar os educandos das
instituições e dos costumes corrompidos.
Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana. Aquele de nós que
melhor souber suportar os bens e os males desta vida é para mim, o mais
bem educado, donde se segue que a verdadeira educação consiste menos
em preceito do que em exercícios (ROUSSEAU, 1995, p.14).
Segundo Rousseau, o ensino escolástico agia de maneira oposta a esse preceito,
submetendo as crianças a passar horas copiando textos no latim, fazendo-as decorar regras
gramaticais ou de cálculos que não lhes fazia o menor sentido. Isso tudo permeado pelo viés da
autoridade religiosa, que foi a base educacional durante toda a Idade Média Ocidental.
É diante desse quadro que Rousseau, em seu livro Emilio, toma a infância como um dos
núcleos de suas reflexões, nos dois primeiros capítulos desta obra Rousseau descreveu como
deveria se efetivar a educação infanto-juvenil, a qual será analisada pormenorizadamente. Cabe
ressaltar que, o autor não tinha a intenção de que esta obra servisse de "receituário" para pais e
mães, afirmando que: "Trata-se de um novo sistema de educação da qual eu ofereço o plano para
o exame dos sábios, e não de um método para os pais e as mães, o qual eu jamais sonhei."
(OLIVEIRA apud ROUSSEAU, 1977, p.34).
4.1 Primeira infância
O livro primeiro compreende o desenvolvimento da criança desde o seu nascimento até a
idade de 2 anos. Toda a educação de Emilio se efetivaria no campo, em contato com a natureza.
Rousseau, ao educá-lo de forma natural, estava preparando-o para viver em sociedade, a fim de
que posteriormente desenvolvesse seu papel de cidadão.
Rousseau parte do principio de que as mães são as responsáveis pela primeira educação de
seus filhos, e que este "descaso" com a criança era responsável pelo alto índice de mortalidade
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infantil neste período. Porém, é preciso observar que tais posturas integram o conjunto de
determinada sociedade, revelando assim a concepção de infância até então vigente.
É a ti que me dirijo, terna e previdente mãe. [...] A educação cabe
incontestavelmente às mulheres: se o autor da natureza tivesse querido
que pertencesse aos homens, ter-lhes-ia dado leite para alimentarem as
crianças (ROUSSEAU, 1995, p.7).
Levando em consideração a necessidade das mães voltarem a amamentar seus filhos, o
autor destaca também a responsabilidade dos pais na educação das crianças. Desta forma, ao pai
compete não apenas exercer suas conquistas no trabalho, mas prover tanto a base material quanto
a afetiva e moral. Como relata Cerizara (1990, p. 49): "Ao prescrever a formação da criança da
natureza, ou a desnaturação da criança, Rousseau propôs o resgate da família e do pai como
verdadeiro preceptor e denuncia o descaso dos pais, que, a pretexto de afazeres de oficio, tem,
assim como as mães, negligenciado seus deveres".
Segundo Rousseau, alguns aspectos deviam ser considerados no que diz respeito à escolha
da ama: escolher uma ama recém parturiente, de boa qualidade de leite, sadia de corpo e de
coração. A criança deve acatar as normas estabelecidas pelo adulto que a governa. Ainda segundo
Cerizara (1990, p.60): "A criança não deve ter como superiores senão o pai e a mãe, e, na
ausência deles o preceptor e a ama". Logo, o preceptor de Emilio o acompanharia na sua
educação desde o nascimento até a idade adulta.
O choro é a primeira forma de o bebê comunicar-se com o mundo, através dele expressa
as suas necessidades como: dor, fome, sono, etc. Contudo, Rousseau lembra aos adultos a
importância de distinguir o choro provocado pela necessidade, do proveniente pela obstinação,
pois ressalta que não é aconselhável mimar a criança. É importante que o adulto atenda as
necessidades naturais da criança, mas não a acostume a conseguir o que deseja utilizando como
forma, o choro. Ao proporcionar liberdade à criança o adulto desempenha papel de instruí-la
contribuindo para sua formação. Desta forma, quando as crianças choram por teimosia é melhor
distraí-las para que parem de chorar, sem que ela perceba que está sendo distraída.
Quanto ao desenvolvimento da linguagem, Rousseau entendia ser necessário falar sempre
corretamente diante das crianças e se houvesse necessidade de corrigi-las, que o educador não
utilizasse a critica destrutiva tão praticada em sua época, pois deixavam as crianças tímidas e
confusas.
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Segundo Rousseau, a educação da natureza é condição básica para o posterior
desenvolvimento social, pois entendia que, o homem não nasce pronto ele se constrói, e, este
processo de construção depende de fatores externos e internos.
Para finalizar o Livro primeiro, Rousseau (1995, p.64) afirma:
Os primeiros desenvolvimentos da infância dão-se quase todos ao
mesmo tempo. A criança aprende a falar, a comer e a andar
aproximadamente ao mesmo tempo. Esta é propriamente a primeira fase
de sua vida. Antes não é nada mais do que aquilo que era no ventre da
mãe; não tem nenhum sentimento, nenhuma idéia; mal tem sensações e
nem mesmo percebe a sua própria existência: Vivit, et est vitae nescius
ipse suae.2
4.2. Segunda infância
O livro segundo compreende a educação de Emilio dos 2 aos 12 anos. É o período que
Rousseau delimitou idade da natureza, tratando, dos seguintes temas: da liberdade bem regrada;
da educação negativa; da educação sensitiva e da sensibilidade; e, principalmente, da importância
da infância na vida do homem.
Quando a criança começa a falar, o choro que é entendido como uma forma de linguagem
diminui, pois uma linguagem é substituída por outra. Assim, cabe ao educador não mais atendê-la
quando quiser algo e o fizer chorando, a fim de não incentivá-la a agir dessa forma. Rousseau
ressalta que é a partir deste segundo período que a criança começa a se perceber como indivíduo,
realiza sozinha suas primeiras ações: com o desenvolvimento de suas forças pode andar e correr
sem depender de outrem é o começo de sua própria autonomia. Numa época em que a infância
era praticamente ignorada, Rousseau valoriza a importância desta fase para a formação básica do
homem.
Toda primeira educação de Emílio seria realizada na solidão dos campos, esse isolamento
inicial corresponderia à chamada educação negativa. Segundo Rousseau: "[...] a primeira
educação deve ser puramente negativa. Consiste, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em
proteger o coração contra o vício e o espírito contra o erro" (1995, p.91).
Defendia que a ação da criança é que deveria ser incentivada: o exercício do corpo; dos
órgãos; dos sentidos e das forças. Desta forma, o desenvolvimento físico, se transformará em
2 Vive e não tem consciência da sua própria vida.
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instrumento para criança construir o conhecimento posterior. De acordo com Rousseau, essa
educação natural se tornava impraticável num mundo que há muito deixara de ser natural, mas
para que essa educação alcançasse o seu objetivo era imprescindível que o adulto tivesse atitudes
coerentes, pois, as atitudes do adulto serviam de modelo para criança.
Por essas razões que Emilio seria educado no campo, longe dos vícios e dos maus
costumes da cidade. Seria importante que a criança compreendesse o verdadeiro significado das
palavras por meio de ações e de atitudes concretas. Nos termos do próprio filósofo: "[...] vossa
lições devem consistir mais em atos do que em palavras, pois as crianças facilmente e esquecem
do que disseram e do que lhes dissemos, mas não do que fizeram ou do que lhes fizemos"
(ROUSSEAU, 1995, p.101).
Rousseau sugere que a inserção do educando aos conhecimentos mais elaborados se desse
aos 12 anos, "[...] geralmente obtemos com muita segurança e muita rapidez o que não temos
pressa de obter. Tenho quase certeza de que Emilio será perfeitamente capaz de ler e escrever
antes dos dez anos [...]" (ROUSSEAU, 1995, p.128). Assim, a primeira leitura indicada a fim de
contribuir para a formação de Emilio seria Robinson Crusoé, esta obra seria complementar à
passagem da educação natural para a social, nesse sentido, Lazarini (1998, p.77) afirma que:
"Assim sendo, dissipa-se qualquer dúvida sobre um principio fundamental do ideário
rousseauniano: o objetivo da educação é formar e efetivar o homem para a vida em sociedade e
não para a solidão".
A educação negativa se encerraria aos 18 anos, e, o afastamento intencional, com vistas a
formar um homem desarraigado dos vícios e costumes da sociedade corrompida, proposto por
Rousseau se encerraria, dando inicio à idade da razão. Diferentemente do que alguns opositores
afirmam que a sua intenção era de formar um "solitário andante dos campos", entende-se que, a
critica rousseauniana são dirigidas às práticas vigentes em seu tempo. Por exemplo, Rousseau
refutava a competitividade, entendia que os homens deveriam se tornar úteis aos demais
membros da sociedade.
Sendo assim, a educação na infância, segundo Rousseau se torna imprescindível para a
formação do homem. O educador, além de promover atividades que desenvolvam a ação da
criança, deve possibilitar atividades que desenvolvam o raciocínio. Logo, por meio da educação
natural a criança desenvolveria aptidões que efetivassem a sua formação.
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No conjunto de sua obra, Rousseau abordou com fervor a formação do cidadão, acreditava
que o modelo de cidadão objetivado por ele só existiria numa sociedade em que as diferenças
sociais fossem minimizadas. Segundo o autor, era preciso formar um homem com princípios de
benignidade, utilidade e solidariedade, a fim de que atuasse em prol do bem coletivo e do seu
próprio bem.
5. Conclusões
Este estudo fez um recorte da obra Emílio, de Rousseau, com o intuito de refletir sobre a
perspectiva educacional infanto-juvenil. Para tanto, baseado numa perspectiva dialética, buscouse
analisar as idéias de Rousseau em relação aos nexos societários fundamentais da segunda
metade do século XVIII, a fim de não fazer interpretações equivocadas, subtraindo o conteúdo
social das suas premissas.
Sendo assim, pensar em educação na infância, significa refletir sobre a situação em que se
encontram, atualmente, a criança e o adolescente. E, para repensar a educação na infância, é
preciso rever algumas questões fundamentais para o desenvolvimento corpóreo e intelectual das
crianças.
Nesse sentido, este Clássico da Filosofia Moderna oferece parâmetros para aqueles que
atuam nas atividades de ensino relacionadas à problemática da infância e da adolescência. E,
ainda, oferece subsídios para reflexão de que a infância atualmente encontra-se negligenciada,
sendo que, muitas crianças – pobres – ainda trabalham. Percebe-se então, que na atual sociedade
capitalista, poucas crianças e adolescentes usufruem do direito de brincar, de estudar, enfim, de
atendimento específico para suas necessidades.
6. Referências
BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
CERIZARA, Ana B. Rousseau: a educação na infância. São Paulo: Editora Scipione, 1990.
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HAZARD, Paul. O Pensamento Europeu no século XVIII. Lisboa: Editora Presença, 1974.
[p.43 – 266]
HUBERMAN, Léo. História da riqueza do homem. 19. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
LAZARINI, Ademir Q. A Singularidade do projeto educacional de Rousseau. Mestrado em
Fundamentos da Educação. Universidade Estadual de Maringá, 1998. 126 fls
MARX, Karl. A acumulação primitiva do capital. In: O Capital. Crítica da economia política.
Livro Primeiro-volume II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. [p. 828-885]
OLIVEIRA, A. E. Jean-Jacques Rousseau: pedagogia da liberdade. João Pessoa: UFPB, 1977.
ROUSSEAU, J.J. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os
Homens.
_____. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
_____. Considerações Sobre o Governo da Polônia. In: ARBOUSSE-BASTIDE, P. Obras Jean-
Jacques Rousseau. Rio de Janeiro: Globo,1962 [p.257-343]
_____. Projeto de Constituição para a Córsega. In: ARBOUSSE-BASTIDE, P. Obras Jean-
Jacques Rousseau. Rio de Janeiro: Globo, 1962. [p.181-253]

