terça-feira, 30 de outubro de 2007

HISTEDBR - 2004 - UEM


A UNIVERSIDADE:
O OLHAR DE ÁLVARO VIEIRA PINTO

ISNB 85-86941-39-5



Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva-UEM
Profª Kiyomi Hirose-UEM
Profª Luci Frare Kira-FAFIMAN/UNIMEP
Profª Drª Maria Aparecida Cecílio-UEM

EIXO 3

TRAB. 4 E 9

As opiniões de Vieira Pinto acerca da dinâmica da universidade permitem-nos buscar elementos para uma análise sobre a educação universitária no período dos anos sessenta, cuja articulação não foi apenas na reflexão sobre a criação da universidade, mas seus trabalhos pontuam a respeito de um projeto de universidade com engajamento de políticas de educação pública, a respeito da questão do trabalho, da questão cultural, e acima de tudo da democracia na educação. Não é somente o enfoque sociológico/histórico que transparece em seus trabalhos, mas também, o pedagógico. Trata-se da dinâmica da educação brasileira em consonância com a economia do país, que estava movida pelo avanço industrial, e também com o caráter público da universidade.

Usaremos como pano de fundo o seu livro A questão da universidade, 1961[1], publicado num momento pré-revolucionário, quando ele se posiciona como um revolucionário das idéias, contra o conservadorismo imposto pelos grupos dominantes naquele momento histórico. Ele tem como maior tese, e que procura defender ardentemente, nesta obra, a de que “a luta pela reforma universitária tem de travar-se muito mais fora do que dentro da universidade” (1986, p.61).

Foi um dos pensadores, colaboradores e fundador do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), considerado por muitos com uma “fábrica de ideologias”, sendo fechado no Rio de Janeiro pelo golpe de 1964. Era um espaço no qual famosos filósofos, historiadores, sociólogos e críticos literários concebiam o povo como entidade que extrapolava as classes sociais, que incluía trabalhadores, sem dúvida, mas também camponeses e grande parcela da classe média, da burguesia, do empresariado, e da intelectualidade nacional. O “povo” [...] “como massa amorfa, sem valor intelectual, simples força de trabalho braçal , era visto como a grande união de todos que lutavam pela emancipação do país” (1994, p.81).

Saviani (1985, 1994, p.07), ao apresentar a segunda edição do livro de Vieira Pinto, nos fala da coragem desse intelectual na luta, de certo modo agressiva, contra o elitismo, o conservadorismo, o arcaísmo e a alienação das estruturas universitárias a serviço da dependência cultural imposta pelos interesses da classe dominante da sociedade.

Percebemos no início do livro, a sua grande questão com relação à reforma universitária no país, que naquele momento histórico, a sociedade lutava grandemente também por outras reformas de base social. Ele nos leva a pensar, nos caminhos das batalhas já percorridas em busca das questões da universidade, numa etapa importante da história da educação e da economia brasileira, e também, nas relações importantes existentes entre sociedade e universidade, o que não deixa de ser um componente social de suma importância para o povo brasileiro, carente de qualificação profissional.

Ele descreve de “universidade”, naquele momento, como um grande número de instituições e organizações escolares, sem dizer, no entanto, as diferenças existentes entre elas e afirma que a universidade é uma entidade ou nada mais que um conjunto de estabelecimentos de ensino.

A respeito dos docentes, o autor procura tratar de maneira coletiva, referindo-se à capacidade intelectual e à idoneidade moral dos professores universitários. Ele achava que se tornava necessário “ajudar, pela crítica sincera e sem ódios pessoais, a construir a verdadeira universidade de que o povo brasileiro necessita, como de um dos mais importantes instrumentos para a conquista de sua cultura, riqueza e liberdade” (1994, p.10) .

A década de sessenta, é chamada de momento pré-revolucionário, no qual as camadas populares estão se convencendo de que só a ascensão social fornecerá caminhos para serem realizadas as reformas que consideram urgentes. Essas camadas não projetavam nenhuma revolução violenta, desde que a classe dominante realizasse os seus objetivos e as mudanças possíveis na sociedade, entre elas, a reforma da universidade tradicional do país.

