terça-feira, 30 de outubro de 2007

I SEMINÁRIO INTERNACIONAL DIREITOS HUMANOS, VIOLÊNCIA E POBREZA - UERJ - 25 A 27/10-2006.


POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS: SOCIEDADE, ESTADO E LIMITES DE AÇÕES.


Elias Canuto Brandão
Kiyomi Hirose
Maria Aparecida Cecílio



Compreendendo a necessária organização dos movimentos sociais na defesa de garantias de direitos, coordenamos no período de novembro de 2005 a julho de 2006, na Universidade Estadual de Maringá-PR/Brasil, um projeto de extensão dinamizado em oficinas de estudo teórico-prático planejadas e desenvolvidas com participantes do Fórum Regional de Direitos Humanos – FREDH em Maringá e entorno, com a finalidade de fortalecer as entidades que movimentam o sistema de defesa ao usar as ferramentas institucionais e legais, para garantia de vida de diferentes populações, em sua totalidade, populações vulneráveis a violações.
A vulnerabilidade é característica que mescla a condição de vida cerceada pela marginalidade social, política, econômica, e educacional, perpetuando o senso comum que transforma em mito a idéia de que prostituta, homossexuais, populações de rua, portadores de HIV, usuários de drogas, entre outros, é que constitui as populações vulneráveis.
Conhecer as faces da vulnerabilidade, pressupõe a conceituação das concepções de Direitos Humanos, implícitas nas ações da sociedade civil e nas práticas dos poderes públicos, institucionais.
Nessa perspectiva de conhecer as faces da vulnerabilidade, apresentamos as memórias de uma etapa de trabalho com entidades organizadas e mobilizadas mutuamente no processo de formação política, desencadeado em forma de curso de extensão. As entidades assumiram a execução de atividades que reorientaram os participantes nas práticas de garantia de direitos à medida do encontro e da convivência de agrupamentos que, até o período de realização do Curso: Políticas Públicas e Direitos Humanos: Sociedade, Estado e limites de ações, atuavam isoladamente.
As atividades de estudo desenvolvidas durante o curso implicaram na organização e execução de oficinas de estudo sobre o Sistema Nacional de Direitos Humanos e oficinas sobre a atuação de cada entidade envolvida do Fórum, as quais aconteceram nos locais de movimentação e desenvolvimento de projetos de cada entidade, constituindo lócus de saber apropriado ao aprendizado sobre as possibilidades de garantias e os limites das ações frente às políticas públicas de atendimento às prerrogativas de um Estado de Direito e mediante programas governamentais de atendimento temporário. Envolveram a participação de 118 pessoas em 10 oficinas.
Ao circunstanciar as ações civis de garantia de Direitos e o distanciamento dos poderes públicos em relação às ações sociais e políticas, observamos que é a ação civil que promove a inserção social “encarnada” por voluntários, sendo estes em muitas situações, membros das populações atendidas.
O estudo realizado descortina a demanda por acesso a informação, principalmente, de mecanismos de acionamento dos poderes públicos e dos espaços sociais, políticos e institucionais na formação para a cidadania e civilidade, aqui entendidas, como objeto do sujeito de direito subjetivo.
No artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988, os direitos e garantais fundamentais à cidadania e, na emenda de nº 45, temos incisos que justificam a função social da instituição educacional de fazer valer o direito de acessibilidade à informação. Ao considerar os documentos supranacionais referentes à garantia de direitos humanos, como documentos constitucionais, temos ampliado o universo de direitos a serem conhecidos a partir deste artigo.
Na medida do conhecimento a cerca dos mecanismos de funcionamento das estruturas públicas o artigo 5º consolida-se como objeto de estudo inerente à formação cidadã, ao vincular as normatizações nacionais às convenções internacionais, para diminuir o vácuo jurídico permeado por violações de direitos, . Vejamos o inciso LXXVIII, § 3º e 4º :
Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. [...] O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão.[1]

Identificamos nesse dispositivo legal o suporte necessário ao trabalho educacional institucional com o entendimento de que, para a recorrente discussão dos princípios que fundamentam a identidade cidadã, o compromisso das organizações civis promove a ação institucional e legitima os processos de apropriação do conhecimento de direitos, com efetiva garantia do direito de acesso a informação via instituição educacional acadêmica e autônoma na produção e socialização de conhecimento.
É no embate da construção de espaços compartilhados de aprendizagem que as organizações civis personificam as entidades, com sua presença participativa, dando identidade cidadã às lutas por garantia de direitos e, aos valores sociais. Nas palavras de BACCI, 2004:
“Todos os compromissos assumidos em nome dos direitos humanos, pelo Estado, pelas nossas organizações civis e por cada um de nós, valem nada se não levarmos em conta, como primissa, que quem faz a sua promoção e defesa são os defensores dos direitos humanos.”