XII SEMANA DE PEDAGOGIA - 2005

CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA: UMA BUSCA PELA TRAJETÓRIA DO
LEGALIZADO

Autora: Lindicéia Batista de França Lopes
Orientadora: Irizelda Martins de Souza e Silva
UEM – Universidade Estadual de Maringá

Este trabalho é parte de uma pesquisa realizada para conclusão do curso de
Especialização em Educação Infantil na Universidade Estadual de Maringá. A pesquisa
apresenta uma análise da concepção de infância construída no decorrer do século XX,
apontando para a concepção percebida atualmente início do século XXI no Brasil. Tendo o
Código de Menores de 1927 e o Estatuto da Criança e do Adolescente como foco principal, a
pesquisa buscou realizar-se considerando os determinantes históricos, sociais, políticos e
econômicos, no sentido de não desvincular as leis de seus condicionantes históricos.
Atualmente a infância constitui tema de debate em muitas discussões na sociedade
brasileira, porém nem sempre foi deste modo. No Brasil, foi somente a partir do século XX
que a infância passou a ser reconhecida como um período de necessidades específicas,
diferentes das necessidades que se possuem como ser humano adulto.
Definida nos dicionários como o período que se estende do nascimento até a
puberdade, a infância ocupa hoje na sociedade, questões e preocupações em diferentes
espaços, como família, escola, igreja, legislação brasileira, meios acadêmicos, entre outros.
A política de atendimento à criança e ao adolescente no Brasil, desde a “Roda dos
Enjeitados”1 no período colonial2, esteve associada às ações caritativas das entidades
religiosas e doações das pessoas de boa vontade.
As práticas com objetivos de ordem higiênica e moral caracterizaram as ações
relativas à infância em meados do século XIX. A concepção de caridade que abrangia, em
1 Roda dos enjeitados: um cilindro vazado preso sobre um eixo no muro da instituição, onde eram
colocadas as crianças órfãs ou abandonadas. Ao ser girado levava a criança para o lado de dentro
da instituição.
2 Período Colonial: demarcação temporal que se refere a partir da chegada dos primeiros jesuítas
(1549) até a chegar a independência (1822) (VIEIRA e FARIAS, 2003).
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princípio, apenas as instituições de caridade, aos poucos foi passando a ser também função do
Estado.
Essa mudança produziu-se em meio a incansáveis debates sobre as funções
do Estado e, também, pelas reivindicações trabalhistas diante do
agravamento dos problemas, provocados pela Revolução Industrial
(MORELLI, 1996, p.49).
A constituição de 1891 não explicitou o conceito de infância, mesmo no que se refere
ao amparo; entretanto os códigos penais já discutiam questões sobre a menoridade penal e
sobre providências quanto às práticas de delinqüência efetuadas por menores.
O final do século XIX, época tida como marco para a proteção à infância no Brasil,
impulsionou discussões e iniciativas para efetivas ações de assistência e proteção à infância
no Brasil. Esse processo de caracterização da concepção de infância emerge principalmente
no contexto dos sindicalistas, que exigiam leis para o trabalho infantil, e dos pediatras e
higienistas, que desenvolviam trabalhos voltados à saúde e bem-estar da criança.
O século XX constituiu um cenário muito importante para a infância brasileira no que
se refere à legalidade. Três leis essenciais buscaram atender à realidade da infância brasileira:
o Código de Menores de 1927, o Código de Menores de 1979 e o Estatuto da Criança e do
Adolescente/ECA de 1990.
Nas décadas de 1920 e 1930 o mundo todo já se caracterizava como capitalista na
forma de sua organização social e política, considerando as relações de produção
historicamente construídas pelos homens pautadas na supremacia do capital.
Na legalidade, com a criação do “Juizado de Menores” em 1923, a infância passou a
ter um atendimento diferenciado em relação ao adulto. Antes disso, a legislação atendia a
infância “nivelando-a” aos mesmos aspectos e patamares do desenvolvimento de um adulto.
Em 1927 surgiu no Brasil o Código de Menores como a primeira lei sistematizada
voltada especificamente para a criança e o adolescente. Consolidado em 12 de outubro de
1927, por meio do Decreto n. 17.943-0, o código teve como objetivo dar assistência e
proteção aos menores, especificamente aos que se encontrassem em estado de abandono ou
delinqüência.
O Código de Menores de 1927, construído no contexto histórico da década de 1930,
teve como cenário a industrialização nacional efetiva, com organizações sociais em curso,
manifestações artísticas e culturais. A Revisão Constitucional de 1926, enfatizava mais
presença do Estado em diversos setores da realidade nacional, e esta presença do Estado
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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favoreceu a publicação do Código de Menores, que mudou a realidade do tratamento
destinado à infância brasileira.
Criado pelo jurista Mello Mattos e composto de 10 capítulos, o Código de Menores de
1927 foi homologado pelo então Presidente da República Washinton Luiz P. de Souza,
governo de 1926 a 1930, tornando-se assim a lei vigente voltada às crianças e adolescentes do
país.
Segundo Morelli (1996), o Código efetivou duas questões que exigiam mudanças
urgentes: o fim do critério de discernimento3 e a criação de uma regulamentação das relações
entre o Estado, a sociedade e a infância. Diante disto, pela nova legislação as ações deveriam
deixar de ser punitivas e passar a ser protetoras.
Analisando os capítulos desta lei para verificar os vários conceitos e concepções que
permeavam a infância naquele momento, é possível entender claramente de que infância se
falava na década de 1930, e principalmente que lugar esta infância ocupava dentro do
contexto social e legislativo.
O capítulo I do código “Do objeto e fim da lei”, assim se inicia:
Art.1º - O menor, de um ou de outro sexo, abandonado ou delinqüente, que
tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente
às medidas de assistência e proteção contidas neste Código (BRASIL, 1970,
p.490-491).
O Código de Menores de 1927 surgiu para dar “assistência e proteção” aos “menores”
de ambos os sexos “abandonados e delinqüentes” que tivessem menos de 18 anos. Os
“menores” “abandonados” e “delinqüentes” a que a lei se refere identificam uma concepção
de infância específica, a de “criança infratora”.
A doutrina de “situação irregular”, política que baseou todo Código de Menores de
1927, caracterizava somente a infância infratora, por ação (autor de infração) ou por omissão
(ausência de família ou meios de sobrevivência), que perturbava a ordem nacional e
necessitava ser recuperada e educada. O “menor” não se constituía na legalidade daquele
momento histórico como sujeito de direito, apenas como sujeito que precisava ser regulado
pela lei, desta forma a concepção de infância se fazia no “menor infrator”.
Diante da legalidade, é importante considerar também os principais documentos e
acordos internacionais que trataram das questões da infância no decorrer do século XX no
3 Critério de discernimento: critério biopsicológico que avalia o nível de juízo e prudência do indivíduo.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
294
Brasil: a Declaração dos Direitos Humanos proclamada em 1948 pela ONU afirmando que
todo ser humano é um ser de direito; o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
criado em 1950 com o princípio básico de promover o bem estar da criança e do adolescente
em suas necessidades básicas; a Declaração dos Direitos da Criança proclamada em 1959
pela ONU verificando que as condições da criança exigiam uma declaração à parte, devido
sua imaturidade física e mental, necessitava assim de proteção e cuidados, explicitando os
direitos fundamentais da criança.
Estes documentos e acordos internacionais contribuíram para trazer os direitos da
infância e da adolescência em cena no Brasil, voltando o olhar da sociedade para a criança e o
adolescente como pessoas de peculiaridades de desenvolvimento, que precisavam ser
atendidos em suas necessidades.
No contexto das políticas nacionais, em 10 de Outubro de 1979 publicou-se um novo
Código de Menores. Por meio da lei n. 6.697 estabeleceram-se novas diretrizes para medidas
de proteção, vigilância e assistência aos menores em situação irregular.
Ainda que os documentos e acordos internacionais enfatizassem a valorização do ser
humano e da infância, o Código de Menores de 1979 pouco inovou enquanto lei para a
infância, ao contrário, agravou ainda mais a situação ampliando os poderes da autoridade
Judiciária. Este Código foi publicado no intuito de atender desvalidos, abandonados e
infratores, e também adotar meios de prevenir ou corrigir as causas de “desajustamento”
destes menores.
No contexto do final do século XX, o Brasil fortaleceu-se novamente num sistema
democrático de governo, a globalização instaurou a mundialização da economia, tecendo
espaço para uma ideologia neoliberal de desestatização no campo da política, da economia e
das relações sociais. Os movimentos sociais constituíram movimentação intensa em defesa de
direitos ou novas posições diante da lei. As crianças e adolescentes passaram a ser
protagonistas na história brasileira com movimentos pela defesa e exercício de direitos.
A Constituição Federal de 1988, resultado de lutas históricas, avançou amplamente
enquanto instrumento democrático no Brasil; inovou inclusive na apresentação de um artigo
específico (Art.227) a assegurar à criança e ao adolescente o estado de sujeito de direitos.
A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, em 1989, também deu
forte contribuição, enunciando direitos para a infância, redistribuindo as políticas sociais
voltadas para a infância. A partir da nova Constituição Federal de 1988 e da Convenção de
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
295
1989, efetivou-se eficazmente a construção e publicação da nova lei para a infância e
adolescência: O Estatuto da Criança e do Adolescente.
O ECA4 foi promulgado oficialmente em 13 de Julho de 1990 pela Lei n. 8.069. Deixa
para trás a doutrina de “situação irregular”, revogando o Código de Menores de 1979, e
dispõe sobre a política de “proteção integral”. Voltada à criança e ao adolescente, a lei
considera criança a pessoa de até 12 anos de idade e adolescente aquela entre doze e dezoito
anos de idade. Ou seja, o ECA inclui todas as pessoas de 0 a 18 anos de idade como sujeitos
de direito.
Art. 1º - Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
(BRASIL, 2002, p. 20)
A doutrina de proteção integral reconhece a infância enquanto detentora de direitos
fundamentais como: direito à vida, à liberdade, ao respeito, à dignidade, e também de direitos
sociais, como: direito à saúde, à educação, à cultura, à convivência familiar e comunitária,
entre outros. A infância passa a ser legislada com medidas protetivas e medidas
socioeducaativas. Constrói-se no ECA uma concepção de infância na condição de sujeito de
direito.
É possível verificar muitas transformações entre o Código de Menores de 1927 e o
Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 com referência à infância. Uma diferença
evidente observa-se diante da nomenclatura de tais leis. O Código de Menores refere-se a
“menores”, e o ECA à “crianças e adolescentes”. Tais leis dentro de seus contextos históricos
referem-se a atores sociais diferentes: os “menores” como abandonados e delinqüentes
menores de 18 anos, as “crianças e adolescentes” a todas as pessoas até 18 anos.
O “menor”, que era mantido, por uma doutrina de “situação irregular”, na condição de
“infrator”, é transformado em “criança e adolescente”, por uma doutrina de “proteção
integral”, na condição de sujeitos de direitos.
Diferente do Código de Menores de 1927, que aumentou o poder de intervenção do
Estado, o ECA constitui-se sobre base de “desjudicialização”, no esforço de reduzir o papel e
a interferência do Poder Judiciário.
O ECA, mesmo sendo um documento avançado, sofreu muitas críticas referentes à
execução das medidas previstas. Além das críticas, a situação do andamento do ECA também
4 ECA – Sigla utilizada para se referir ao Estatuto da Criança e do Adolescente no decorrer desta pesquisa.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
296
não está satisfatória. De acordo com Basílio (2003, p.25-26), está muito longe do que os
movimentos sociais idealizaram:
Apesar de reconhecermos avanços parciais, como o bom funcionamento de
alguns conselhos, iniciativas isoladas de desinstitucionalização que foram
bem-sucedidas, a existência de liberdade de imprensa para denúncias de
violações ou maus-tratos, gestões de Febems (ou órgãos estaduais
executores) que tentaram mudar a sorte dos que eram chamados infratores,
temos consciência de que esta política setorial apresenta problemas muito
graves na sua operacionalização. Fatos como a superlotação de internatos
com sucessivas rebeliões – em que jovens morrem sob a tutela do Estado –,
baixa qualidade e desempenho dos programas de liberdade assistida,
ausência de financiamento para sustentar ações, ocupam grandes espaços na
imprensa. De fato, apesar de algumas iniciativas exitosas estamos diante de
grave crise.
A crise mencionada na citação acima, de acordo com Basílio (2003), aconteceu diante
de impasses descritos basicamente em quatro argumentos: o primeiro diz respeito ao avanço
dos setores conservadores, parte da imprensa e da opinião pública, que atribuem impunidade à
excessiva defesa dos direitos; o segundo refere-se à ausência de uma política de
financiamento, agravada pela redução drástica de recursos e pela diminuição dos repasses
governamentais e não-governamentais; o terceiro argumento surge da própria crise de
financiamento, levando as organizações não governamentais a competir entre si por recursos e
destituindo a relação de solidariedade contraída na publicação do ECA; o quarto e último
argumento trata da crise de gestão, da incompetência dos gestores estaduais e municipais em
administrar os setores públicos.
O fato é que há uma crise em decorrência da implantação do ECA, e esta deverá ser
superada dentro da política do próprio ECA, ou seja, dentro de um trabalho realizado em
“rede” entre órgãos governamentais, não-governamentais e a sociedade civil. Faz-se
necessário ação, vigilância e iniciativa em sentido coletivo, para que se possa realizar a
aplicação efetiva do ECA.
Essa conquista da infância de uma lei específica não aconteceu por acaso. Foram
muitos debates, fóruns e lutas para que a infância tivesse o reconhecimento de suas
particularidades específicas de desenvolvimento, com direitos e garantias assegurados pelo
Estado com “absoluta prioridade”.
Mesmo com a crise do ECA, a lei está em vigor e determina legalmente todas as ações
com relação à infância brasileira. O tratamento dispensado à infância, de acordo com o ECA,
deve ser de “proteção integral” com “prioridade absoluta”.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
297
Atualmente, início do século XXI, a infância, regulada pela lei, organiza-se
politicamente na busca e no exercício de seus direitos e vive uma realidade determinada pela
sua condição social, econômica e cultural de vida.
Para olhar a infância é preciso olhar as suas reais condições de vida. É preciso
considerar como vive a criança no seu cotidiano. Somente desta maneira é possível
compreender a concepção de infância neste momento.
De acordo com Ghiraldelli Júnior (1996), a noção de infância na atualidade altera-se
significativamente. A criança passou a ser um corpo que consome coisas de criança. Os
gestos, comportamentos, posturas corporais e expressões passam a ser claramente
determinados pela mídia.
[...] Ser criança é algo definido pela mídia, na medida em que se possui o
corpo-que-consome-corpo, na medida em que se é um corpo-que-consomecorpo.
A infância deixa de ser uma fase natural da vida humana e passa a ser
um flash corporal autorizado pela mídia. Um flash que busca, nos segundos
que dura – repetidos a cada comercial de TV recriar a criança como
indivíduo, como ‘ser livre’, outrora apresentado pelo humanismo; e como
‘ser ativo’, outrora apresentado pela ‘sociedade do trabalho’ e de certo modo
ainda pela ‘sociedade científico-tecnológica’.
Para Pereira e Souza (1998, p.37), o cotidiano da criança modificou-se. Há hoje um
distanciamento da criança em relação ao adulto:
Criança pequena com agenda lotada. A televisão que se transforma em babá.
Os pais ausentes. Carinho transformado em objeto. O tamagoshi e a
afetividade objetificada. Erotização da infância. Sexualidade. Publicidade.
Cultura do consumo. [...] Individualismo desencadeado pela ausência do
outro. Apagamento da relação de alteridade. Criança sozinha. Criança que
manda nos pais. Esses são apenas alguns dos fragmentos que compõem o
contexto da infância contemporânea.
Vivemos um momento de mudanças nos objetos culturais, que muitas vezes não são
acompanhadas pelos adultos, dentre elas a invasão das novas tecnologias, a intensa afinidade
da criança com o mundo eletrônico.
De acordo com entrevista realizada com a pesquisadora, Profª Drª Verônica Regina
Müller, sobre a concepção de infância na atualidade, esta afirma: “é impensável ver uma
imagem de infância. Há diferentes grupos infantis vivendo realidades econômica e cultural
diferentes e vista pela mídia, pelos intelectuais da educação, pelas políticas públicas, pelas
famílias, sempre no seu viés particular”.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
298
Isto quer dizer que não é possível tratar da infância em abstrato, é preciso levar em
conta as diferentes condições sociais de vida que determinam sua significação social.
As crianças das classes alta e média, apesar dos privilégios da boa formação escolar e
das boas condições de vida, convivem muitas vezes com a solidão dentro da própria casa. Os
avanços tecnológicos tomam-lhes o tempo, afastando-as do adulto, inculcando-lhes na mente
que a felicidade talvez esteja no ato de consumir.
Não obstante, paralelamente a isto, grande parte das crianças brasileiras, as das classes
populares, vivem em condições de violência aos seus direitos estabelecidos. São crianças
vítimas da desnutrição, da fome, das drogas, da violência física, da violência sexual, e dos
maus-tratos.
As crianças das classes populares, na medida em que não possuem o poder econômico
posto pela sociedade para consumir, sofrem muitas vezes com o trabalho infantil, a
exploração, a violência.
Apesar de o ECA garantir “proteção integral”, ainda há no Brasil crianças que vivem
em situação de extrema violência social, física, assim como de pobreza. O avanço na
legalidade ainda não alcançou as condições indignas de vida de muitas crianças brasileiras.
Mesmo sem a intenção de caracterizar a criança brasileira, e sim a concepção de
infância na legalidade, não há como olhar a infância sem considerar as condições reais de
existência em que vive a criança.
Não há como conceber uma única infância brasileira na atualidade. É possível
visualizar “infâncias” mediante as diferentes condições de existência em que se encontram e
que determinam suas vidas.
Diante da legalidade, a infância brasileira, de “menor infrator” evoluiu para “crianças
e adolescentes sujeitos de direito”. Atualmente esta infância busca, além do exercício de seus
direitos, também o direito de viver a sua fase natural da vida, de acordo com as necessidades
específicas do seu desenvolvimento.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
299

