XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
222
ISBN 185-98543-02-0
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA
COMUNIDADE INDÍGENA: UM OLHAR DIFERENCIADO
Paula Edicléia França Bacaro
Dra.Irizelda Martins de S. Silva
Universidade Estadual de Maringá
Iniciando a conversa
O homem na sociedade capitalista passou a ser valorizado não pelo humano, mas sim pela
sua capacidade produtiva, ou seja, o quanto pode por meio do seu trabalho, seja ele físico
ou intelectual, produzir lucro. Sendo assim, a sociedade dita as regras de normalidade e
capacidade desse homem. Aquele que se apresenta como "diferente" diante da maioria,
passa a ser estigmatizado como incapaz.
Em uma tentativa de forjar sua própria responsabilidade de mantenedora da exclusão social,
a sociedade capitalista transfere para o próprio indivíduo a incapacidade, e este passa a
interiorizá-la. O Estado brasileiro regulamenta Leis e Normatizações que atendem essas
pessoas, mas nem sempre o que é estabelecido pela Lei é cumprido. A responsabilidade de
formação educacional passa a ser do próprio sujeito, que nem sempre é atendido conforme
sua necessidade educacional, prejudicando o seu desenvolvimento social e cognitivo.
Nesse sentido, a sociedade dos excluídos passa a ser formada por grupos considerados
minorias, mas que é uma população significativa, que atendida devidamente, tanto no que
se refere à educação quanto em outros aspectos sociais, poderia ter uma vida digna.
Entretanto, a sociedade capitalista se subdivide em grupos de excluídos, dentre eles o idoso,
o pobre, a prostituta, a criança de rua, o homossexual, as pessoas com necessidades
especiais e os indígenas, cada qual diante da sociedade capitalista, segregado pela sua
diferença.
Neste ensaio discutiremos a problemática que envolve dois grupos de pessoas excluídas: as
com necessidades educacionais especiais e os indígenas. De acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena
Os índios são cidadãos brasileiros, portadores de direitos e deveres consagrados
na legislação, que reconhece as diferenças etno-culturais e lingüísticas como
valor positivo e edificante da nacionalidade brasileira. Conhecer, valorizar e
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223
aprender com essas diferenças é condição necessária para o convívio construtivo,
a comunicação e a articulação de segmentos sociais diversos que, apesar disto, e
mantendo suas especificidades, sejam capazes de uma convivência definida por
democracia efetiva, tolerância e paz (BRASIL,1999,p.8).
Mais adiante na referida lei, afirma (BRASIL,1999,p.29) o processo predatório colonizador
de cinco séculos de dominação sobre os povos indígenas e salienta a importância de se
reverter esse processo com a garantia dos direitos indígenas perante a sociedade nacional,
na condição de cidadãos brasileiros. Subentende-se que é dada à nação indígena acesso a
conhecimentos e práticas de outros grupos e sociedades. A lei garante aos povos indígenas
no que se refere à educação, saúde e cultura todo apoio especializado de que precisam.
Porém, quando este indígena tem uma dificuldade de aprendizagem ou mesmo um
comprometimento mental ou físico, sejam eles de caráter temporário ou permanente,
também são assistidos legalmente? O legal é legitimo?
Nosso trabalho tem como escopo uma questão bastante polêmica, que será apresentada
ainda na sua fase inicial de pesquisa, de um trabalho mais amplo que prosseguiremos em
outra fase de estudo, a realidade educacional do indígena com necessidades educacionais
especiais. Nosso objetivo, portanto é iniciar uma discussão sobre como esses indígenas,
com necessidades educacionais especiais estão sendo atendidos educacionalmente.
Inicialmente procuramos fazer um levantamento bibliográfico, o qual foi insuficiente
devido à falta de pesquisa sobre o assunto. Elegemos duas aldeias do Paraná, a aldeia
Laranjinha e a aldeia Ivaí. Por meio de entrevistas1, colhemos alguns dados que nos
possibilitaram fazer um estudo de caso, referente ao tratamento educacional de indígenas
com necessidades educacionais especiais.