BACCI, registra esse pensamento na apresentação do Relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, na condição de presidente, por ocasião do II Seminário sobre defensores de direitos Humanos, em Brasilia-DF, em 2004, quando se discute a urgência pela implementação de políticas de proteção aos defensores de direitos e de seus familiares, o que documenta os limites históricos das ações de um Estado de Direito, que deveria, em tese, promover os direitos e mostra-se, no discurso de apresentação do seminário, como o principal violador de direitos, emergindo deste fato a carência institucional de garantia de funcionamento de instâncias deliberativas compartilhadas entre poder público e sociedade civil, para proteção de vítimas e testemunhas.
No sentido de buscar a promoção da proteção aos direitos e aos que vivem a insegurança de praticar a cidadania sem curvar ao poder violador, a proposta da comissão para o debate no seminário, que se registra na ocasião, na apresentação escrita pelo presidente é:
“...a criação de um sistema nacional que, dentro do espírito da indivisibilidade dos direitos humanos, reúna num só programa de Secretaria de Estado, a proteção à vítima da violência, a ampliação e o aperfeiçoamento da proteção à testemunha, além de incluir um subsistema especificamente para cuidar das garantias ao trabalho do defensor dos direitos humanos”.

No debate, o que de evidente é possível observar a partir do relatório final vindo a público, é a violação de garantias pelo Estado. Os operadores do direito, os chamados defensores públicos ou promotores de justiça, tornam-se vítimas, o que limita o reconhecimento civil do poder judiciário como poder defensor da cidadania, seja pela falta de aparatos jurídicos que tornem eficientes os mecanismo de defesas, seja pela incongruência dos poderes institucionais.
O que de fato histórico constitui contradições que descaracterizam o chamado Estado de Direito, mobilizam a população civil organizada, no trato dos direitos. As políticas públicas de ação são limitadas na implementação, por não serem sistemáticas e passíveis de averiguação e acompanhamento social.
A não existência de identidade sistêmica, própria dos poderes institucionais limitam as ações da sociedade civil e do Estado enquanto instituição de organicidade e proteção pública.
Ao compreender o vácuo que persevera entre um limite e outro, identificamos a importância institucional de ocupação educacional como forma de gestão pública das políticas implementadas para garantias de direitos e o estudo dos processos de elaboração de outras.
Objetivando a leitura conjuntural realizada pelas entidades que existem para garantia de direitos, a partir da realidade local do FREDH (Maringá-PR e região), nos colocamos, como cientistas, na função de promover a ciência, a trabalhar as indicações civis do que se entende por compromisso social e por elaboração de políticas de ação coletiva no estudo das concepções de Direitos Humanos e no conhecimento prático que credencia socialmente as entidades na relação com os poderes públicos.
O Coletivo entendido em conformidade com o estudo de ESCÓSSIA e KASTRUP, 2005, como forma de “superação da dicotomia indivíduo-sociedade”, como “co-engendramento e de criação”, consistindo-se em uma superação do pensamento dicotômico pela distinção e prolongamento das idéias que contemplam as entidades e os indivíduos possibilitando a “[...] criação de algo que não está nem em você nem no outro, mais entre os dois”.[2]
Partindo desta concepção de coletivo, a realização do estudo da criação do Sistema Nacional de Direitos Humanos com a orientação do Movimento Nacional de Direitos Humanos, por meio da organização do Regional Sul do Brasil e Coordenação do Estado do Paraná, comprometeu os participantes na sistematização das práticas pedagógicas de seus projetos isolados, alicerçando as sugestões de transposição dos limites comuns às entidades.
Foram identificados junto às organizações civis, os vácuos vivenciados no cotidiano regional e suas implicações na garantia de direitos a cidadania, promovendo o debate de sugestões de superação destes limites por meio de reconhecimento das potencialidades educacionais e políticas das organizações quando existe a solidificação de projetos regionais, estaduais e nacionais.
Mediante o debate de dois dias consecutivos, os relatos de violações e o levantamento de sugestões apontaram para carência de estudos sistemáticos em fórum aberto e em espaço institucional. A institucionalização destes limites, por ato de relatar e publicar, sedimenta o poder de vinculação dos compromissos localizados com o conjunto nacional, introduzindo o que poderia ser chamado de rede civil de Direitos Humanos no sistema educacional, compatibilizando academia e práticas sociais.
Compartilhar as práticas apropriadas no processo de formação durante o Curso de Extensão aqui apresentado, situa o nosso propósito de socializar o presente trabalho como uma possível ação de avanço em direção aos limites fluídos a cada violência que abate a capacidade humana de opor-se diante da tutela de Estado. A título de exemplo, registramos a ação das mães vítimas da violência, que persistem na busca de justiça na dor pela ausência de seus filhos, destituídos do poder de viver, por força policial. Como podemos tomar por referência a luta diária dos que vivem com AIDS e organizados para atender a comunidade infectada e a todos nós, população vulnerável, com constantes reuniões e palestras de educação preventiva e orientação acadêmica, denotando a ocupação estratégica de seus conhecimentos para proteção da vida. Ou ainda, os profissionais do sexo, que durante as madrugadas, visitam seus pares nas ruas, avenidas e estabelecimentos comerciais para orientar cientificamente, por meio de projetos subsidiados financeiramente por órgãos públicos, sobre as formas de proteção, fornecendo cadernos de leitura fácil e preservativos. Como também podemos contar sobre a organização das comunidades indígenas para encaminhar os jovens ao sistema oficial de ensino nas mais variadas áreas do conhecimento acadêmico universitário, mobilizando a população urbana. Ainda temos a dizer que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, organizados no setor de educação, fazem a gestão de Curso de Agroecologia em espaço público, conveniados com a Universidade Federal do Paraná e Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Paraná, para produção de alimentos sem uso de agrotóxico e formam seus estudantes de forma integrada no ensino técnico e regular médio. Dentre outros exemplos, temos as Associações civis que atendem pessoas com deficiências que no Brasil, não são reconhecidas no Sistema Educacional como de responsabilidade financeira integral do poder público.
Poderíamos dedicar páginas para exemplificar o que representou uma única ação de compromisso coletivo entre entidades e instituição na promoção de formas de acessibilidade de informações sobre proteção de direitos. Seria confortável descrever uma a uma em detalhes, mas o que temos a socializar imprime no presente texto o chamado ao debate das políticas públicas no meio acadêmico como prática educativa na formação de professores e agentes sociais atualizados. A formulação de diretrizes para educação em direitos humanos, que possibilite a atuação do meio acadêmico, encontra-se implícita nas declarações sobre direitos humanos dos presidentes do MERCOSUL e Estados Associados desde de 2005, justificadas na reafirmação de compromissos internacionais desde de 1948 com o seguinte texto:
Subrayan la importortância de lãs jornadas mercosurianas “Memória Verdad Y Justicia” realizadas em la cuidade de Montevideo el dia 16 de noviembre de 2005 sobre lãs graves, masivas y sistemáticas violaciones de Derechos Humanos ocurrridos em muchos de los países de la región em lãs décadas precedentes, y subrayan que constituye um derecho coletivo de nuestras sociedaddes el conocer la verdad acerca de lo ocurrido.