REFERÊNCIAS
BASÍLIO, Luiz Cavalieri. Avaliando a implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
In: BASÍLIO, Luiz Cavalieri; KRAMER, Sonia. Infância, educação e direitos humanos.
São Paulo: Cortez, 2003. p.19-28.
BASÍLIO, Luiz Cavalieri; KRAMER, Sonia. Infância, educação e direitos humanos. São
Paulo: Cortez, 2003.
BRASIL. Código Penal. Código de Menores Decreto nº17.943-A de 12 de outubro de 1927.
São Paulo: Saraiva, 1970.
BRASIL, Código de Menores. Lei nº6.697 de 10 de outrubro de 1979. Rio de Janeiro:
Saraiva 1979.
BRASIL. Constituição de 1988. Rio de Janeiro: FAE, 1989.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Normativas Internacionais. Conselho
Nacional dos Direitos da criança e do Adolescente. Brasília, DF: Conanda, 2002.
GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo (Org.). Infância, educação e neoliberalismo. 2ed. São
Paulo: Cortez, 1996. (Coleção Questões da Nossa Época: v.61).
KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 3.ed. Rio de
Janeiro: Dois Pontos, 1987.
KRAMER, Sonia; LEITE Maria I. (Orgs.). Infância e produção cultural. Campinas:
Papirus, 1998.
KRAMER, Sonia. Infância, cultura contemporânea e educação contra a barbárie. In:
BASÍLIO, Luiz C.; KRAMER, Sonia. Infância, educação e direitos Humanos. São Paulo:
Cortez, 2003. p.83-106.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
300
MORELLI, Ailton J. A criança, o menor e a lei: uma discussão do atendimento infantil e da
noção de inimputabilidade. Assis, 1996. 181f. Dissertação (Mestrado em História da
Sociedade) – UNESP.
PEREIRA, Rita M. R. SOUZA, Solange J. Infância, conhecimento e contemporaneidade. In:
KRAMER, Sonia; LEITE Maria I. (Orgs.). Infância e produção cultural. Campinas:
Papirus, 1998.