Levantamos algumas leis existentes que amparam o indígena no aspecto educacional.
Entrevistamos acadêmicos indígenas da Universidade Estadual de Maringá, juntamente
com uma Professora Doutora da Educação Especial da mesma Universidade, a qual visitou
a terra indígena Ivaí da nação indígena Kaingang, próxima à cidade de Manoel Ribas, no
Paraná. Como os indígenas são de fato brasileiros, procuramos comprovar a legalidade na
Constituição Federal Brasileira, e nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
1 Tal entrevista foi realizada com dois indígenas no dia 06/07/2005.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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juntamente com o Estatuto do Índio, quanto ao atendimento educacional dos indígenas com
necessidades educacionais especiais.
UM ´POUCO DA HISTÓRIA
A população indígena brasileira é composta por cerca de 410.000 índios, divididos em 220
povos, estando a maioria em processo de integração com a sociedade. No Paraná há cerca
de 9015 indígenas habitando 85.264.30 hectares, sendo 17 terras indígenas abrigando as
etnias Kaingang, Guarani e 6 remanescentes do povo Xetá, os quais são amparados pelas
leis na Constituição Federal Brasileira de 1988 e também pelo Estatuto do Índio, que consta
nas referências.
Nossa pesquisa foi conduzida dentro de duas etnias, Kaingang e Guarani. Em entrevista
com uma indígena da nação Guarani, da terra indígena Laranjinha, no Paraná, a mesma
relatou ter dois casos de indígenas com necessidades educacionais especiais, com
comprometimento mental e auditivo, e que o indígena com comprometimento mental é
atendido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da cidade próxima,
uma vez por semana.
Quando questionada se havia alguma resistência por parte dos pais em serem atendidos por
essa instituição, a indígena nos respondeu que não sabia, mas afirmou que havia uma certa
dificuldade no atendimento devida a falta de comunicabilidade, do não entendimento da
língua materna, por parte dos profissionais não indígenas daquela instituição, tanto que esse
aluno freqüenta a escola apenas uma vez por semana, pois a mãe indígena afirma não ter
necessidade, porque o filho não entende a língua do branco.
Na ocasião indagamos se os indígenas com necessidades especiais sofriam preconceitos por
parte de outros indígenas. A resposta foi afirmativa, ainda existe uma não aceitação.
Explicitou que, devido a própria cultura em deixar os filhos desde pequenos livres e soltos,
em busca de aprender sobre sua sobrevivência e costumes, o mesmo acontece com
indígenas com necessidades especiais. No relato, essa mesma indígena nos disse que há, na
terra indígena de seu esposo (Kaingang), um deficiente físico que rasteja pela tribo e em
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
225
situações difíceis de locomoção ou de outras necessidades de sobrevivência, não recebe
apoio por parte dos membros da terra indígena.
Indagamos, então, se havia diferença na postura entre a nação Guarani e a nação Kaingang,
a entrevistada nos informou que os Kaingangs pensam diferente com relação ao
atendimento dos indígenas com necessidades educacionais especiais. Procuramos um
indígena representante da nação Kaingang para entendermos o porquê da relutância ao
atendimento. Segundo ele, há falta de professores bilíngües, sendo um obstáculo a ser
considerado.
Para os Kaingangs o atendimento não contribui no desenvolvimento dos indígenas com
necessidades educacionais especiais, porque até os 15 anos mais ou menos, geralmente
falam só a língua materna, dificilmente falam o português, língua usada nas instituições
próprias de atendimento especializado para pessoas com necessidades especiais. Podemos
apontar que nas agências de atendimento não existem pessoas que praticam a oralidade de
uma língua materna, dificultando a comunicação. Tais impasses parecem difíceis de serem
sanados, embora haja dispositivos legais que os amparam, conforme veremos mais adiante.
