segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

XII SEMANA DE PEDAGOGIA - 2005 / ORIENTAÇÃO - CECÍLIO


APONTAMENTOS SOBRE O PROJETO EDUCACIONAL INFANTO-JUVENIL DE
ROUSSEAU


Acadêmica: Silvana Penteado de Souza
Universidade Estadual de Maringá


Resumo
Objetivou-se com este estudo compreender a especificidade da perspectiva educacional infantojuvenil de Jean-Jacques Rousseau, analisando-a a partir do conjunto de sua obra e tendo com pano de fundo os nexos societários fundamentais da totalidade social da segunda metade do
século XVIII. Este estudo de cunho bibliográfico utilizou tanto fontes documentais primárias de
autoria de Rousseau, quanto fontes secundárias de autores contemporâneos que tratam da questão investigada. Dessa forma, o desfecho dessa pesquisa possibilitou concluir que o estudo de um clássico, baseado na perspectiva materialista-dialética, continua sendo de grande valia para o
pesquisador e/ou educador que pretenda ter uma formação sólida a fim de intervir nas práticas
educacionais formais e informais da atualidade.
Palavras-Chave: Educação; Rousseau; Infanto-juvenil; Sociedade; Dialética.
1. Importantes aspectos biográficos de Jean-Jacques Rousseau

Jean-Jacques Rousseau nasceu em 28 de junho de 1712, em Genebra, na Suíça. O século
XVIII foi uma época de profundas transformações no mundo, os destroços da velha sociedade
feudal contrastavam com a emancipação política e econômica das práticas sociais burguesas.
O pai de Jean-Jacques, Isaac Rousseau, era relojoeiro; sua mãe Suzanne Bernard, faleceu
após seu nascimento. Rousseau sob a influência de seu pai leu vários romances, que contribuíram
para sua formação intelectual. No "Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade
Entre os Homens", referiu-se ao pai recordando com carinho à importância das suas instruções.
[...] Não me recordo sem a mais doce emoção da memória do virtuoso
cidadão que me trouxe ao mundo e que freqüentemente alimentou minha
infância com o respeito que vos era devida. Vejo-o ainda vivendo do
trabalho de suas mãos, e alimentando sua alma com as mais sublimes
verdades. Vejo Tácito, Plutarco e Grotius misturados diante dele com os
instrumentos de seu ofício. Vejo ao seu lado um filho querido que
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recebia, com poucos frutos, as ternas instruções do melhor dos pais [...]
(ROUSSEAU, 1999, p.143).
Rousseau aprendeu vários ofícios, especialmente música, prosseguiu sua educação
científica, literária, e filosófica que, posteriormente, contribuiu para composição de suas grandes
obras. Dentre os clássicos da filosofia, destacam-se: O Contrato Social e Emílio ou Da Educação,
que foram escritos quase que simultaneamente. As obras de Rousseau polemizavam com as
principais instituições da época, sendo que em 9 de julho de 1762, o Parlamento de Paris
condenou Rousseau à detenção e ordenou a queima dos exemplares de Emilio. Mais tarde, o
Conselho de Genebra também o condenou à prisão, ordenando que juntamente com os
exemplares do seu tratado de educação, fosse queimada a sua obra jurídico-político.
Estas retaliações contra Rousseau e suas obras indicam que seus escritos não agradavam
aos reis, às elites clericais católicas e protestantes e aos governos estabelecidos na Europa,
naquele momento histórico.
Em 1745, passou a viver com Thérése Levasseur, com quem teve cinco filhos e que, após
o nascimento dos mesmos, foram entregues ao Enfants-Trouvés.1 Esse fato o marcou
profundamente, pois em 02 de julho de 1778, quando faleceu, estava escrevendo o Décimo
Passeio dos "Devaneios de um Caminhante Solitário", em que tratava do abandono dos filhos e
do problema da educação.
2. As influências da Igreja no século XVIII, e o embate entre a velha ordem feudal e a nova
ordem social burguesa
Durante o período da Idade Média ocidental, a Igreja é quem comandou o pensamento e a
ação da maioria dos homens, controlando a educação formal e informal. Nas palavras de Hazard
(1974, p.65):
O cristianismo deparava-se aos homens logo que nasciam, modelava-os,
instruía-os, sancionava todos os grandes actos (sic!) da sua existência
[...] A religião fazia tão profundamente parte de suas almas, que se
confundia com o próprio ser dos homens.