Vieira Pinto (1994, p.13) analisou a questão da reforma universitária, enfatizando que:

É, portanto, num quadro desta espécie, numa sociedade em esforço por superar o subdesenvolvimento secular, visto haver descoberto as causas desse estado e se apoderado, na consciência de suas massas, das idéias indispensáveis para criar a força social capaz de realizar a mudança projetada, é nesse quadro que se apresenta o problema da reforma da universidade. É de fundamental importância que, desde o primeiro momento, se coloque o problema sobre esse fundamento, do contrário cairíamos nas velhas, pedantes e fúteis discussões acadêmicas sobre planos para melhorar o ensino superior, leis de reformas, e tantos outros divertidos e inofensivos debates, de que se encarregam alguns pitorescos cavalheiros, com altos cargos no Ministério da Educação ou cátedras nas escolas rotineiras, que julgam abrilhantar com a sua presença. O problema agora não somente é outro na essência, como se estabelece em circunstâncias outras: trata-se de discutir a questão da reforma da universidade na fase pré-revolucionária, atualmente vivida pela sociedade brasileira.


As palavras do autor são permeadas de idéias que nos levam a indagar: Por que tantas reformas estruturais se não tínhamos uma política pública para o ensino superior no país? O que se apresentou e continua a apresentar são as estratégias de controle social pelo Estado.

Vieira Pinto ao escrever sobre a questão da universidade levanta problemas que nos ajudam a (re)pensar sobre a importância dos estudantes se organizarem[2], na luta ao acesso à universidade. A organização dos estudantes tinha um significado que extrapolava a questão universitária, pois pertencia à paisagem sociológica da nação, pelo embate social, que naquele momento histórico, faz da UNE uma instância de tomada de consciência dos estudantes quanto ao avanço das idéias e atitudes imperialistas. A leitura de Vieira Pinto orienta na elaboração de um paralelo com a nossa realidade, de 2004, nas universidades, quando observamos que o estudante não se mobiliza, de modo consciente, para lutar por questões ideológicas, políticas, econômicas, sociais, qualidade do ensino, qualidade dos docentes, pesquisa e extensão. Notamos que a luta está sendo realizada somente por docentes, que reivindicam, preferencialmente para a melhoria salarial, transformando-se em operários da educação.

Vieira Pinto (1994, p.13), sobre o movimento da reforma universitária realizada pelos estudantes, dizia:

Eis por que são os estudantes - e não os professores – que assumem o comando da luta social por essa reforma, pois apenas eles constituem o instrumento capaz de levá-la a efeito, e igualmente são, pela práxis que possuem, a origem das idéias que devem servir para formular tal reforma. Isto se dá porque os estudantes, no embate público entre a parte decadente, embora ainda dominante, e a parte emergente da sociedade, tendem necessariamente a se identificar, como a coletividade, no país atrasado, às forças sociais ascendentes, e, de modo muito especial, em vista de suas qualificações intelectuais, formar naturalmente as fileiras da vanguarda de tais forças. Explica-se, assim, que sejam os estudantes, e não os docentes, os que se inquietam em promover o movimento que terá por desfecho a reforma universitária.

A universidade, segundo o autor, tinha um sofrido papel na representação das forças sociais decadentes. Portanto, “tinha de caber à universidade do país atrasado e em regime de colonização imperialista, ser o principal instrumento da alienação cultural inevitável em tal fase histórica” (1994, p.14).

Para Vieira Pinto (1994, p.14), a alienação era clara:

Fabricar doutores era a sua natural e única função, cumprindo-a a contento. A universidade não era motivo de reclamações, porque os poucos que a procuravam sabiam antecipadamente que nela conseguiriam entrar e encontrariam o ensino que os habilitaria ao que desejavam ser.

A universidade muda a sua concepção elitista. Passa a ser procurada por enorme contingente das classes populares, que desejavam ter conhecimentos que os preparassem para o futuro mercado de trabalho. O ponto principal identificado no movimento estudantil foi a atuação das Instituições do Ensino Superior (IES) quase nula no progresso, sua inadequada correspondência às exigências que o país fazia com relação à mão-de-obra qualificada. Como sabemos, o país estava em grande processo de industrialização, principalmente pela entrada das multinacionais.

A construção de um novo significado para a reforma da universidade, naquele momento, era muito importante, mas em muitos aspectos, por mais útil que fosse, era secundário. Tinha que haver uma grande transformação social:

Trata-se de transformá-la na essência, isto é, de fazê-la deixar de ser um centro distribuidor de alienação cultural do país, para convertê-la no mais eficaz instrumento de criação de nova consciência estudantil, direta e exclusivamente interessada em modificar a estrutura social antiga e injusta, substituindo-a por outra, humana e livre. (1994, p.15),


Nesse momento, a reforma da universidade não é apenas um trabalho de natureza jurídica, pedagógica, institucional, como diz o autor. Era preciso haver mudança e transformação da sua essência e da realidade sócio econômica e política em que estava inserida. Percebemos, em outro comentário do autor, com relação à reforma da universidade em um país subdesenvolvido. Era necessário sair da submissão dos países imperialistas que o impediam de crescer e progredir, e de produzir uma cultura própria, independente. E, acima de tudo, era preciso formar uma consciência política. Assim, entendia que, sem a grande união dos estudantes com outras forças progressistas, como os camponeses e os operários, igualmente em luta, não haveria reforma universitária e vice-versa, com relação à luta dos camponeses e dos operários contra a estrutura desumana e colonial.