Esse mesmo indígena nos relatou que em sua terra indígena Ivaí há vários indígenas com
necessidades especiais, com comprometimento mental e físico, e que a maioria não
freqüenta a escola regular e tampouco escolas especiais para atendimento de suas
especificidades. Geralmente essas pessoas não recebem cuidados especiais e são tratadas
como filhos e pessoas "normais", conforme relato, de maneira geral os Kaingangs não
querem atendimento especializado. Quando questionamos sobre qual seria a maior
dificuldade, nos respondeu que é sem dúvida, a falta de profissionais bilíngües no
atendimento.
Em entrevista2 com a professora da Universidade Estadual de Maringá, que visitou a terra
indígena Ivaí, da nação Kaingang nos arredores do município de Manoel Ribas, Paraná, nos
relatou que observou uma indígena de quatro anos, com síndrome de Down, que freqüenta
2 Entrevista realizada dia 18/072005.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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a escola da própria aldeia, com professor que fala português, mas é assistido por um
ajudante bilíngüe.A professora nos informou que o cacique anterior não aceitava que os
indígenas tivessem atendimento educacional, já o atual permite o atendimento por
professores não índios.
Vale salientar, que conforme dados obtidos pelos entrevistados a terra indígena Ivaí é a
única que dispõe de um professor bilíngüe. No caso de indígenas com necessidades
educacionais especiais, permite que os mesmos recebam atendimentos especializados na
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), de Manoel Ribas. Por se tratar de
uma instituição fora da terra indígena, não oferece atendimento bilíngüe, fato esse, que
prejudica o atendimento dos indígenas com necessidades educacionais especiais, como já
apontamos.
A legislação dentro desta problemática
Procuramos relacionar as entrevistas com as leis que amparam os indígenas e constatamos
que, com relação ao ensino escolar, a falta de profissional bilíngüe é o maior problema
enfrentado pelos indígenas. A Constituição Federal Brasileira de 1998, no Artigo 210,
parágrafo 2º, afirma que "o ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem" (2004,p.52). No tocante aos alunos com
necessidades educacionais especiais, a mesma Constituição, no Artigo 208, inciso III
assevera que é dever do Estado "o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino" (BRASIL,2004.p.52).
Devemos ressaltar que há alunos com necessidades educacionais especiais impossibilitados,
pelo grau de seu comprometimento, de freqüentar a escola da rede regular de ensino, e que,
mesmo os que freqüentam, não possuem atendimento bilíngüe como rege a lei, por falta de
uma política lingüística de cada sociedade indígena. Tais fatos dificultam o atendimento
desses sujeitos em instituições especializadas para pessoas com necessidades educacionais
especiais, prejudicando seu atendimento, inserção e autonomia.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
227
Nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9394/96 no capitulo V da educação
especial, no artigo 58, parágrafo 1º declara que "haverá quando necessário, serviços de
apoio especializados na escola regular para atender as peculiaridades da clientela da
educação especial" no artigo 59, seção I que "os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organizações específicos para atender as suas necessidades" (2004, p.116).
Assim, podemos observar que, com referência a alunos com necessidades educacionais
especiais, há leis gerais que asseguram e oferecem atendimento, mas na realidade não há
uma específica para alunos com necessidades educacionais especiais indígenas, entretanto
devemos salientar que os grupos indígenas são de fato brasileiros, portanto estão vinculados
aos mesmos direitos. Porém, conforme Colombo e Welter (2004) assegurar e oferecer
possuem significados diferentes, assegurar é dar a certeza de atendimento, oferecer,
somente se há condições para tanto (p.30-31). Tais questões podem confirmar que o legal
não é (ainda) o legítimo.
Com relação à etnia indígena, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, relata
que a União deve, juntamente com entidades de assistência e preservação da cultura
indígena, oferecer educação bilíngüe de caráter intercultural (BRASIL,2004,Art.78,p.122).