XII SEMANA DE PEDAGOGIA - 2005


XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
222
ISBN 185-98543-02-0

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA
COMUNIDADE INDÍGENA: UM OLHAR DIFERENCIADO

Paula Edicléia França Bacaro
Dra.Irizelda Martins de S. Silva
Universidade Estadual de Maringá
Iniciando a conversa
O homem na sociedade capitalista passou a ser valorizado não pelo humano, mas sim pela
sua capacidade produtiva, ou seja, o quanto pode por meio do seu trabalho, seja ele físico
ou intelectual, produzir lucro. Sendo assim, a sociedade dita as regras de normalidade e
capacidade desse homem. Aquele que se apresenta como "diferente" diante da maioria,
passa a ser estigmatizado como incapaz.
Em uma tentativa de forjar sua própria responsabilidade de mantenedora da exclusão social,
a sociedade capitalista transfere para o próprio indivíduo a incapacidade, e este passa a
interiorizá-la. O Estado brasileiro regulamenta Leis e Normatizações que atendem essas
pessoas, mas nem sempre o que é estabelecido pela Lei é cumprido. A responsabilidade de
formação educacional passa a ser do próprio sujeito, que nem sempre é atendido conforme
sua necessidade educacional, prejudicando o seu desenvolvimento social e cognitivo.
Nesse sentido, a sociedade dos excluídos passa a ser formada por grupos considerados
minorias, mas que é uma população significativa, que atendida devidamente, tanto no que
se refere à educação quanto em outros aspectos sociais, poderia ter uma vida digna.
Entretanto, a sociedade capitalista se subdivide em grupos de excluídos, dentre eles o idoso,
o pobre, a prostituta, a criança de rua, o homossexual, as pessoas com necessidades
especiais e os indígenas, cada qual diante da sociedade capitalista, segregado pela sua
diferença.
Neste ensaio discutiremos a problemática que envolve dois grupos de pessoas excluídas: as
com necessidades educacionais especiais e os indígenas. De acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena
Os índios são cidadãos brasileiros, portadores de direitos e deveres consagrados
na legislação, que reconhece as diferenças etno-culturais e lingüísticas como
valor positivo e edificante da nacionalidade brasileira. Conhecer, valorizar e
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
223
aprender com essas diferenças é condição necessária para o convívio construtivo,
a comunicação e a articulação de segmentos sociais diversos que, apesar disto, e
mantendo suas especificidades, sejam capazes de uma convivência definida por
democracia efetiva, tolerância e paz (BRASIL,1999,p.8).
Mais adiante na referida lei, afirma (BRASIL,1999,p.29) o processo predatório colonizador
de cinco séculos de dominação sobre os povos indígenas e salienta a importância de se
reverter esse processo com a garantia dos direitos indígenas perante a sociedade nacional,
na condição de cidadãos brasileiros. Subentende-se que é dada à nação indígena acesso a
conhecimentos e práticas de outros grupos e sociedades. A lei garante aos povos indígenas
no que se refere à educação, saúde e cultura todo apoio especializado de que precisam.
Porém, quando este indígena tem uma dificuldade de aprendizagem ou mesmo um
comprometimento mental ou físico, sejam eles de caráter temporário ou permanente,
também são assistidos legalmente? O legal é legitimo?
Nosso trabalho tem como escopo uma questão bastante polêmica, que será apresentada
ainda na sua fase inicial de pesquisa, de um trabalho mais amplo que prosseguiremos em
outra fase de estudo, a realidade educacional do indígena com necessidades educacionais
especiais. Nosso objetivo, portanto é iniciar uma discussão sobre como esses indígenas,
com necessidades educacionais especiais estão sendo atendidos educacionalmente.
Inicialmente procuramos fazer um levantamento bibliográfico, o qual foi insuficiente
devido à falta de pesquisa sobre o assunto. Elegemos duas aldeias do Paraná, a aldeia
Laranjinha e a aldeia Ivaí. Por meio de entrevistas1, colhemos alguns dados que nos
possibilitaram fazer um estudo de caso, referente ao tratamento educacional de indígenas
com necessidades educacionais especiais.
Levantamos algumas leis existentes que amparam o indígena no aspecto educacional.
Entrevistamos acadêmicos indígenas da Universidade Estadual de Maringá, juntamente
com uma Professora Doutora da Educação Especial da mesma Universidade, a qual visitou
a terra indígena Ivaí da nação indígena Kaingang, próxima à cidade de Manoel Ribas, no
Paraná. Como os indígenas são de fato brasileiros, procuramos comprovar a legalidade na
Constituição Federal Brasileira, e nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
1 Tal entrevista foi realizada com dois indígenas no dia 06/07/2005.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
224
juntamente com o Estatuto do Índio, quanto ao atendimento educacional dos indígenas com
necessidades educacionais especiais.
UM ´POUCO DA HISTÓRIA
A população indígena brasileira é composta por cerca de 410.000 índios, divididos em 220
povos, estando a maioria em processo de integração com a sociedade. No Paraná há cerca
de 9015 indígenas habitando 85.264.30 hectares, sendo 17 terras indígenas abrigando as
etnias Kaingang, Guarani e 6 remanescentes do povo Xetá, os quais são amparados pelas
leis na Constituição Federal Brasileira de 1988 e também pelo Estatuto do Índio, que consta
nas referências.
Nossa pesquisa foi conduzida dentro de duas etnias, Kaingang e Guarani. Em entrevista
com uma indígena da nação Guarani, da terra indígena Laranjinha, no Paraná, a mesma
relatou ter dois casos de indígenas com necessidades educacionais especiais, com
comprometimento mental e auditivo, e que o indígena com comprometimento mental é
atendido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da cidade próxima,
uma vez por semana.
Quando questionada se havia alguma resistência por parte dos pais em serem atendidos por
essa instituição, a indígena nos respondeu que não sabia, mas afirmou que havia uma certa
dificuldade no atendimento devida a falta de comunicabilidade, do não entendimento da
língua materna, por parte dos profissionais não indígenas daquela instituição, tanto que esse
aluno freqüenta a escola apenas uma vez por semana, pois a mãe indígena afirma não ter
necessidade, porque o filho não entende a língua do branco.
Na ocasião indagamos se os indígenas com necessidades especiais sofriam preconceitos por
parte de outros indígenas. A resposta foi afirmativa, ainda existe uma não aceitação.
Explicitou que, devido a própria cultura em deixar os filhos desde pequenos livres e soltos,
em busca de aprender sobre sua sobrevivência e costumes, o mesmo acontece com
indígenas com necessidades especiais. No relato, essa mesma indígena nos disse que há, na
terra indígena de seu esposo (Kaingang), um deficiente físico que rasteja pela tribo e em
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
225
situações difíceis de locomoção ou de outras necessidades de sobrevivência, não recebe
apoio por parte dos membros da terra indígena.
Indagamos, então, se havia diferença na postura entre a nação Guarani e a nação Kaingang,
a entrevistada nos informou que os Kaingangs pensam diferente com relação ao
atendimento dos indígenas com necessidades educacionais especiais. Procuramos um
indígena representante da nação Kaingang para entendermos o porquê da relutância ao
atendimento. Segundo ele, há falta de professores bilíngües, sendo um obstáculo a ser
considerado.
Para os Kaingangs o atendimento não contribui no desenvolvimento dos indígenas com
necessidades educacionais especiais, porque até os 15 anos mais ou menos, geralmente
falam só a língua materna, dificilmente falam o português, língua usada nas instituições
próprias de atendimento especializado para pessoas com necessidades especiais. Podemos
apontar que nas agências de atendimento não existem pessoas que praticam a oralidade de
uma língua materna, dificultando a comunicação. Tais impasses parecem difíceis de serem
sanados, embora haja dispositivos legais que os amparam, conforme veremos mais adiante.
Esse mesmo indígena nos relatou que em sua terra indígena Ivaí há vários indígenas com
necessidades especiais, com comprometimento mental e físico, e que a maioria não
freqüenta a escola regular e tampouco escolas especiais para atendimento de suas
especificidades. Geralmente essas pessoas não recebem cuidados especiais e são tratadas
como filhos e pessoas "normais", conforme relato, de maneira geral os Kaingangs não
querem atendimento especializado. Quando questionamos sobre qual seria a maior
dificuldade, nos respondeu que é sem dúvida, a falta de profissionais bilíngües no
atendimento.
Em entrevista2 com a professora da Universidade Estadual de Maringá, que visitou a terra
indígena Ivaí, da nação Kaingang nos arredores do município de Manoel Ribas, Paraná, nos
relatou que observou uma indígena de quatro anos, com síndrome de Down, que freqüenta
2 Entrevista realizada dia 18/072005.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
226
a escola da própria aldeia, com professor que fala português, mas é assistido por um
ajudante bilíngüe.A professora nos informou que o cacique anterior não aceitava que os
indígenas tivessem atendimento educacional, já o atual permite o atendimento por
professores não índios.
Vale salientar, que conforme dados obtidos pelos entrevistados a terra indígena Ivaí é a
única que dispõe de um professor bilíngüe. No caso de indígenas com necessidades
educacionais especiais, permite que os mesmos recebam atendimentos especializados na
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), de Manoel Ribas. Por se tratar de
uma instituição fora da terra indígena, não oferece atendimento bilíngüe, fato esse, que
prejudica o atendimento dos indígenas com necessidades educacionais especiais, como já
apontamos.
A legislação dentro desta problemática
Procuramos relacionar as entrevistas com as leis que amparam os indígenas e constatamos
que, com relação ao ensino escolar, a falta de profissional bilíngüe é o maior problema
enfrentado pelos indígenas. A Constituição Federal Brasileira de 1998, no Artigo 210,
parágrafo 2º, afirma que "o ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem" (2004,p.52). No tocante aos alunos com
necessidades educacionais especiais, a mesma Constituição, no Artigo 208, inciso III
assevera que é dever do Estado "o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino" (BRASIL,2004.p.52).
Devemos ressaltar que há alunos com necessidades educacionais especiais impossibilitados,
pelo grau de seu comprometimento, de freqüentar a escola da rede regular de ensino, e que,
mesmo os que freqüentam, não possuem atendimento bilíngüe como rege a lei, por falta de
uma política lingüística de cada sociedade indígena. Tais fatos dificultam o atendimento
desses sujeitos em instituições especializadas para pessoas com necessidades educacionais
especiais, prejudicando seu atendimento, inserção e autonomia.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
227
Nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9394/96 no capitulo V da educação
especial, no artigo 58, parágrafo 1º declara que "haverá quando necessário, serviços de
apoio especializados na escola regular para atender as peculiaridades da clientela da
educação especial" no artigo 59, seção I que "os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organizações específicos para atender as suas necessidades" (2004, p.116).
Assim, podemos observar que, com referência a alunos com necessidades educacionais
especiais, há leis gerais que asseguram e oferecem atendimento, mas na realidade não há
uma específica para alunos com necessidades educacionais especiais indígenas, entretanto
devemos salientar que os grupos indígenas são de fato brasileiros, portanto estão vinculados
aos mesmos direitos. Porém, conforme Colombo e Welter (2004) assegurar e oferecer
possuem significados diferentes, assegurar é dar a certeza de atendimento, oferecer,
somente se há condições para tanto (p.30-31). Tais questões podem confirmar que o legal
não é (ainda) o legítimo.
Com relação à etnia indígena, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, relata
que a União deve, juntamente com entidades de assistência e preservação da cultura
indígena, oferecer educação bilíngüe de caráter intercultural (BRASIL,2004,Art.78,p.122).
Além disso, segundo Colombo e Welter (2004) os indígenas têm direitos a currículo
específico, da sua cultura e língua, material didático diferenciado em todos os níveis e
modalidades e educação continuada (p.57).
Em seguida a referida lei contribui dizendo que a União deve "garantir aos índios, suas
comunidades e povos acesso a informações, conhecimentos técnicos e científicos da
sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias" (2004,p.122). Mas como
oferecer esses conhecimentos sem comunicabilidade, seria necessário que tivessem o apoio
do professor bilíngüe. Assim sendo, pela falta de atendimento bilíngüe, de conhecimentos
técnicos e científicos, do preconceito social e da própria cultura, os portadores de
necessidades especiais indígenas permanecem, na maioria dos casos, sem atendimento
especializado, o qual daria a essas pessoas uma melhor qualidade de vida.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
228
O Estatuto do Índio, aprovado em 29/06/1994, não específica o atendimento aos indígenas
com necessidades especiais, entretanto, destaca que eles devem ter "assistência especial nas
ações de saúde, educação" sendo esta assistência especial igual aos demais brasileiros
(art.95). Também contribui, no artigo 99 seção I, a "garantia aos índios de acesso aos
conhecimentos valorizados e socializados no contexto nacional de modo a assegurar-lhes a
defesa de seus interesses e a participação na vida nacional em igualdade de condições,
enquanto grupos etnicamente diferenciados".
Para tanto é importante o acesso de informações às terras indígenas que possuem indígenas
com necessidades especiais, a fim de valorizá-los como pessoas e ao mesmo tempo oferecer
uma vida digna dentro de suas limitações, no aspecto educacional como também no que se
refere a sua saúde, pois a falta de conhecimento e atendimento faz com que essas pessoas
permaneçam fora de instituições especializadas e também sem atendimento médico, dados
esses que os índios só poderiam ter acesso, caso o profissional que lhes atendesse fosse
bilíngüe.
Um dos desafios é o acesso às informações que os alunos entrevistados, em processo de
formação no curso superior, possam, futuramente buscarem seus projetos de pesquisa,
ensino ou extensão. Da mesma forma que existem impasses, existem os desafios. Entre as
nações indígenas já existem soluções concretas, a formação de professores indígenas
bilíngües.
Algumas considerações
Quando procuramos saber qual era a população indígena com necessidades educacionais
especiais, observamos que não há registros referentes a essas pessoas na região. Devemos
salientar que se não há registro desta população, conseqüentemente, é possível não ter
registros históricos de atendimento. Devemos respeitar sua cultura e refletir, pois os
indígenas estão amparados por leis que evidenciam a importância de conhecimentos
científicos e de profissionais bilíngües, os quais contribuiriam positivamente no processo
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
229
educacional, da saúde e da cultura desses indígenas com necessidades educacionais
especiais.
É preciso não confundir a expressão "somos todos iguais perante a lei". Em outras palavras,
as leis precisam se constituir em direitos, pois em muitas situações, a única garantia da
igualdade é o tratamento diferenciado.
Assim sendo, é necessário destacar, após este breve ensaio, a urgência de projetos de
pesquisa e de reflexões, que venham ao encontro das peculiaridades dos indígenas com
necessidades especiais, os quais devem ser assistidos no seu aspecto educativo e social,
com atendimento devido oferecido a qualquer outro cidadão brasileiro. Para tanto
destacamos a importância do atendimento e da sobrevivência dessas pessoas, pois
indiscutivelmente, são brasileiros deixados à margem da nossa sociedade sem atendimento
devido.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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Referências
BRASIL.Constituição da Republica Federativa do Brasil:1988-Texto constitucional de
5 de outubro de 1988 com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de n.1, de
1992, a 43, de 2004,e pelas Emendas Constitucionais de Revisão de n.1 a 6, de 1994.-23ª
ed.-Brasilia: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2004.

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BRASIL. Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996.Disponível
em:: Acesso em 26/11/2003.