Na França, século XVIII, a Igreja conservara seu poder – era o Primeiro Estado –
exercendo expressiva influência sobre o conjunto da sociedade, que mantinha parte da estrutura
1 Esta era a designação atribuída as instituições que, nas cidades francesas dos séculos XVIII e XIX, acolhiam os
filhos de pais que não se sentiam em condiões de educa-los. Badinter (1985, p.226) as define nos seguintes termos:
"O sistema de ‘Roda’ nos asilos (que permitia à mãe deixar o filho sem revelar sua identidade), [...]" feudal em vigor. A nobreza laica – era o Segundo Estado – não pagava impostos e ainda se nutria de pensões do Estado absolutista, expressando o caráter estamental dessa sociedade cujo
privilégio de nascimento ainda era referência social.
Entretanto, a sociedade francesa não era composta apenas pelo Primeiro e Segundo
estados, uma vez que a grande massa da população estava no Terceiro Estado, do qual faziam
parte a burguesia, os artesãos urbanos, os jornaleiros (assalariados) e os camponeses. Essa grande massa é que arcava com o ônus dessa sociedade de ordens através do pagamento de vários tipos de impostos. Além disso, praticamente não tinha direito à participação política no Parlamento, estando impossibilitada de interferir nos desígnios da nação pelas vias institucionais existentes.
[...] E como as classes privilegiadas não contribuíam com sua parte (pelo
contrário, impunham aos plebeus taxas próprias), e como os membros
mais ricos de Terceiro Estado conseguiam, por tortuosos caminhos,
isentar-se dos impostos diretos, todo o peso recaía sobre os pobres. Era
um peso difícil. Um quadro verdadeiro do período mostraria o camponês
curvado carregando em suas costas o rei, o padre e o nobre.
(HUBERMAN, 1983, p.157)
Tais condições sociais engendravam uma sociedade híbrida, pois as velhas e novas
condições sociais coexistiam, mas não podiam se harmonizar devido à essência dos interesses
que as separavam. Essas contradições se explicitavam com mais evidência na capital francesa.
É neste contexto que surgem questionamentos das mais variadas matizes contra a ordem
estabelecida. Os filósofos contrários ao domínio exercido pela Igreja vão propor a abolição dos
seus dogmas e, portanto, o questionamento do princípio da infalibilidade do clero e de sua
hegemonia social. A Igreja respondeu com duras repressões, utilizando o seu forte braço
coercitivo: a Inquisição. Esta, entre outras práticas repressivas, confiscou livros, prendendo e
mandando para o exílio alguns expoentes do Movimento Iluminista, tais como Voltaire, Diderot,
D’Alembert e Rousseau.
Para Rousseau, a influência que a Igreja exercia sobre a sociedade, mantinha o problema
educacional da época, sob os desígnios das ordens sociais privilegiadas.. Segundo o filósofo, o
fato das escolas conservarem os métodos e objetivos do ensino escolástico manteria as novas
gerações subservientes à manutenção do status quo e de suas respectivas instituições. Ele
acreditava ser preciso um novo modelo de educação e de novas instituições para a edificação de
uma sociedade diferente daquela existente.
Levando em consideração o domínio mantido pela Igreja durante a época feudal, entre os
séculos XIII ao XVIII, a sociedade européia passou por um período de transição entre as velhas
práticas sociais feudais e a nova ordem burguesa. O embate entre estas duas formas de
organização durou séculos, sendo que, em meados de século XVIII, o Antigo Regime, na França,
se alicerçava sob a ambigüidade da coexistência das velhas instituições de caráter feudal e das
emergentes formas burguesas de relações sociais.
Neste sentido, vários fatores serviram de agravante para a dissolução da sociedade feudal,
segundo Marx, a expropriação do camponês de suas terras foi à base de todo o processo do
surgimento da era capitalista, cujo epicentro fora a Inglaterra onde:
O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos domínios do
estado, a ladroeira das terras comuns e a transformação da propriedade
feudal e do clã em propriedade privada moderna, levada a cabo com
terrorismo implacável, figuram entre os métodos idílicos da acumulação
primitiva. Conquistaram o campo para a agricultura capitalista,
incorporaram as terras ao capital e proporcionaram à indústria das
cidades a oferta necessária de proletários sem direitos (MARX, 1968,
p.850).