Além disso, segundo Colombo e Welter (2004) os indígenas têm direitos a currículo
específico, da sua cultura e língua, material didático diferenciado em todos os níveis e
modalidades e educação continuada (p.57).
Em seguida a referida lei contribui dizendo que a União deve "garantir aos índios, suas
comunidades e povos acesso a informações, conhecimentos técnicos e científicos da
sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias" (2004,p.122). Mas como
oferecer esses conhecimentos sem comunicabilidade, seria necessário que tivessem o apoio
do professor bilíngüe. Assim sendo, pela falta de atendimento bilíngüe, de conhecimentos
técnicos e científicos, do preconceito social e da própria cultura, os portadores de
necessidades especiais indígenas permanecem, na maioria dos casos, sem atendimento
especializado, o qual daria a essas pessoas uma melhor qualidade de vida.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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O Estatuto do Índio, aprovado em 29/06/1994, não específica o atendimento aos indígenas
com necessidades especiais, entretanto, destaca que eles devem ter "assistência especial nas
ações de saúde, educação" sendo esta assistência especial igual aos demais brasileiros
(art.95). Também contribui, no artigo 99 seção I, a "garantia aos índios de acesso aos
conhecimentos valorizados e socializados no contexto nacional de modo a assegurar-lhes a
defesa de seus interesses e a participação na vida nacional em igualdade de condições,
enquanto grupos etnicamente diferenciados".
Para tanto é importante o acesso de informações às terras indígenas que possuem indígenas
com necessidades especiais, a fim de valorizá-los como pessoas e ao mesmo tempo oferecer
uma vida digna dentro de suas limitações, no aspecto educacional como também no que se
refere a sua saúde, pois a falta de conhecimento e atendimento faz com que essas pessoas
permaneçam fora de instituições especializadas e também sem atendimento médico, dados
esses que os índios só poderiam ter acesso, caso o profissional que lhes atendesse fosse
bilíngüe.
Um dos desafios é o acesso às informações que os alunos entrevistados, em processo de
formação no curso superior, possam, futuramente buscarem seus projetos de pesquisa,
ensino ou extensão. Da mesma forma que existem impasses, existem os desafios. Entre as
nações indígenas já existem soluções concretas, a formação de professores indígenas
bilíngües.
Algumas considerações
Quando procuramos saber qual era a população indígena com necessidades educacionais
especiais, observamos que não há registros referentes a essas pessoas na região. Devemos
salientar que se não há registro desta população, conseqüentemente, é possível não ter
registros históricos de atendimento. Devemos respeitar sua cultura e refletir, pois os
indígenas estão amparados por leis que evidenciam a importância de conhecimentos
científicos e de profissionais bilíngües, os quais contribuiriam positivamente no processo
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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educacional, da saúde e da cultura desses indígenas com necessidades educacionais
especiais.
É preciso não confundir a expressão "somos todos iguais perante a lei". Em outras palavras,
as leis precisam se constituir em direitos, pois em muitas situações, a única garantia da
igualdade é o tratamento diferenciado.
Assim sendo, é necessário destacar, após este breve ensaio, a urgência de projetos de
pesquisa e de reflexões, que venham ao encontro das peculiaridades dos indígenas com
necessidades especiais, os quais devem ser assistidos no seu aspecto educativo e social,
com atendimento devido oferecido a qualquer outro cidadão brasileiro. Para tanto
destacamos a importância do atendimento e da sobrevivência dessas pessoas, pois
indiscutivelmente, são brasileiros deixados à margem da nossa sociedade sem atendimento
devido.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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O homem na sociedade capitalista passou a ser valorizado não pelo humano, mas sim pela
sua capacidade produtiva, ou seja, o quanto pode por meio do seu trabalho, seja ele físico
ou intelectual, produzir lucro. Sendo assim, a sociedade dita as regras de normalidade e
capacidade desse homem. Aquele que se apresenta como "diferente" diante da maioria,
passa a ser estigmatizado como incapaz.