Na análise sociológica do autor, para orientação política dos estudantes, entendemos a definição da essência da universidade no Brasil, naquele momento como:

universidade é uma peça do dispositivo geral de domínio pelo qual a classe dominante exerce o controle social, particularmente no terreno ideológico, sobre a totalidade do país. Se tal é a essência da universidade, desde logo se vê que o problema de sua reforma é político e não pedagógico” (1994, p.19).

O autor continua a sua elaboração crítica, agora, referindo-se aos pedagogos, questionando o porquê de ignorarem os jovens que estão fora da universidade. “Por que motivos são estes, e só estes, os alunos que a sociedade envia à universidade?” (1994, p. 21). Assim, a reforma universitária deveria buscar informações junto àqueles que não tiveram acesso à universidade. Neste raciocínio, enfoca duas questões pertinentes: “Que relações há entre universidade e o restante do dispositivo de domínio da classe dominante? E, que relações há entre a universidade e o país, como totalidade?” (1994, p. 24).

Para discussão da essência da universidade, o autor cita sete características das relações entre as opressões internas e de submissão externa. Quanto à primeira característica, a universidade “representa o instrumento mais eficiente para assegurar o comando ideológico da classe dirigente, porque a ela incumbe a produção dos próprios esquemas intelectuais de dominação” (1994, p.25). Nesse eixo de compreensão vê que a “classe dominante solicita da universidade acima de tudo as idéias que justifiquem o seu poderio” (1994, p.25), destaca que ”a classe dominante produz a universidade para que esta produza os sociólogos e juristas que defendam aquela classe” (1994, p.26). A segunda característica é que a “universidade assegura a colocação dos elementos intelectuais ociosos da classe dominante”, e afirma ainda “de todas as acusações que se possam assacar contra a universidade só uma não é verdadeira: a que a incrimina de ineficiente. Considerada a sua real estrutura, sua relação com o sistema de forças sociais a que serve, a universidade brasileira é, ao contrário, maximamente eficiente, pois produz com perfeição os resultados que dela se devem esperar, dada a sua natureza”. (1994, p.27). Na terceira característica ressalta que a “universidade organiza o cartório para o reconhecimento das funções proveitosas aos interesses da classe dominante. Sua natureza cartorial é evidente, pois a ela compete o Registro de Títulos e documentos doutorais, indispensáveis à admissão em certa camada na sociedade” (1994, p.28).

A quarta característica é a de que a universidade “absorve e amortece o surto da consciência popular, representada pelo elemento estudantil descomprometido com os poderosos” (1994, p.29). Quanto à quinta função, “a relação com a classe dominante, naturalmente a mais forte economicamente, se manifesta neste importante papel exercido pela universidade: o de conservar parte substancial dos recursos públicos do país em poder dessa mesma classe” (1994, p.29). A sexta função eminente da universidade consiste “em formar os representantes políticos da classe dominante” (1994, p. 31). Na sétima e última característica, podemos observar os serviços eficientes que a universidade presta aos grupos dominantes: “o mais grave é que a universidade incute no espírito do aluno a idéia de que a aquisição da cultura destaca o povo. Por isso, a instituição expulsa o povo do direito à cultura” (1994, p. 33).

Revisando tais características e funções da universidade, ela se impõe como um grande instrumento de manipulação pelas classes dominantes sobre as classes populares, utilizando-se da educação e da cultura popular como forma de opressão e submissão à sua ideologia.

Para o autor, um aspecto essencial é o caráter de processo que a cultura possui e, outro é o de que nas sociedades divididas em classe a cultura tem necessariamente base de classe: “é evidente que assim há de ser, pois se a cultura está ligada, pelo trabalho e pela ação, às relações do homem com a natureza e com os outros homens” (1994, p.40). Comenta que “a universidade do país subdesenvolvido é necessariamente inculta” (1994, p.41). Para Vieira Pinto, ela é inculta pelo duplo sentido:
é inculta porque nela não há condições para engendrar, mesmo em parte, a verdadeira cultura, dada a situação de classe da maioria dos que a teriam, por hipótese, de produzir; e segundo, mesmo que houvesse tais condições, a repercussão intelectual da universidade, fazendo-se em um meio social dividido, não alcançaria o povo em geral e, portanto, daria ao produto, mesmo suposto intencionalmente autêntico, saído das instituições universitárias, cunho falso, timbre estranho e irreconhecível pelas massas” (1994, p.42).