O filósofo de Genebra, parecia não aceitar as perspectivas societárias burguesas como
alternativa ao regime absolutista monárquico vigente, do qual ele também era crítico ferrenho.
Sua posição era a de que a burguesia, por seus valores intrínsecos, produzia novas formas de
privilégios políticos e econômicos, refazendo, sob novos moldes, a prevalência dos interesses
particulares sobre os interesses da coletividade. A dupla negação de Rousseau à velha ordem
social em decadência e à nova ordem social emergente, se deu no momento em que estava em
curso na Inglaterra um conjunto de transformações sociais que deram condições para a eclosão da Revolução Industrial no século XIX.
3. A educação infantil no século XVIII
Algumas situações presentes no século XVIII denunciavam o hábito de algumas mães
contratarem amas-de-leite para amamentar os próprios filhos. Por volta do século XIII
aproximadamente, as mulheres da aristocracia começaram a contratar amas-de-leite para o
sustento dos filhos recém nascidos. De acordo com Badinter, até o fim do século XVI, esta era
uma característica utilizada apenas pela aristocracia. Ao mesmo tempo em que essas mulheres
ricas contratavam essas amas para amamentar os próprios filhos, privavam outras crianças de sua mãe, os filhos da ama.
Segundo numerosos testemunhos, foi no século XVII que o uso de deixar
a criança na casa da ama-de-leite se generalizou entre a burguesia [...].
Mas é no século XVIII que o envio das crianças para a casa de amas se
estende por todas as camadas da sociedade urbana. Dos mais pobres aos
mais ricos, nas pequenas ou grandes cidades, a entrega dos filhos aos
exclusivos cuidados da ama é um fenômeno generalizado (BADINTER,
1985, p.67).
Cabe ressaltar que, várias reflexões teóricas profundas contribuíram para a tomada de
consciência de que a criança ao nascer deveria receber os cuidados da própria mãe. Desta forma,
essa mudança no pensamento dos homens só foi possível devido às novas necessidades materiais
que, paulatinamente, se cristalizavam nas relações sociais.
No século XVIII, as leitoras de Jean-Jacques eram um pequeno número de adeptas
intelectuais e, passaram a se dedicar ao aleitamento materno e aos cuidados para com os filhos.
As mulheres da aristocracia foram às últimas a modificarem seus hábitos, já, as mulheres da
classe burguesa se incubiram dos cuidados com os seus próprios filhos. Tais mudanças não se
efetivaram de forma linear foram se concretizando, gradativamente, em lugares e momentos
históricos distintos. No entanto, as mulheres mais pobres, devido as suas necessidades sociais
praticamente não puderam modificar este hábito. Conforme menciona Badinter (1985, p.224):
[...] a operária, ou a esposa do pequeno artesão têm, mais do que nunca,
necessidade de mandar os filhos para o campo, para poder trazer mais
algum dinheiro para casa. Até a camponesa entregará o filho a uma ama,
para melhor ajudar o marido na lavoura, ou para ser ama das crianças das
cidades.
Nesse sentido, a nova característica da família burguesa que se cristalizava nas relações
sociais no século XVIII submeteu a maioria das mulheres as suas obrigações maternais. Embora
se possa observar que, tais transformações das atitudes dessas mulheres não tenham se
concretizado de maneira imediata.
4. A posição de Rousseau e sua proposta educacional infanto-juvenil
Para Rousseau a questão educacional (formal e informal) transcendia os seus próprios
limites, carregando consigo contradições sociais complexas. Tal postura de Rousseau pode ser
constatada de maneira direta nas suas "Considerações sobre o Governo da Polônia", em que
sugere aos poloneses o descarte sem concessões, à participação do clero na educação das crianças
polonesas, nos seguintes termos: "Pelo que acabo de dizer, pode-se concluir não serem os estudos
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ordinários dirigidos por estrangeiros e padres, os que gostaria de fazer as crianças seguirem"
(ROUSSEAU, 1962, p. 278).