COLOMBO, Irineu Mario e WELTER, Elton . Educação básica: perguntas e respostas
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I Seminário Internacional Direitos Humanos, violência e Pobreza - 2006

Concepção de infância: uma busca pela trajetória do legalizado
ISBN 85-88769-11-5

15º COLE - 2005

A MÍSTICA NA EDUCAÇÃO DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
Kiyomi Hirose - Universidade Estadual de Maringá-UEM

O ponto de partida para o presente trabalho foi a participação no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) como educadora por meio do projeto Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), política pública específica do governo federal cujo objetivo é estimular, propor, criar, desenvolver e coordenar projetos na área de educação nos assentamentos de reforma agrária, do Ministério Extraordinário de Política Fundiária (MEPF). Foi uma parceria entre a Universidade Estadual de Maringá (UEM), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o MST da região noroeste do Estado do Paraná. O referido projeto se destinou à formação de monitores alfabetizadores das áreas de assentamentos/acampamentos, com uma formação voltada para o projeto político-pedagógico do movimento, numa proposta metodológica que permitisse trabalhar as necessidades dos assentados/acampados do movimento.
Para tanto, temáticas, programas, seleção dos conteúdos, atividades foram elaborados coletivamente, envolvendo, inclusive, a comunidade nas atividades do projeto. O pressuposto básico tendo embasamento nas produções escritas de Paulo Freire, de que ninguém educa ninguém, mas as pessoas se educam mutuamente, desenvolvendo as suas potencialidades e possibilidades de produção. Nesse sentido, o projeto se desenvolveu em duas ações distintas e simultâneas, mas convergentes. A primeira, a formação de grupos de estudos e a segunda, a formação continuada dos educadores/educadoras. Essas etapas foram acontecendo concomitantemente e, da experiência como agente formadora, destacamos como objeto de estudo, a relevância da especificidade do papel da mística na educação, no movimento social campesino brasileiro, mais especificamente, no MST. A mística foi o maior diferenciador do modelo de educação do mundo urbano, da escola formalizada pelo Estado, perpassando por todos os momentos da vida cotidiana dos acampados/assentados, considerado pelo movimento como um valor e um dos seus princípios educativos.
A mística, enquanto manifestação do processo educativo, não é uma mera atividade marcada por simples rituais, uma prática coletiva, socialmente organizada que encerra e demarca momentos, que traduz sonhos, preocupações, esperança e luta por um projeto popular para o Brasil que, nas palavras do movimento, eles não querem só um pedaço de terra e comida, querem também cultura, arte e cidadania.
Foi analisado o processo educativo das diferentes manifestações místicas nos espaços coletivos, não nos moldes da escola formal urbana, mas nos diferentes grupos de estudos organizados, conforme a dinâmica de vida de cada região, das lutas, dos momentos vividos, sempre vinculados aos objetivos do projeto de conquista dos direitos socioeconômicos e culturais. Essas apresentações místicas são inseridas no contexto educativo expressando os anseios, como bem expressa Bogo (2001):
Na poesia do cantador se misturam o desejo da terra e dos homens, na grande sinfonia da esperança que aponta o horizonte, e o longe fica perto quando se caminha adiante.
[...]
Que a noite escura da dor e da morte passe ligeira, que o som de nossos hinos anime nossas consciências e que a luta redima nossa pobreza, que o amanhecer nos encontre sorridente, festejando a nossa liberdade (Bogo, 2001, CD).
É confiando no potencial do homem que o movimento explora a sua intelectualidade e é por meio dela que é possível criar um mundo interior que espelha não somente a realidade exterior mas , também, uma existência própria que pode levar um indivíduo ou uma sociedade a agir sobre o mundo exterior. O domínio psicológico envolve um certo número de fenômenos característicos da natureza humana, aos quais, Capra (1982, p.288) afirma que se incluem a “[...] autoconsciência, a experiência consciente, o pensamento conceitual, a linguagem simbólica, os sonhos, a arte, a criação de cultura, senso de valores, interesse no passado remoto e preocupação com o futuro distante”.
Para os que vivenciam as atividades diárias do MST, a articulação dos sonhos e realidade está presente na busca da mística para concentrar a força interior para poder agir no mundo exterior com intuito de fortalecer a sua luta pela terra, cuja origem está na religião, cujo objetivo é aproximar o futuro do momento presente, reverenciando os exemplos do passado remoto ou próximo, significando crença ou sentimento arraigado de devotamento a uma idéia de esperança que conduza as massas nas lutas por um pedaço de chão. Influenciada, em especial, pelo trabalho pastoral das Igrejas Católicas e Luteranas e também pela experiência acumulada pelas coordenações do movimento. O desenvolvimento se dá pela prática, inspirada no ideário das lutas socialistas históricas, na luta universal por melhores condições de vida, desencadeada ao longo da história da humanidade.
A mística tem um papel coletivo e individual fundamental para fomentar as lutas de massa, comemorando e celebrando não somente as alegrias, derrotas e vitórias, mas também para animar, para revigorar novas e outras lutas, com intuito de unir, fortalecer e dar consistência ideológica ao trabalho cotidiano. É uma prática com o objetivo de contagiar todos os militantes pelo desejo de transformar a sociedade e é exercida em todos os setores, instâncias, escolas, cooperativas e acampamentos/assentamentos. Por meio dessa prática é desenvolvida a preocupação consciente voltada para a construção de uma identidade de Sem-Terra, em busca da reafirmação dos ideais e desejos condensados na luta, como afirma Capra (1982, p.289):
Como seres humanos, amoldamos nosso meio ambiente com muita eficácia porque somos capazes de representar o mundo exterior simbolicamente, pensar conceitualmente e comunicar nossos símbolos, conceitos e idéias. Fazemo-lo com a ajuda da linguagem abstrata, mas também de modo não-verbal, através da pintura, música e outras formas de arte.
Essa forma simbólica da mística é vivenciada em diferentes momentos e oportunidades, com a preocupação de fazer parte da memória coletiva dos militantes, que se busca contextualizar permanentemente os significados para continuar a luta. A mística, centro desta “[...] configuração estética de caráter interativo, é um evento performático, criado e recriado em cada encontro de que o MST participa” (CASTELL, 2002, p.264).
A bandeira, o hino, a cruz na Encruzilhada Natalino , a Marcha Nacional , os instrumentos agrícolas, bem como toda e qualquer matéria viva ou não, mas que esteja carregada de significado, são elementos utilizados para a mística no MST, não com intuito apenas de evocar e congregar, mas de comunicar e fazer acontecer. E ações e eventos, bem como os resultados do MST, em todo o território brasileiro, comprovam-no.
Dessa forma, ao MST
[...] os símbolos desempenham o papel de guias que representam o esforço coletivo; não são mitos, são reais e, por isso, cantar o Hino (Nacional) com os punhos fechados não é um simples gesto, representa desobediência à ordem estabelecida. A bandeira e a foice são os principais símbolos do MST e devem ser exibidos com orgulho e destaque nas caminhadas, ocupações de prédios públicos, marchas, acampamentos e invasões de terra. A militância precisa de um templo que consolide seu caráter e compromisso com os ideais de uma nova sociedade: a Mística tem essa função (AMARAL, 1999, p.1)!
Para que a mística tenha sentido, deve estar estreitamente vinculada à [...] “vontade superior de triunfar” (BOGO, 1998, p.15). E como enfatiza o autor, [...] “é uma coisa do coração, do sentimento, alimentada por esta esperança de alcançar aquele sonho, ideal objetivo seja lá o que se queira o que importe que isto se transforme em uma causa consciente, que se passe a viver por ela e por causa dela” (BOGO, 1998, p.15).
É a vivência dessa caracterização mística das ações que faz o militante agir refeito a cada reunião com seus pares. E na visão de Boff, a mística significa [...] “o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na vontade de mudanças ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentam a esperança face aos fracassos históricos” (1998, p.37).
E continua Boff (1999, p.23):
A palavra mística é adjetivo de mistério, que quer dizer perceber o caráter escondido, não comunicado, de uma realidade ou de uma intenção, não possui um conteúdo teórico, mas está ligada à experiência religiosa, nos ritos de iniciação. A pessoa é levada a experimentar, através de celebrações, cânticos, danças, dramatizações e realização de gestos rituais, uma revelação ou uma iluminação conservada por um grupo determinado e fechado.
Numa visão político-social, a mística está vinculada a uma utopia, novos sonhos. É aquele sentimento que impele a, mesmo quando derrotados, não desistir, resistir e retomar a luta, fazer acontecer uma nova realidade. É aquele sentimento de subversão da ordem, que em oposição ao poder dominante, busca bandeiras libertadoras para uma transformação do “status quo” da sociedade. Por meio da mística se busca transformar as derrotas em novas lutas, o entusiasmo infantil, em garra necessária para combater as injustiças e avivar e reavivar os sonhos de uma nova sociedade mais justa. Além da força para a luta, a mística é celebrada também nas derrotas, ou recuos estratégicos, como afirmam os coordenadores do movimento, para re-unir o que está solto, fragilizado pelo momento.
Grein (2002, p.6), coordenadora do setor de educação para o Estado do Paraná, explica a mística como:
[...] o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na vontade de mudanças, ou que inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentam a esperança face ao fracasso histórico. Na mística político-social age sempre a utopia.
A mística não pode ser expressa apenas como repetição cega de um ritual, baseado apenas na emoção, nos gestos e palavras. Ela tem que estar carregada de forte conteúdo de luta, de resistência, de clareza dos objetivos propostos. A maneira de expressar esses valores de luta depende de cada lugar ou de grupos de pessoas. A manifestação de norte a sul, no campo e na cidade, num grupo de homens e mulheres, entre jovens e crianças terá que ser respeitada. Portanto, cada qual procurará organizar a melhor forma de celebrar a mística, sem se desvincular de seus princípios básicos, tendo em vista que
[...] as respostas ao meio ambiente são, portanto determinadas não tanto pelo efeito direto de estímulos externos sobre o nosso sistema biológico, mas, antes, por nossa experiência passada, nossas expectativas, nossos propósitos e a interpretação simbólica individual de nossa experiência perceptiva (CAPRA, 1982, p.289).
Dependendo da ocasião, a mística aparecerá com caráter de prazer de festa, ou de agradecimento a uma boa colheita, ou de indignação, ou de conflito, ou de dor, ou de rebeldia. O importante é que os atos estejam revestidos do ideal de justiça, liberdade e igualdade, de convicções profundas com a finalidade de reforçar a luta e atrair novos combatentes, de reforço básico na hora da luta e nos momentos de derrota e de questionamento. O objetivo básico é exercitar sempre a capacidade de indignação, não arrefecer ou imobilizar diante das injustiças sociais. A ternura que aproxima, permeia a dura realidade da falta de condições materiais e reflete-se nas buscas por recursos coletivos e alternantes de acordo com as diferentes situações.
Peloso (1998, p.7) assim expressa a mística: [...] “este ânimo interior torna as pessoas combativas e carinhosas, abertas e perseverantes, mas sobretudo, companheiras. É a afirmação e o alimento de nossa esperança, em qualquer conjuntura”.
A mística é o meio para formar em todos e em cada um, a capacidade de resistência e/ou a rebeldia, mesmo por um longo período, se necessário, sem marcar datas no calendário, lembrando sempre que as revoluções não se fizeram e nem se fazem apenas com discursos e em hora marcada. A revolução só acontece quando as coisas extraordinárias se tornam cotidianas; e isso só se faz no embate das idéias e das ações. Como bem coloca Paulo Freire (2002, p.87), a [...] “resistência ao descaso ofensivo de que os miseráveis são objeto. No fundo, as resistências ? a orgânica e/ou a cultural ? são manhas necessárias à sobrevivência física e cultural dos oprimidos”. E, continua o autor (Ibid.), [...] “não é na resignação, mas na rebeldia em face das injustiças que nos afirmamos”.
Pode-se entender que, para a educação, a rebeldia é uma face cultural cultivada para que haja união em torno dos projetos do movimento. Dessa forma, Bogo afirma que a dimensão pedagógica a ser trabalhada é a do processo de significação da luta dos seus antepassados, lutadores da causa da justiça e igualdade de direitos, bem como a busca de gostar do que são, assumir suas raízes e ver, no futuro, a necessidade de continuar a luta pelos seus direitos através,
[...] da construção de uma consciência crítica sobre sua condição social e a de seus semelhantes, o ânimo e o compromisso com a luta pela transformação da realidade em que vivem e o exercício de uma prática política cotidiana baseada em valores humanistas (in: MEDEIROS, 2002, p.228).
Essa disciplina passa do cotidiano à disciplina revolucionária, quando buscam os exemplos em Jose Martí, Makarenko, Che Guevara, entre muitos outros. Estão presentes, também, os educadores brasileiros como Paulo Freire, Florestan Fernandes, Milton Santos e outros. Em todas as oportunidades de encontros, essas personalidades são lembradas e reverenciadas na sensibilização da MÍSTICA, que é o processo de manter, acender, reacender a chama da esperança, procurar deixar acesa a memória dos mártires, companheiros que tombaram na defesa dos ideais do MST, da necessidade de estar reforçando a esperança de uma vida mais justa, de uma sociedade mais igualitária. Tanto que eles, do movimento, constantemente reforçam em seus momentos de mística que “O movimento tem lutas: conquistas e repressões, nunca derrotas”.
E nessa perpetuação de suas esperanças, nessas místicas que o MST
[...] celebra seus mortos, rendendo homenagens a todos aqueles que ao longo da luta em defesa da sociedade socialista ou da Reforma Agrária no Brasil são colocados como modelo a ser seguido, bem como aqueles que na história da humanidade tombaram em defesa da classe trabalhadora (BEZERRA NETTO,1999, p.38).
Em todas as celebrações da mística, se hasteia a bandeira do MST e se entoa o hino, com seus punhos cerrados, simbolizando ser uma luta de esquerda. E também apresentam os seus símbolos: a foice, o facão e a enxada e ainda alguns produtos da terra. A constância dos símbolos nacionais e da identidade numa mensagem musical sonora, buscado num misto das melodias religiosas com as sertanejas, é uma abordagem pedagógica que nos remete aos planos jesuítas para doutrinar, com outros fins. No entanto, esses traços não podem passar desapercebidos por significarem a presença mística que trabalha a sensorialidade pela constância. A vibração musical é energia que transmite mensagens ao cérebro com toda a plasticidade possível de ser desenvolvida pelo humano. O visual compõe as dimensões de compreensão da letra e isso é materialmente abstraído e dá forma ao parecer pessoal e a interpretação coletiva imediata. Nesse processo de constância, reside a possibilidade do uso dessa energia.
Nessas celebrações desenvolvem processos de sensibilização para resistência, mesmo que corram risco da violência e até de morte, no intuito de buscar vida condigna. “Preferimos morrer lutando do que morrer de fome – dizem os camponeses [...] fazer da resistência uma atitude política coletiva, um instrumento de luta. Dispõem-se a arriscar a vida para conseguir mais vida [...]” (STÉDILE; FREI SÉRGIO, 1993, p.56).