Em uma tentativa de forjar sua própria responsabilidade de mantenedora da exclusão social,
a sociedade capitalista transfere para o próprio indivíduo a incapacidade, e este passa a
interiorizá-la. O Estado brasileiro regulamenta Leis e Normatizações que atendem essas
pessoas, mas nem sempre o que é estabelecido pela Lei é cumprido. A responsabilidade de
formação educacional passa a ser do próprio sujeito, que nem sempre é atendido conforme
sua necessidade educacional, prejudicando o seu desenvolvimento social e cognitivo.
Nesse sentido, a sociedade dos excluídos passa a ser formada por grupos considerados
minorias, mas que é uma população significativa, que atendida devidamente, tanto no que
se refere à educação quanto em outros aspectos sociais, poderia ter uma vida digna.
Entretanto, a sociedade capitalista se subdivide em grupos de excluídos, dentre eles o idoso,
o pobre, a prostituta, a criança de rua, o homossexual, as pessoas com necessidades
especiais e os indígenas, cada qual diante da sociedade capitalista, segregado pela sua
diferença.
Neste ensaio discutiremos a problemática que envolve dois grupos de pessoas excluídas: as
com necessidades educacionais especiais e os indígenas. De acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena
Os índios são cidadãos brasileiros, portadores de direitos e deveres consagrados
na legislação, que reconhece as diferenças etno-culturais e lingüísticas como
valor positivo e edificante da nacionalidade brasileira. Conhecer, valorizar e
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aprender com essas diferenças é condição necessária para o convívio construtivo,
a comunicação e a articulação de segmentos sociais diversos que, apesar disto, e
mantendo suas especificidades, sejam capazes de uma convivência definida por
democracia efetiva, tolerância e paz (BRASIL,1999,p.8).
Mais adiante na referida lei, afirma (BRASIL,1999,p.29) o processo predatório colonizador
de cinco séculos de dominação sobre os povos indígenas e salienta a importância de se
reverter esse processo com a garantia dos direitos indígenas perante a sociedade nacional,
na condição de cidadãos brasileiros. Subentende-se que é dada à nação indígena acesso a
conhecimentos e práticas de outros grupos e sociedades. A lei garante aos povos indígenas
no que se refere à educação, saúde e cultura todo apoio especializado de que precisam.
Porém, quando este indígena tem uma dificuldade de aprendizagem ou mesmo um
comprometimento mental ou físico, sejam eles de caráter temporário ou permanente,
também são assistidos legalmente? O legal é legitimo?
Nosso trabalho tem como escopo uma questão bastante polêmica, que será apresentada
ainda na sua fase inicial de pesquisa, de um trabalho mais amplo que prosseguiremos em
outra fase de estudo, a realidade educacional do indígena com necessidades educacionais
especiais. Nosso objetivo, portanto é iniciar uma discussão sobre como esses indígenas,
com necessidades educacionais especiais estão sendo atendidos educacionalmente.
Inicialmente procuramos fazer um levantamento bibliográfico, o qual foi insuficiente
devido à falta de pesquisa sobre o assunto. Elegemos duas aldeias do Paraná, a aldeia
Laranjinha e a aldeia Ivaí. Por meio de entrevistas1, colhemos alguns dados que nos
possibilitaram fazer um estudo de caso, referente ao tratamento educacional de indígenas
com necessidades educacionais especiais.
Levantamos algumas leis existentes que amparam o indígena no aspecto educacional.