As relatorias nacionais da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais contextualizam que
“..a educação como direito humano é um tema novo sob o ponto de vista do seu conceito. A literatura trata muito mais do tema da Educação para o direito humano e muito pouco sobre o tema da educação como direito humano. Conceber a educação como direito humano diz respeito a considerar o ser humano na sua vocação ontológica de querer “ser mais”, diferentemente dos outros seres vivos, buscando superar sua condição de existência do mundo. Para tanto, utiliza-se do seu trabalho, transforma a natureza, convive em sociedade.

As relatorias de 2004 e as declarações do MERCOSUL de 2005, permeiam pauta nas dificuldades e avanços para exigibilidade dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais e na fragilidade dos sistemas e mecanismos de proteção dos direitos e apontam para os impactos dos projetos localizados e para ausência de uma cultura de direitos e responsabilidade. É mediante este contexto que nos colocamos a estudar as concepções de direitos humanos, correntes e históricas, pressupondo estar participando da jornada cultural de manifestação de compreensão das teorias a serem conhecidas para explicitação de conceitos de trabalhos de proteção de Direitos.

BILBIOGRAFIAS:
RODRIGUEZ, Maria Elena (org). Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais. Relatorias Nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais. Rio de Janeiro, 2005.

BACCI, Enio.Apresetnação. In: II Seminário sobre Defensores de Direitos Humanos no Brasil: relatório. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2004.

DECLARAÇÃO SOBRE DIREITOS HUMAMOS DOS PRESIDENTES DO MERCOSUL E ESTADOS ASSOCIADOS. Montevideo, 2005 – impresso.

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988 – texto constitucional de 5 de outubro de 1988 com as alterações. Brasília: Câmara dos Deputados. Coordenação de Publicações, 2004.

ESCÓSSIA, Liliana da e KASTRUP, Virginia. O conceito de coletivo como superação da dicotomia indivíduo-sociedade. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, V. 10, n. 2, p. 295-304, maio/agosto de 2005.
[1] Publicada no Diário Oficial da União de 31 de dezembro de 2004, p. 9-12.
[2] Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v.10, n. 2, p. 295-304, maio/agosto de 2005.

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