Momento de uma celebração da mística
No período de formação dos educadores do MST no PRONERA, a celebração da mística foi uma constância, na medida em que programavam as atividades referentes à formação dos educadores. Ao selecionar os conteúdos a serem trabalhados, o grupo já começava a delinear as atividades da mística, buscando a sua articulação dentro da proposta de trabalhos com os conteúdos e práticas educacionais formadoras.
Relatamos, a seguir uma das atividades da mística, preparada pelo grupo de educadores, realizada em outubro de mil novecentos e noventa e nove que, após discussão coletiva, elaboraram o roteiro, cuja temática foi COMPROMISSO COLETIVO.
Iniciaram a atividade, como sempre, cantando as suas músicas. Produziram o texto abaixo, que cada qual foi fazendo a sua leitura solene, para socializar a produção própria.
A MILITÂNCIA é:
Vivenciar os momentos místicos é estar vivendo, construindo e conservando as raízes do povo intercalando com a mística.
Nós educadores e militantes do MST não podemos perder de vista o nosso horizonte. A luta é constante, é omnilateral. Ao mesmo tempo que temos que trabalhar, temos que estudar, pesquisar, cantar...
Temos que desenvolver e construir aspectos ligados ao comportamento na relação humana.
A educação no MST não poder fugir da realidade do nosso povo, há momentos tristes e alegres. Em todo processo organizativo existem e permanecem raízes místicas dos trabalhadores sem terra na luta.
O ser humano é o centro e o maior símbolo da nossa organização. Tudo isso que existe no MST é mística.
Como trabalhar os símbolos e a mística com os grupos de estudo?
Levantar o significado dos símbolos, resgatar valores.
A mística nós vivemos ela todos os dias, nós imitamos o que nossos pais faziam para trabalhar. A mística é a imitação, a encenação, o ritual que temos em nosso trabalho. Nós, como monitores temos que passar aos alfabetizandos a idéia de mística. As crianças que vivem nos acampamentos brincam de desocupação e saem atirando nos seus companheirinhos. Isso é a mística.
Como vivenciar a mística em processo (cursos, comunidade, indivíduo...)? Como está no nosso espírito místico, a educação no MST?
A mística não tem uma explicação. Cada um pode fazer uma relação com os momentos místicos da Igreja. O pão e o vinho e o padre com vestes místicas. A ornamentação da igreja e o roteiro estão voltados para um objetivo que é pregar. O MST também tem a sua mística. O padre vive a mística em todos os seus momentos, em um ambiente especial com encenações preparadas com símbolos significativos.
O momento da mística serve para passar conhecimentos, lembrar pessoas, para incentivar a educação, para renovação da criatividade, ela é a força que anima o militante. Através da mística se vive o reforço ideológico. Devemos arrepiar os cabelos dos braços. Quando ela é vivida e as pessoas não sentem emoção não teve valor. Ela deve mexer com nossos anseios, com nossos sentimentos.
A vida em coletivo durante tantos dias deve ser a nossa mística nesse encontro. O carisma e força ideológica devem estar presentes todos os dias em nossas ações individuais e coletivas aqui e nos grupos de alfabetização.
Como encaminhamos a mística nos grupos de estudo? Nós valorizamos o saber do povo. Nós resgatamos os valores da mulher? Como nós podemos criar o lado místico da vida das mulheres no movimento?
No caso de uma desocupação, um policial apontava arma para uma criança e ela passou o dedo no cano do rifle e disse: “que cano grosso”, esse é um momento místico.
O que a gente faz é com sentimento, o tocar violão para o grupo tem significado.
Compor uma música é viver a mística. Como é que nós sentimos os nossos cantos, nossas palmas? O que nós sentimos quando cantamos? Ela joga a gente para cima, nos deixa tranqüilo. A música faz parte da mística, ela faz parte da vida das pessoas. Ela denuncia momentos alegres e tristes. Ela nos faz reviver a história do MST.
A reflexão sobre a música é um ato de importância na mística. A conscientização, a animação e a indignação são funções da música. A marcha ocorreu como símbolo de força que faz as pessoas caminharem. Nós gravamos a imagem das pessoas que morreram na luta pelo objetivo da transformação e eles se transformam em nossos símbolos assim como a bandeira, o hino, a música.
A bandeira tem nas suas cores várias místicas: vermelho - sangue derramado; verde - é terra, são os campos plantados, é a esperança, as idéias de reconstrução da natureza; preto - é luto; branco é paz (distribuição de terra); o casal de trabalhadores (homem e a mulher), companheiros de luta, estão construindo juntos o MST. O homem e a mulher fazem parte da natureza a ser transformada.
Por quê o facão? É a prontidão para o trabalho. Trabalho de derrubada da cana, da seringueira. O facão vai além do mapa do Brasil. Mostra que a luta é do povo trabalhador em outras nações. É a luta dos excluídos para a construção de uma sociedade diferente. O mapa para identificar a luta no território brasileiro.
A bandeira retrata a luta da classe trabalhadora no Brasil. Ela significa o apontamento da saída, é a visão de um horizonte que possibilita a transformação.
Como alfabetizador, devemos respeitar a bandeira do MST. O peso da bandeira é o peso da conscientização que temos da realidade social brasileira.
Hino. O hino pode ser trabalhado com o significado das palavras, o ritmo da música, no texto da letra (a composição das estrofes). O uso do braço esquerdo é para mostrar que o MST é da esquerda, é a realidade de não aceitação da sociedade que está aí, é o se colocar em situação diferenciada, de lutador contra o sistema da burguesia se organizar socialmente. O ser humano é o maior símbolo de todo o trabalho do MST.
A letra mostra nossa força, nossa garra, nosso espírito de companheirismo que nos leva a edificar. O hino tem que ser cantando em momentos místicos, solenes. Observar que a posição de entoar o canto é a de trabalhador em posição ereta. Existe um ritual para se cantar o hino. Ele nos eleva o pensamento para a condição humana. Os depoimentos sobre o significado do hino podem ser uma forma de resgatar a história do movimento e das pessoas.
Diz a monitora Gislaine: O hino faz parte do nosso dia-a-dia. Me recordo de um momento marcante que ocorreu em São Paulo quando os companheiros daquela região fizeram um saque de alimentos de um caminhão. Os policiais recolheram os alimentos deles. Fizeram o saque porque não tinham o que comer. A empresa recorreu e o governo daquele Estado autorizou a operação de recolhimento dos alimentos que os companheiros pegaram. Foi um momento de grande emoção. A comunidade fez a arrecadação para que os mesmos pudessem ser devolvidos.
Os policiais chegaram. Fizeram duas colunas. Os companheiros passavam entre a coluna e entregavam os alimentos nas mãos dos policiais. O restante dos companheiros cantava o Hino do MST. Isso comoveu os policiais; um deles, ao pegar o alimento das mãos de uma criança sofrida e humilhada, ouviu as seguintes palavras: “O que vocês estão tirando a comunidade retribuirá”. O hino já estava perfurando o interior daquele homem e as palavras daquela criança foram o toque final. Ele abandonou o rebanho em lágrimas dizendo: não tenho espírito para isso. Eu tenho família, eu não sou um covarde. Isso nos faz lembrar o seguinte pensamento:
“Se você sente indignação diante de uma injustiça cometida a qualquer pessoa deste mundo, então somos companheiros “(Ernesto Guevara).
Uma monitora fez a seguinte reflexão: Os confrontos também são momentos místicos. O respeito pelo comportamento dos companheiros menos experientes no entoar o canto é compromisso do militante.
Em tom mais contundente e forte, cada participante se pronuncia:
• Lutar pelo povo;• Seguir o caminho coletivo;• Fazer o trabalho de conscientização;• Estar sempre em processo de formação• Ter a formação política, visão do todo;• Lutar para ser extraordinário;• Ser criativo;• Ter a parte técnica, científica e prática;• Ter e criar espírito de indignação;• Estar informado;• Ter princípios pela bandeira levantada;• Fazer o trabalho voluntário;• Não desistir perante as dificuldades, ser linha de frente;• Ser pessoas responsáveis;• Ser consciente, com força de vontade;• Estar buscando técnica motivadora;• Ser exemplo e não conselheiro;• Sonhador, lutador;• Lutar pelo desejo e anseio do povo por uma nova sociedade;• Ser corajoso;• Ter vontade de crescer no coletivo;• Ser construtor do processo;• Ser pertencente ao MST;• Assumir a identidade de ser SEM-TERRA - MST;• Ser compreensível;• Não ter preconceito;• Avançar no potencial, ser produtivo, participativo e criativo;• Ter disciplina, auto-controle e respeito;• Estar aberto para o novo;• Se doar um pouco para com o próximo;• Desenvolver a consciência nos aspectos estratégicos;• Estar em atividade permanente;• Ser o MST é ficar indignado com os fatos que ferem o povo:• Estar prontos em todos os momentos;• É dar resposta das funções que lhes foi concebido. É estar presente e participar de várias avaliações.
Enfim,
Ser militante é trabalhar em prol do MST, de uma nova sociedade, do novo homem e uma nova mulher.
É ser MST.
À guisa de conclusão retomamos o percurso realizado para colocar em evidência alguns pontos que consideramos articuladores para a educação de pessoas que vivem uma realidade concreta de luta por uma sociedade transformada, com princípios políticos e educacionais diferenciados e distintos da escola regular sistematizada. Educar no MST é mais do que focar métodos, processos e formas, mas empreender um desvendamento de códigos de leitura e escrita e de transformação de idéias e pensamentos. Nas palavras de Paulo Freire, no ato de leitura e escrita do mundo, necessariamente estaria também o conhecer e saber reivindicar os direitos de cidadão.
A preocupação primordial do movimento é que a mística seja desenvolvida coletivamente e, mesmo nos momentos individuais, são trabalhados os elementos fundamentais voltados para o “viver” e não apenas ao “fazer”. A linha norteadora é a libertação do proletariado e o caminho é a reforma agrária e o socialismo. Para que isto se materialize, há a necessidade de que se vincule a essa prática, as histórias de cada grupo, de cada setor. Por isso, os setores discutem os seus símbolos, seus planos, suas metas, remetendo sempre aos símbolos maiores, da organização como um todo: bandeira, hino, histórias passadas do povo e de outros povos que buscaram os mesmos ideais.
Para o MST, a educação está intimamente carregada desses valores presentes na mística. Por meio da educação e tendo em vista uma prática de libertação popular, se exercita a leitura de luta pela reivindicação do Estado de Direito que lhes foi negado enquanto seres humanos.