Entrevistamos acadêmicos indígenas da Universidade Estadual de Maringá, juntamente
com uma Professora Doutora da Educação Especial da mesma Universidade, a qual visitou
a terra indígena Ivaí da nação indígena Kaingang, próxima à cidade de Manoel Ribas, no
Paraná. Como os indígenas são de fato brasileiros, procuramos comprovar a legalidade na
Constituição Federal Brasileira, e nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
1 Tal entrevista foi realizada com dois indígenas no dia 06/07/2005.
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juntamente com o Estatuto do Índio, quanto ao atendimento educacional dos indígenas com
necessidades educacionais especiais.
UM ´POUCO DA HISTÓRIA
A população indígena brasileira é composta por cerca de 410.000 índios, divididos em 220
povos, estando a maioria em processo de integração com a sociedade. No Paraná há cerca
de 9015 indígenas habitando 85.264.30 hectares, sendo 17 terras indígenas abrigando as
etnias Kaingang, Guarani e 6 remanescentes do povo Xetá, os quais são amparados pelas
leis na Constituição Federal Brasileira de 1988 e também pelo Estatuto do Índio, que consta
nas referências.
Nossa pesquisa foi conduzida dentro de duas etnias, Kaingang e Guarani. Em entrevista
com uma indígena da nação Guarani, da terra indígena Laranjinha, no Paraná, a mesma
relatou ter dois casos de indígenas com necessidades educacionais especiais, com
comprometimento mental e auditivo, e que o indígena com comprometimento mental é
atendido pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) da cidade próxima,
uma vez por semana.
Quando questionada se havia alguma resistência por parte dos pais em serem atendidos por
essa instituição, a indígena nos respondeu que não sabia, mas afirmou que havia uma certa
dificuldade no atendimento devida a falta de comunicabilidade, do não entendimento da
língua materna, por parte dos profissionais não indígenas daquela instituição, tanto que esse
aluno freqüenta a escola apenas uma vez por semana, pois a mãe indígena afirma não ter
necessidade, porque o filho não entende a língua do branco.
Na ocasião indagamos se os indígenas com necessidades especiais sofriam preconceitos por
parte de outros indígenas. A resposta foi afirmativa, ainda existe uma não aceitação.
Explicitou que, devido a própria cultura em deixar os filhos desde pequenos livres e soltos,
em busca de aprender sobre sua sobrevivência e costumes, o mesmo acontece com
indígenas com necessidades especiais. No relato, essa mesma indígena nos disse que há, na
terra indígena de seu esposo (Kaingang), um deficiente físico que rasteja pela tribo e em
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
225
situações difíceis de locomoção ou de outras necessidades de sobrevivência, não recebe
apoio por parte dos membros da terra indígena.
Indagamos, então, se havia diferença na postura entre a nação Guarani e a nação Kaingang,
a entrevistada nos informou que os Kaingangs pensam diferente com relação ao
atendimento dos indígenas com necessidades educacionais especiais. Procuramos um
indígena representante da nação Kaingang para entendermos o porquê da relutância ao
atendimento. Segundo ele, há falta de professores bilíngües, sendo um obstáculo a ser
considerado.
Para os Kaingangs o atendimento não contribui no desenvolvimento dos indígenas com
necessidades educacionais especiais, porque até os 15 anos mais ou menos, geralmente
falam só a língua materna, dificilmente falam o português, língua usada nas instituições
próprias de atendimento especializado para pessoas com necessidades especiais. Podemos
apontar que nas agências de atendimento não existem pessoas que praticam a oralidade de
uma língua materna, dificultando a comunicação. Tais impasses parecem difíceis de serem
sanados, embora haja dispositivos legais que os amparam, conforme veremos mais adiante.
Esse mesmo indígena nos relatou que em sua terra indígena Ivaí há vários indígenas com
necessidades especiais, com comprometimento mental e físico, e que a maioria não
freqüenta a escola regular e tampouco escolas especiais para atendimento de suas
especificidades. Geralmente essas pessoas não recebem cuidados especiais e são tratadas
como filhos e pessoas "normais", conforme relato, de maneira geral os Kaingangs não
querem atendimento especializado. Quando questionamos sobre qual seria a maior
dificuldade, nos respondeu que é sem dúvida, a falta de profissionais bilíngües no
atendimento.