Rousseau, ao fundamentar sua teoria, defendia que o ponto de partida de um educador
diferenciado daqueles das instituições da sua época, seria o de afastar a criança dos vícios da
sociedade, era preciso combater a severidade dos professores da época, que reagiam de forma
enérgica a qualquer erro do aluno. Assim, fazia-se necessário afastar os educandos das
instituições e dos costumes corrompidos.
Nosso verdadeiro estudo é o da condição humana. Aquele de nós que
melhor souber suportar os bens e os males desta vida é para mim, o mais
bem educado, donde se segue que a verdadeira educação consiste menos
em preceito do que em exercícios (ROUSSEAU, 1995, p.14).
Segundo Rousseau, o ensino escolástico agia de maneira oposta a esse preceito,
submetendo as crianças a passar horas copiando textos no latim, fazendo-as decorar regras
gramaticais ou de cálculos que não lhes fazia o menor sentido. Isso tudo permeado pelo viés da
autoridade religiosa, que foi a base educacional durante toda a Idade Média Ocidental.
É diante desse quadro que Rousseau, em seu livro Emilio, toma a infância como um dos
núcleos de suas reflexões, nos dois primeiros capítulos desta obra Rousseau descreveu como
deveria se efetivar a educação infanto-juvenil, a qual será analisada pormenorizadamente. Cabe
ressaltar que, o autor não tinha a intenção de que esta obra servisse de "receituário" para pais e
mães, afirmando que: "Trata-se de um novo sistema de educação da qual eu ofereço o plano para
o exame dos sábios, e não de um método para os pais e as mães, o qual eu jamais sonhei."
(OLIVEIRA apud ROUSSEAU, 1977, p.34).
4.1 Primeira infância
O livro primeiro compreende o desenvolvimento da criança desde o seu nascimento até a
idade de 2 anos. Toda a educação de Emilio se efetivaria no campo, em contato com a natureza.
Rousseau, ao educá-lo de forma natural, estava preparando-o para viver em sociedade, a fim de
que posteriormente desenvolvesse seu papel de cidadão.
Rousseau parte do principio de que as mães são as responsáveis pela primeira educação de
seus filhos, e que este "descaso" com a criança era responsável pelo alto índice de mortalidade
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infantil neste período. Porém, é preciso observar que tais posturas integram o conjunto de
determinada sociedade, revelando assim a concepção de infância até então vigente.
É a ti que me dirijo, terna e previdente mãe. [...] A educação cabe
incontestavelmente às mulheres: se o autor da natureza tivesse querido
que pertencesse aos homens, ter-lhes-ia dado leite para alimentarem as
crianças (ROUSSEAU, 1995, p.7).
Levando em consideração a necessidade das mães voltarem a amamentar seus filhos, o
autor destaca também a responsabilidade dos pais na educação das crianças. Desta forma, ao pai
compete não apenas exercer suas conquistas no trabalho, mas prover tanto a base material quanto
a afetiva e moral. Como relata Cerizara (1990, p. 49): "Ao prescrever a formação da criança da
natureza, ou a desnaturação da criança, Rousseau propôs o resgate da família e do pai como
verdadeiro preceptor e denuncia o descaso dos pais, que, a pretexto de afazeres de oficio, tem,
assim como as mães, negligenciado seus deveres".
Segundo Rousseau, alguns aspectos deviam ser considerados no que diz respeito à escolha
da ama: escolher uma ama recém parturiente, de boa qualidade de leite, sadia de corpo e de
coração. A criança deve acatar as normas estabelecidas pelo adulto que a governa. Ainda segundo
Cerizara (1990, p.60): "A criança não deve ter como superiores senão o pai e a mãe, e, na
ausência deles o preceptor e a ama". Logo, o preceptor de Emilio o acompanharia na sua
educação desde o nascimento até a idade adulta.
O choro é a primeira forma de o bebê comunicar-se com o mundo, através dele expressa
as suas necessidades como: dor, fome, sono, etc. Contudo, Rousseau lembra aos adultos a
importância de distinguir o choro provocado pela necessidade, do proveniente pela obstinação,
pois ressalta que não é aconselhável mimar a criança. É importante que o adulto atenda as
necessidades naturais da criança, mas não a acostume a conseguir o que deseja utilizando como
forma, o choro. Ao proporcionar liberdade à criança o adulto desempenha papel de instruí-la
contribuindo para sua formação. Desta forma, quando as crianças choram por teimosia é melhor
distraí-las para que parem de chorar, sem que ela perceba que está sendo distraída.