REFERÊNCIAS:
AMARAL, Carlos Soulié do. MST quer luta pela terra por questões políticas. Disponível em: . Acesso em: 21 jun. 1999.
BEZERRA NETO, Luiz. Sem-Terra aprende e ensina: estudo sobre as práticas educativas do movimento dos trabalhadores rurais. Campinas: Autores Associados, 1999.
BOFF, Leonardo . Ética do humano: compaixão pela terra. Petrópolis: Vozes, 1999.
______. Alimentar nossa Mística. Mística: uma necessidade no trabalho popular e organizativo. Caderno de Formação, São Paulo: MST, n.27, p.20-46, 1998.
BOGO, Ademar. Como melhorar nossa mística. Mística: uma necessidade no trabalho popular e organizativo. Caderno de Formação, São Paulo: MST, n.27, p.15-19, 1998.
______. A arte em movimento: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, 2001. CD.
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cutrix, 1982.
CASTELL, Alicia Norma Gonzáles de. A ritualização dos valores do MST. In: VENDRAMINI, Célia Regina. Educação em movimento na luta pela terra. Florianópolis: NUP/CED, 2002. p.2250-268.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
GREIN, Maria Izabel. Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia aos educadores e educadoras do campo: Processo nº 24816/2002. Maringá: UEM, 2002.
MEDEIROS, Evandro Costa de. Formação política no MST: o coletivo como espaço e sujeito educativo. In: VENDAMINI, Célia Regina. Educação em movimento na luta pela terra. Florianópolis: NUP/CED, 2002. p.227-247.
PELOSO, Ranulfo. A força que anima os militantes. Mística: uma necessidade no trabalho popular e organizativo. Caderno de Formação, São Paulo: MST, n.27, p.7-14, 1998.
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15º COLE - 2005 - ISBN 85-86091-76-1

POLÍTICAS E GESTÃO NO BRASIL: EDUCAÇÃO NO E DO CAMPO

Irizelda Martins de Souza e Silva – Professora da Universidade Estadual de Maringá - UEM