Em entrevista2 com a professora da Universidade Estadual de Maringá, que visitou a terra
indígena Ivaí, da nação Kaingang nos arredores do município de Manoel Ribas, Paraná, nos
relatou que observou uma indígena de quatro anos, com síndrome de Down, que freqüenta
2 Entrevista realizada dia 18/072005.
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a escola da própria aldeia, com professor que fala português, mas é assistido por um
ajudante bilíngüe.A professora nos informou que o cacique anterior não aceitava que os
indígenas tivessem atendimento educacional, já o atual permite o atendimento por
professores não índios.
Vale salientar, que conforme dados obtidos pelos entrevistados a terra indígena Ivaí é a
única que dispõe de um professor bilíngüe. No caso de indígenas com necessidades
educacionais especiais, permite que os mesmos recebam atendimentos especializados na
Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), de Manoel Ribas. Por se tratar de
uma instituição fora da terra indígena, não oferece atendimento bilíngüe, fato esse, que
prejudica o atendimento dos indígenas com necessidades educacionais especiais, como já
apontamos.
A legislação dentro desta problemática
Procuramos relacionar as entrevistas com as leis que amparam os indígenas e constatamos
que, com relação ao ensino escolar, a falta de profissional bilíngüe é o maior problema
enfrentado pelos indígenas. A Constituição Federal Brasileira de 1998, no Artigo 210,
parágrafo 2º, afirma que "o ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem" (2004,p.52). No tocante aos alunos com
necessidades educacionais especiais, a mesma Constituição, no Artigo 208, inciso III
assevera que é dever do Estado "o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino" (BRASIL,2004.p.52).
Devemos ressaltar que há alunos com necessidades educacionais especiais impossibilitados,
pelo grau de seu comprometimento, de freqüentar a escola da rede regular de ensino, e que,
mesmo os que freqüentam, não possuem atendimento bilíngüe como rege a lei, por falta de
uma política lingüística de cada sociedade indígena. Tais fatos dificultam o atendimento
desses sujeitos em instituições especializadas para pessoas com necessidades educacionais
especiais, prejudicando seu atendimento, inserção e autonomia.
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Nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB 9394/96 no capitulo V da educação
especial, no artigo 58, parágrafo 1º declara que "haverá quando necessário, serviços de
apoio especializados na escola regular para atender as peculiaridades da clientela da
educação especial" no artigo 59, seção I que "os sistemas de ensino assegurarão aos
educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e
organizações específicos para atender as suas necessidades" (2004, p.116).
Assim, podemos observar que, com referência a alunos com necessidades educacionais
especiais, há leis gerais que asseguram e oferecem atendimento, mas na realidade não há
uma específica para alunos com necessidades educacionais especiais indígenas, entretanto
devemos salientar que os grupos indígenas são de fato brasileiros, portanto estão vinculados
aos mesmos direitos. Porém, conforme Colombo e Welter (2004) assegurar e oferecer
possuem significados diferentes, assegurar é dar a certeza de atendimento, oferecer,
somente se há condições para tanto (p.30-31). Tais questões podem confirmar que o legal
não é (ainda) o legítimo.
Com relação à etnia indígena, as Leis de Diretrizes e Bases da Educação 9394/96, relata
que a União deve, juntamente com entidades de assistência e preservação da cultura
indígena, oferecer educação bilíngüe de caráter intercultural (BRASIL,2004,Art.78,p.122).
Além disso, segundo Colombo e Welter (2004) os indígenas têm direitos a currículo
específico, da sua cultura e língua, material didático diferenciado em todos os níveis e
modalidades e educação continuada (p.57).