Quanto ao desenvolvimento da linguagem, Rousseau entendia ser necessário falar sempre
corretamente diante das crianças e se houvesse necessidade de corrigi-las, que o educador não
utilizasse a critica destrutiva tão praticada em sua época, pois deixavam as crianças tímidas e
confusas.
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Segundo Rousseau, a educação da natureza é condição básica para o posterior
desenvolvimento social, pois entendia que, o homem não nasce pronto ele se constrói, e, este
processo de construção depende de fatores externos e internos.
Para finalizar o Livro primeiro, Rousseau (1995, p.64) afirma:
Os primeiros desenvolvimentos da infância dão-se quase todos ao
mesmo tempo. A criança aprende a falar, a comer e a andar
aproximadamente ao mesmo tempo. Esta é propriamente a primeira fase
de sua vida. Antes não é nada mais do que aquilo que era no ventre da
mãe; não tem nenhum sentimento, nenhuma idéia; mal tem sensações e
nem mesmo percebe a sua própria existência: Vivit, et est vitae nescius
ipse suae.2
4.2. Segunda infância
O livro segundo compreende a educação de Emilio dos 2 aos 12 anos. É o período que
Rousseau delimitou idade da natureza, tratando, dos seguintes temas: da liberdade bem regrada;
da educação negativa; da educação sensitiva e da sensibilidade; e, principalmente, da importância
da infância na vida do homem.
Quando a criança começa a falar, o choro que é entendido como uma forma de linguagem
diminui, pois uma linguagem é substituída por outra. Assim, cabe ao educador não mais atendê-la
quando quiser algo e o fizer chorando, a fim de não incentivá-la a agir dessa forma. Rousseau
ressalta que é a partir deste segundo período que a criança começa a se perceber como indivíduo,
realiza sozinha suas primeiras ações: com o desenvolvimento de suas forças pode andar e correr
sem depender de outrem é o começo de sua própria autonomia. Numa época em que a infância
era praticamente ignorada, Rousseau valoriza a importância desta fase para a formação básica do
homem.
Toda primeira educação de Emílio seria realizada na solidão dos campos, esse isolamento
inicial corresponderia à chamada educação negativa. Segundo Rousseau: "[...] a primeira
educação deve ser puramente negativa. Consiste, não em ensinar a virtude ou a verdade, mas em
proteger o coração contra o vício e o espírito contra o erro" (1995, p.91).
Defendia que a ação da criança é que deveria ser incentivada: o exercício do corpo; dos
órgãos; dos sentidos e das forças. Desta forma, o desenvolvimento físico, se transformará em
2 Vive e não tem consciência da sua própria vida.
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instrumento para criança construir o conhecimento posterior. De acordo com Rousseau, essa
educação natural se tornava impraticável num mundo que há muito deixara de ser natural, mas
para que essa educação alcançasse o seu objetivo era imprescindível que o adulto tivesse atitudes
coerentes, pois, as atitudes do adulto serviam de modelo para criança.
Por essas razões que Emilio seria educado no campo, longe dos vícios e dos maus
costumes da cidade. Seria importante que a criança compreendesse o verdadeiro significado das
palavras por meio de ações e de atitudes concretas. Nos termos do próprio filósofo: "[...] vossa
lições devem consistir mais em atos do que em palavras, pois as crianças facilmente e esquecem
do que disseram e do que lhes dissemos, mas não do que fizeram ou do que lhes fizemos"
(ROUSSEAU, 1995, p.101).
Rousseau sugere que a inserção do educando aos conhecimentos mais elaborados se desse
aos 12 anos, "[...] geralmente obtemos com muita segurança e muita rapidez o que não temos
pressa de obter. Tenho quase certeza de que Emilio será perfeitamente capaz de ler e escrever
antes dos dez anos [...]" (ROUSSEAU, 1995, p.128). Assim, a primeira leitura indicada a fim de
contribuir para a formação de Emilio seria Robinson Crusoé, esta obra seria complementar à
passagem da educação natural para a social, nesse sentido, Lazarini (1998, p.77) afirma que:
"Assim sendo, dissipa-se qualquer dúvida sobre um principio fundamental do ideário
rousseauniano: o objetivo da educação é formar e efetivar o homem para a vida em sociedade e
não para a solidão".