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no universoPor isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, Porque eu sou do tamanho do que vejoE não do tamanho da minha altura ...Fernando Pessoa
Iniciando a conversa ...
Foram poucas as preocupações e produções ao longo do tempo no âmbito da educação do campo, comparativamente ao que foi produzido em outros campos da educação. Uma análise apressada desta afirmação poderia nos levar a concluir que a educação no e do campo não é uma questão que mereça preocupação de pesquisadores e formadores de professores.
O impulso à realização de pesquisa sobre educação do campo ocorreu em concomitância ao estudo das políticas públicas da educação em disciplinas dos Cursos de Licenciaturas da Universidade Estadual de Maringá. Há que se registrar que as preocupações em investigar essas políticas públicas extrapolaram o lócus da sala de aula, o estudo e a pesquisa individualizada pelo próprio caráter interdisciplinar que, necessariamente, permeia e implica o enfoque da educação do campo como espaço das políticas públicas, permitindo, assim, organizar grupos de estudos.
As reflexões e discussões possibilitadas pelo grupo de estudos e pesquisas em “Políticas e Gestão da Educação” (CNPq/UEM) objetivaram a formação de professores nas licenciaturas. Nessa perspectiva, tomamos consciência da não inclusão de disciplinas, nos cursos, que abordam a vida no e do campo como diversidade na problemática dos futuros educadores. Nesse sentido, trabalhamos em um projeto de ensino que atende à demanda por estudos de temáticas específicas relacionadas às políticas públicas e às formas de gestão praticadas no setor de educação no Brasil, de modo especial às questões que envolvem as populações que vivem no campo e do campo.
A importância desse trabalho para professores e acadêmicos das licenciaturas (da UEM e de outras instituições) é a oportunidade de acompanhar o debate nacional sobre as políticas públicas para a educação da população do campo organizada em movimentos sociais. Ao longo da história do Brasil, a educação do campo nunca foi prioridade. Somente na década de 1990, temos os primeiros indícios de criação e implementação de políticas voltadas para a educação campesina, por força dos movimentos sociais organizados no campo. São essas observações que justificam a existência do projeto que visa proporcionar a discussão da Educação no e do Campo, no processo de formação de educadores e intercâmbio de experiências entre diferentes comunidades.
Atuando como formadores de professores e professoras, tomamos consciência da não inclusão de disciplinas nos Cursos de Licenciaturas, bem como de conteúdos que abordam a vida do campo como diversidade na unidade da problemática própria dos futuros educadores. As questões veiculadas em nosso meio estão, estreita e estritamente, vinculadas ao espaço urbano, pensado de modo sistemático, para o mercado formal nos diferentes setores de produção. Os debates proporcionados pelos grupos de estudos e pesquisa em políticas e gestão da educação, o projeto de ensino Políticas e Gestão no Brasil: educação no e do campo, as jornadas (2003 e 2004) de políticas públicas em educação forneceram subsídios, apontando direções para uma análise profunda e um olhar diferenciado acerca do “real”, ou seja, da difícil tarefa de aprender e ensinar, do prazer de descobrir novos caminhos em velhos mapas: a educação no e do campo. As construções e desconstruções das diferentes abordagens cruzaram informações, articulando os fatores econômicos, políticos, ideológicos e culturais, remexendo em nossas “certezas”, desafiando-nos a rever conceitos, tecendo novas questões sobre não tão novos temas.
A educação do campo tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçara, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não-urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições de existência social e com as realizações da sociedade humana (SOARES, 2002). Quando nos referimos ao campo, estamos, também, reconhecendo, nessas populações, os camponeses, os quilombolas, as nações indígenas, os assentados e acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Agricultores Sem Terra (MAST), os atingidos por barragens e os assalariados temporários, que vivem do meio rural, mesmo não habitando nele.
Os discursos políticos e educacionais incidem sobre a necessidade de se apreender, nesse campo de conhecimento, os graves problemas que continuam a cercar a educação como prática social e a inadequação das políticas educativas que estão sendo travadas no campo do real, assim como sua forma de colocá-las em ação, ou seja, equacioná-las.
A revolução tecnocientífica determinou e continua determinar transformações na vida dos homens. São tão intensas que colocou em evidência a educação do campo não só como uma dessas “novas questões”, mas como uma das mais importantes, senão fundamental, exigindo novas formas de conhecimento, em que é necessário mobilizá-los em ações transformadoras. Essa situação reflete-se tanto nos discursos dos candidatos a cargos eletivos quanto na formulação das políticas públicas voltadas à educação do campo. Contudo, no que tange a esta última, parece haver um fosso entre o momento de sua elaboração e o real. As mudanças no tempo e no contexto, a permanência dos interesses de classe, a leitura do real feita pelos “donos do poder”, as leituras do imaginário parecem não guardar relação alguma entre esse real e as novas formações ocorridas no “sentido das coisas e da vida”.
A problemática educacional é multidimensional. Por isso mesmo, pensar com um mínimo de responsabilidade em “mudanças” educacionais e no nosso agir pedagógico requer a inserção em agendas de investigação daqueles que (ainda) apostam que o “conhecimento científico deva, também, portar um nível analítico que traga contribuições para a transformação da perversa (des)ordem em que hoje vivemos (AZEVEDO, 2004, p. XVII).Nas memórias da I Conferência Nacional: Por uma Educação Básica do Campo, fica explicitado que:
[...] o objetivo de ajudar a recolocar o rural, e a educação que a ele se vincula na agenda política do país. Todos os que participaram da promoção desse evento partilham da convicção de que é possível, e necessário, pensar e implementar um projeto de desenvolvimento para o Brasil que inclua os milhões de pessoas que atualmente vivem no campo, assim como partilham da convicção de que a educação, além de um direito, faz parte dessa estratégia de inclusão (ARROYO, 1999, p.22).
A Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, garante a identidade dos grupos que constituem a sociedade brasileira, em seu Artigo 216 (Brasil, 1988). Entendemos que, independentemente dos cidadãos residirem nos espaços urbanos ou rurais, o tratamento da educação rural perpassa o direito de todos, ou seja, como cidadãos brasileiros iguais nas suas diferenças de ter garantido o direito à educação e o respeito à sua cultura. Dentro dessa visão, temos que “romper com a dicotomia campo cidade (moderno-atrasado), afirmando o caráter mútuo da dependência: um (rural ou urbano, campo ou cidade) não sobrevive sem o outro” (ARROYO, 1999, p.35). Sobrevive da organicidade do conjunto social campo-cidade como espaço de “urbanidade” de produção e socialização do conhecimento.
A compreensão de campo, explícita nas Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil, 2002, p.4), identifica-se com o tom de nostalgia de um passado rural de abundância e felicidade que perpassa parte da literatura, ou seja, as condições materiais de existência na cidade, atualmente, servem como parâmetros para definir o moderno e o atrasado.
Múltiplos são os caminhos ou teorias para se compreender as políticas públicas para a educação adjetivada de rural ou do campo. Recorremos ao texto/entrevista: Educação Rural e o Desenraizamento do Educador, de José de Souza Martins (2005, p.2), para mapear o caminho. Quando interrogado se o ensino na zona rural deve ser diferente da cidade, ele assim se pronuncia:
Houve muitas mudanças na sociedade brasileira nas últimas décadas, no campo e na cidade, que exigem uma ressocialização do educador. Não só o campo de algum modo vem se urbanizando, como a cidade vem, surpreendentemente, se ruralizando. Não são poucos os moradores das cidades, especialmente na periferias pobres, que têm uma relação tensa com a confusa cultura urbana que temos, mais produto da degradação da cidade do que, propriamente, do desenvolvimento urbano. Em conseqüência, transformam, adaptam e reafirmam sua cultura rural de origem.
E continua:
O mesmo acontece no campo e, talvez de modo agravado em conseqüência de uma ideologia educacional que desvaloriza o mundo rural e o trabalho rural. A ideologia do educador, no campo, é via de regra a ideologia que considera a cultura, os costumes, o saber da população que ele quer educar como cultura primitiva de povos ignorantes, formas incivilizadas de conhecer a vida e interpretar o mundo. Não raro, o educador é o grande responsável por abrir um amplo abismo cultural entre as gerações do mundo rural.
Para alguns estudiosos, a especificidade do campo constitui uma realidade provisória, que tende a desaparecer, em face do inexorável processo de urbanização que deverá homogeneizar o espaço nacional. Enquanto isso não acontece, a responsabilidade educacional de trabalhar a realidade campesina no Brasil não pode ser inviabilizada pelas instâncias públicas, por meio de seus poderes constituídos, em uma sociedade que se diz organizar por princípios democráticos.
Nesse contexto, as políticas educacionais vigentes tratam o urbano como parâmetro e o rural como adaptação, reforçando essa concepção. Os documentos oficiais elaborados para a educação brasileira são eivados de frases “adaptar os conteúdos, os calendários e o material didático às condições de vida do meio rural”. No trabalho educativo, pautamos as atividades pedagógicas nas diretrizes de base nacional, sendo que, o que caracteriza o rural, não tem poder de parâmetro político diretor.
Diante dessas preocupações, o projeto de ensino voltado para educação do e no campo objetivou mapear a realidade paranaense dos municípios que dependem da atividade rural e não contam com o atendimento educacional para os trabalhadores do campo nas localidades. Quando muito, constatamos a existência de escolas distritais que recebem parte da população em idade escolar.
Os professores que atendem essas escolas são formados para educação da zona urbana. O que é especifico da vida do campo, torna-se detalhe, por vezes, esquecido. Não constitui conteúdo norteador dos estudos da educação básica, da mesma forma que, na formação acadêmica desses professores, a educação rural é ignorada, marginalizada e, quando lembrada, é preterida com expressões diminutivas, que dão conotação, no mínimo, pejorativas, tais como: “professorinha”, “escolinha rural”.
O processo de formação que não pesquisa e não reconhece o meio rural como meio de atuação do educador deixa uma lacuna não apenas pedagógica, mas de negação de espaços de construção do conhecimento e de conscientização política da importância do trabalho educativo não dicotomizado, no que se refere aos conteúdos pedagógicos e políticas públicas.
A dinamização de cursos de licenciaturas que compreendam essa realidade sócio-cultural indica, à extensão, à pesquisa e ao ensino, horizonte de atuação para além do formal, legalmente convencionado e regulado dentro dos prédios escolares do espaço urbano. Se o país tem diretrizes legais e reconhece a educação como prática social para além do escolar, o desenvolvimento de políticas públicas para efetiva construção dessa prática abrangente pensada de forma não dicotomizada,, tarda, quando as Instituições de Ensino Superior relacionam-se timidamente com a necessidade de pensar a população que vive do trabalho do campo como partícipe do processo educacional.O que propor se o mundo em mudança exige a construção de novos projetos, o que requer muita pesquisa e tempo?
Um pouco do acontecido ...
Diante do exposto, o que ainda se apresenta é uma escola e um professor que parecem não se relacionar com o meio social e cultural em que se situam. Se a realidade nos aponta para um beco sem saída, é ela, porém, na sua contradição, que nos coloca de frente com tal realidade. A necessidade de demarcarmos os espaços de releitura e a incapacidade de responder, nos cursos de formação de professores, sobre tais problemáticas em que nos embrenhamos no seu universo por meio deste Projeto de Ensino.
Perrenoud (1993) escreve que o ensino é profissão relacional, que é o professor, com suas palavras, seus gestos, seu corpo, seu espírito, que dá sentido, luz ou sombra às informações que quer fazer chegar aos acadêmicos e a outras comunidades onde o saber sobre a educação do e no campo é tarefa social e política.
Uma das preocupações, ao desenvolver as atividades relacionadas ao Projeto de Ensino, foi a de atingir diferentes tipos de objetivos, cuja realização exige diferentes tipos de conhecimento. Imbuídos desse compromisso, estamos privilegiando as atividades desenvolvidas no ano letivo de 2004, nas disciplinas de Políticas Públicas nos Cursos de Licenciaturas da UEM, objetivando preencher o espaço de discussão da educação do campo, na formação dos futuros professores, como também, de acadêmicos de outras graduações, atingindo, inclusive comunidades externas da educação básica.
Dessa forma, as Jornadas de Políticas Públicas em Educação objetivaram discutir as políticas públicas educacionais, possibilitando o intercâmbio entre os Cursos das Licenciaturas, Campus Sede e Cianorte. Extrapolando as fronteiras do Estado e do nível de ensino, contamos com a participação da professora Rosa Augusta Zandonadi, dos alunos do ensino básico da Escola Estadual Professora Maria Audenir de Carvalho, de Primavera, Estado de São Paulo, pais, mães e irmãos acompanhantes. A Professora Rosa e seus alunos apresentaram a peça VIDAS SEVERINAS, de autoria de JOÃO CABRAL DE MELLO NETO e GRACILIANO RAMOS. Uma das questões relevantes foi, além do intercâmbio entre acadêmicos, professores e convidados, divulgar e ampliar as discussões de políticas públicas, ultrapassando a questão da estrutura e do funcionamento da educação escolar, possibilitando a indicação de lutas de organização para que se sejam colocados, na prática, esses direitos. O caráter multidisciplinar e a exploração de outras linguagens caracterizaram o fazer pedagógico, além do conteúdo.
As apresentações culturais recuperaram a cultura, a subjetividade, a história de lutas da população campesina, demonstrando o vácuo legal, legítimo, existente entre o espaço urbano e rural. A diversidade de temas apresentados pelos acadêmicos, na forma de comunicação oral e pôsteres, oportunizou a socialização das pesquisas e trabalhos de ensino e extensão, bem como o despertar para o desenvolvimento de pesquisas, visando também a participação em eventos científicos.
Nesse evento, tivemos a participação dos acadêmicos dos Cursos de Pedagogia, Letras, Ciências Contábeis, Ciências Biológicas, Filosofia, História, Física, Educação Física, Medicina, Designer e Moda, Ciências Sociais, Química, Matemática, Engenharia de Produção, Informática, Música; alunos do Ensino Fundamental e Médio e alunos de Especialização da Educação Infantil.
A Aula de Campo no Posto Indígena em Manoel Ribas, Paraná, supriu a necessidade do intercâmbio entre acadêmicos, professores, acadêmicos indígenas da UEM, professores indígenas da Escola do Ensino Fundamental, do Posto, com a cultura indígena, enfocando a sua diversidade cultural.
Uma das questões relevantes foi, além do intercâmbio entre acadêmicos, professores e convidados, divulgar e ampliar as discussões de políticas públicas para educação do campo, ultrapassando a questão da estrutura e do funcionamento da educação escolar, possibilitando a conscientização na luta de organização para que se sejam colocados, na prática, os direitos constitucionais. O caráter multidisciplinar e a exploração de outras linguagens caracterizaram um fazer pedagógico, que supera o conteúdo. Com isso, cumprimos com o objetivo de proporcionar contato com a cultura, conhecer a organização e estruturação da educação escolar indígena, estabelecendo a relação teoria- prática.
A primeira atividade da Aula de Campo foi a palestra do Diretor da Escola Estadual Reni Correia Gamper, Professor Pedro Estevão e da Diretora do Departamento Municipal de Educação, Professora Nerli Meire Sulsback. Esta atividade foi realizada em função da escola pública atender a 23 índios no ensino médio. Após discussão da direção com esta comunidade indígena, decidiram formar turma única para o 1º ano, composta apenas por índios, para o ano letivo de 2004 e 2005. A decisão foi a de que, para o 3º ano, estarão sendo matriculados em outras turmas mistas.
Visitamos o Posto Indígena do Ivaí, distante aproximadamente 5 km da cidade. No Posto foi criada uma escola municipal com professores não índios. Apenas um é índio, que também fala português, com formação do Ensino Médio, apontando para o descompasso entre o legal e o real.Muitas atividades foram realizadas: entrevista com as crianças de todas as séries, com as professoras e diretora da escola, com a comunidade e, inclusive, com o Cacique. Houve o registro de todas as atividades por meio de fotografias, filmagens em vídeo, entrevistas gravadas e o material disponibilizado para pesquisa: cadernos, livros, desenhos.
Essa atividade despertou o interesse em participar da inauguração do Centro Cultural Indígena, em Maringá, que abriga os universitários indígenas, bem como de outros parceiros indígenas.
Com o material produzido nas atividades acima, foi organizada uma Mostra, em forma de Exposição de Fotos, no salão da Biblioteca Central da UEM, no período de 11 a 21 de janeiro de 2005, com o objetivo de socializar o olhar dos acadêmicos no universo da diversidade cultural entre os povos, cujas imagens se constituíram documentos. Coincidentemente, no período da Mostra, a UEM estava sediando o vestibular para os povos indígenas de todos os Estados.estes prestigiaram o evento, reconhecendo-se e tendo a satisfação de se sentirem incluídos no espaço formal de uma instituição superior.
Dentre as demandas atendidas, houve a participação dos acadêmicos do PET/PEDAGOGIA no II SEMINÁRIO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO CAMPO DO PARANÁ, nas discussões de implementação das Diretrizes Nacionais no Plano Estadual de Educação do Paraná. A área de políticas públicas, neste seminário, assumiu a delegação de participantes da UEM no Comitê Estadual Provisório para implementação do Plano Nacional.
Nas avaliações dos participantes, encontramos registros os quais destacavam que as atividades proporcionadas pelo Projeto de Ensino, atingindo mais de 600 envolvidos, ultrapassaram o aspecto quantitativo, quando os mesmos apontaram que o ambiente de troca, interação dos cursos, envolvimento político e organização pedagógica dos trabalhos apresentados, por meio de novas linguagens, imagens, teatro, música, dança, poesia, evidenciaram para a possibilidade de participação em pesquisa em eventos científicos que tratam das políticas públicas em educação do campo.
Encerrando a conversa ...
Enquanto partícipes do processo de formação de professores, colocamo-nos na posição de provocadores desta discussão, mais no intuito de abrir o debate na busca do redimensionamento da compreensão do rumo do que “podemos” e do que “devemos” realizar coletivamente. A criação de espaços articuladores de estudo e sistematização, envolvendo campo e cidade, enquanto espaço de atuação do educador, que pensa a licenciatura como curso carregado de possibilidades de conhecimento da diversidade de contextos a serem estudados na formação docente.
Nessa função pública de docência, compreendemos a acentuada necessidade de compromisso na efetivação de atividades que promovam o encontro das diferentes áreas de habilitação nos cursos de licenciatura. Na composição do grupo de professores que atendem à necessidade organizacional do projeto Políticas Públicas e Gestão no Brasil: Educação no e do Campo, contamos com profissionais que pesquisam políticas públicas para a educação e atuam no ensino dos cursos de licenciatura. O envolvimento na elaboração e na realização dos eventos, até o presente momento, comprova a relevância das discussões realizadas pela participação de discentes desta Universidade, bem como de outras Instituições do Ensino Superior.
Compreendemos que, no espaço capitalista de produção e organização da sociedade, não há possibilidade de existência de práticas pedagógicas autônomas, apenas contraditórias, cuja direção depende das opções políticas da escola e dos profissionais da educação. Este tipo de discussão, muitas vezes, pode parecer espaço de luta perdida, mas “como o sentido da desconstrução só pode ser o da reconstrução, é fundamental manter o senso pela utopia” (DEMO, 2005, p.15). Há diferentes percursos de formação profissional, a unitariedade do trabalho pedagógico não é historicamente possível, o que não significa que não se possa avançar (KUENZER, 2005, p.37).

REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel. Por uma educação básica do campo, texto base. In: KOLLING, Edgar J. et al (Orgs.). Por uma educação básica do campo. Brasília, DF: Fundação Universidade de Brasília, 1999, p.22.
AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2004.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília-DF: Gráfica do Senado, 1998.______ Diretrizes operacionais para educação básica nas escolas do campo. Ministério da Educação. Brasília, DF: MEC, abr.2002.
DEMO, Pedro. Miragem do emprego. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro: v.31, n.1, p.5-17, jan./abr.2005.
KUENZER, Acácia Zeneida. Pedagogia do trabalho na acumulação flexível: os processos de “exclusão includente” e “inclusãp excludente” como uma nova forma de dualidade estrutural.
Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro: v.31, n.1, p.32-37, jan./abr.2005.
MARTINS, José de Souza. Educação rural e o desenraizamento do educador. Revista Acadêmica. Disponível em: www.espacoacademico.com.br. Acesso em 23.06.2005.
PERRENOUD, Philippe. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação. Lisboa: Dom Quixote, 1993.
SOARES, Edla de Araújo Lira. In: Diretrizes Operacionais para educação básica nas escolas do campo. Ministério da Educação, Brasília, DF:MEC, abr.2002.