Em seguida a referida lei contribui dizendo que a União deve "garantir aos índios, suas
comunidades e povos acesso a informações, conhecimentos técnicos e científicos da
sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias" (2004,p.122). Mas como
oferecer esses conhecimentos sem comunicabilidade, seria necessário que tivessem o apoio
do professor bilíngüe. Assim sendo, pela falta de atendimento bilíngüe, de conhecimentos
técnicos e científicos, do preconceito social e da própria cultura, os portadores de
necessidades especiais indígenas permanecem, na maioria dos casos, sem atendimento
especializado, o qual daria a essas pessoas uma melhor qualidade de vida.
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O Estatuto do Índio, aprovado em 29/06/1994, não específica o atendimento aos indígenas
com necessidades especiais, entretanto, destaca que eles devem ter "assistência especial nas
ações de saúde, educação" sendo esta assistência especial igual aos demais brasileiros
(art.95). Também contribui, no artigo 99 seção I, a "garantia aos índios de acesso aos
conhecimentos valorizados e socializados no contexto nacional de modo a assegurar-lhes a
defesa de seus interesses e a participação na vida nacional em igualdade de condições,
enquanto grupos etnicamente diferenciados".
Para tanto é importante o acesso de informações às terras indígenas que possuem indígenas
com necessidades especiais, a fim de valorizá-los como pessoas e ao mesmo tempo oferecer
uma vida digna dentro de suas limitações, no aspecto educacional como também no que se
refere a sua saúde, pois a falta de conhecimento e atendimento faz com que essas pessoas
permaneçam fora de instituições especializadas e também sem atendimento médico, dados
esses que os índios só poderiam ter acesso, caso o profissional que lhes atendesse fosse
bilíngüe.
Um dos desafios é o acesso às informações que os alunos entrevistados, em processo de
formação no curso superior, possam, futuramente buscarem seus projetos de pesquisa,
ensino ou extensão. Da mesma forma que existem impasses, existem os desafios. Entre as
nações indígenas já existem soluções concretas, a formação de professores indígenas
bilíngües.
Algumas considerações
Quando procuramos saber qual era a população indígena com necessidades educacionais
especiais, observamos que não há registros referentes a essas pessoas na região. Devemos
salientar que se não há registro desta população, conseqüentemente, é possível não ter
registros históricos de atendimento. Devemos respeitar sua cultura e refletir, pois os
indígenas estão amparados por leis que evidenciam a importância de conhecimentos
científicos e de profissionais bilíngües, os quais contribuiriam positivamente no processo
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educacional, da saúde e da cultura desses indígenas com necessidades educacionais
especiais.
É preciso não confundir a expressão "somos todos iguais perante a lei". Em outras palavras,
as leis precisam se constituir em direitos, pois em muitas situações, a única garantia da
igualdade é o tratamento diferenciado.
Assim sendo, é necessário destacar, após este breve ensaio, a urgência de projetos de
pesquisa e de reflexões, que venham ao encontro das peculiaridades dos indígenas com
necessidades especiais, os quais devem ser assistidos no seu aspecto educativo e social,
com atendimento devido oferecido a qualquer outro cidadão brasileiro. Para tanto
destacamos a importância do atendimento e da sobrevivência dessas pessoas, pois
indiscutivelmente, são brasileiros deixados à margem da nossa sociedade sem atendimento
devido.
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Referências
BRASIL.Constituição da Republica Federativa do Brasil:1988-Texto constitucional de
5 de outubro de 1988 com alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais de n.1, de
1992, a 43, de 2004,e pelas Emendas Constitucionais de Revisão de n.1 a 6, de 1994.-23ª
ed.-Brasilia: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2004.
BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena.Publicado no
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COLOMBO, Irineu Mario e WELTER, Elton . Educação básica: perguntas e respostas
sobre a legislação e a atividade docente. Curitiba:Reproset Editora Gráfica, 2004.
Estatuto do índio. Disponível em:
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