A educação negativa se encerraria aos 18 anos, e, o afastamento intencional, com vistas a
formar um homem desarraigado dos vícios e costumes da sociedade corrompida, proposto por
Rousseau se encerraria, dando inicio à idade da razão. Diferentemente do que alguns opositores
afirmam que a sua intenção era de formar um "solitário andante dos campos", entende-se que, a
critica rousseauniana são dirigidas às práticas vigentes em seu tempo. Por exemplo, Rousseau
refutava a competitividade, entendia que os homens deveriam se tornar úteis aos demais
membros da sociedade.
Sendo assim, a educação na infância, segundo Rousseau se torna imprescindível para a
formação do homem. O educador, além de promover atividades que desenvolvam a ação da
criança, deve possibilitar atividades que desenvolvam o raciocínio. Logo, por meio da educação
natural a criança desenvolveria aptidões que efetivassem a sua formação.
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No conjunto de sua obra, Rousseau abordou com fervor a formação do cidadão, acreditava
que o modelo de cidadão objetivado por ele só existiria numa sociedade em que as diferenças
sociais fossem minimizadas. Segundo o autor, era preciso formar um homem com princípios de
benignidade, utilidade e solidariedade, a fim de que atuasse em prol do bem coletivo e do seu
próprio bem.
5. Conclusões
Este estudo fez um recorte da obra Emílio, de Rousseau, com o intuito de refletir sobre a
perspectiva educacional infanto-juvenil. Para tanto, baseado numa perspectiva dialética, buscouse
analisar as idéias de Rousseau em relação aos nexos societários fundamentais da segunda
metade do século XVIII, a fim de não fazer interpretações equivocadas, subtraindo o conteúdo
social das suas premissas.
Sendo assim, pensar em educação na infância, significa refletir sobre a situação em que se
encontram, atualmente, a criança e o adolescente. E, para repensar a educação na infância, é
preciso rever algumas questões fundamentais para o desenvolvimento corpóreo e intelectual das
crianças.
Nesse sentido, este Clássico da Filosofia Moderna oferece parâmetros para aqueles que
atuam nas atividades de ensino relacionadas à problemática da infância e da adolescência. E,
ainda, oferece subsídios para reflexão de que a infância atualmente encontra-se negligenciada,
sendo que, muitas crianças – pobres – ainda trabalham. Percebe-se então, que na atual sociedade
capitalista, poucas crianças e adolescentes usufruem do direito de brincar, de estudar, enfim, de
atendimento específico para suas necessidades.
6. Referências
BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
CERIZARA, Ana B. Rousseau: a educação na infância. São Paulo: Editora Scipione, 1990.
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HAZARD, Paul. O Pensamento Europeu no século XVIII. Lisboa: Editora Presença, 1974.
[p.43 – 266]
HUBERMAN, Léo. História da riqueza do homem. 19. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
LAZARINI, Ademir Q. A Singularidade do projeto educacional de Rousseau. Mestrado em
Fundamentos da Educação. Universidade Estadual de Maringá, 1998. 126 fls
MARX, Karl. A acumulação primitiva do capital. In: O Capital. Crítica da economia política.
Livro Primeiro-volume II. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. [p. 828-885]
OLIVEIRA, A. E. Jean-Jacques Rousseau: pedagogia da liberdade. João Pessoa: UFPB, 1977.
ROUSSEAU, J.J. Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os
Homens.
_____. Emílio ou Da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
_____. Considerações Sobre o Governo da Polônia. In: ARBOUSSE-BASTIDE, P. Obras Jean-
Jacques Rousseau. Rio de Janeiro: Globo,1962 [p.257-343]
_____. Projeto de Constituição para a Córsega. In: ARBOUSSE-BASTIDE, P. Obras Jean-
Jacques Rousseau. Rio de Janeiro: Globo, 1962. [p.181-253]

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