Como conseqüência dessa forma de ser, a universidade sempre se comporta de maneira submissa aos encantos do imperialismo, mesmo havendo muitos mestres com idéias contrárias. Este fato é bem claro no período do acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID)[3], quando o governo brasileiro solicitou à instituição estrangeira ajuda para engajar, mesmo que parcialmente, aos interesses culturais e ideológicos do imperialismo, via ensino superior. O acordo se deu por meio cooperação financeira e assistência técnica, objetivando a modernização e o assessoramento para a própria administração pública. Isto, em linhas gerais, mais tarde, configurou a base da proposta da lei da reforma do ensino superior no país, que culminou com a Lei Federal nº 5540/68.

Ainda, em relação ao domínio imperialista, Vieira Pinto (1994, p.45) comenta:

Este mal é inevitável, enquanto persistirem as atuais divisões sociais, pois é evidente que agentes dos interesses internacionais, sabendo do indiscutível prestígio da universidade e do seu papel na formação da mentalidade das novas gerações intelectuais do país, tudo farão para se introduzir nesse centro vital e influir nele ao sabor dos seus desígnios. É o que observamos na pressurosa atenção com que se volta para os institutos e órgãos do ensino superior a solícita e generosa colaboração das fundações estrangeiras, o oferecimento do envio de “missões” e “especialistas” para reorganizar o nosso ensino, o despacho de pedagogos para os nossos institutos de pesquisa educacionais e tantas outras modalidades de infiltração imperialista, todas com o fim de impedir que as nossas universidades adquiram a única autonomia pela qual nunca se interessaram, a de ser expressão dos exclusivos interesses da cultura e da economia brasileira. A tarefa de tais emissários externos é extraordinariamente facilitada pelas condições intrínsecas, próprias e inevitáveis do nosso subdesenvolvimento e pela dependência geral do país.

Vieira Pinto afirma a inexistência de um passado universitário e como conseqüência, permite-se criar com liberdade, assim que houver condições sociais para isso, a nossa própria universidade, sem precisar ficar nos espelhando nas idéias importadas, que nem sempre se encaixam nos interesses sociais e políticos, pois não estamos ligados a qualquer tradição. A propósito do problema dos valores, podemos citar dois grandes aspectos da universidade que são de extrema importância para o autor: “sua inevitável função social conservadora, e a peculiar natureza das questões ligadas ao provimento de suas cátedras” (1994, p.48).

Na análise que produziu sobre a questão das classes sociais, Vieira Pinto (1994, p.51) destaca alguns pontos importantes. O primeiro: “que classes compõem a universidade? A burguesia, classe dominante na sociedade brasileira, em geral, é igualmente dominante na universidade”. Outro aspecto que merece destaque é que num país, no qual a universidade é um instrumento de controle das camadas sociais espoliadoras, a própria autonomia mostra-se prejudicial aos interesses do povo, pois auxilia a manter distância entre o controle social e as classes trabalhadoras. No olhar do autor, “só se admitirá a autonomia da universidade quando esta pertencer ao povo” (1994, p.53).

Outro aspecto que merece destaque é o ingresso na universidade. O vestibular, para o autor, não atua como um exame, mas como uma agressão à inteligência do candidato. Quando o aluno não passa nos exames, a culpa e a responsabilidade são do candidato, que foi mal preparado, em conseqüência da formação do seu professor, que também foi mal preparado.

E, quando o candidato vinga a sua vaga, estando dentro da universidade, ele tende a seguir um dos dois aspectos ou tendências contraditórias que a instituição apresenta: ou ele se une à classe dirigente do país, ou ele se alia como membro militante, à classe trabalhadora. O autor observa com orgulho que, mesmo o aluno estando submetido a essas duas tendências, a sua grande maioria ainda opta por uma ação de luta em defesa das massas exploradas e contra os grupos de exploradores. Vieira Pinto, procurou acreditar que as exigências e a grande luta dos estudantes naquele momento da reforma universitária, fossem muito além dos prédios universitários, porque ele acreditava e queria que os alunos acreditassem que a maior luta pelo ensino superior deveria acontecer fora das instituições.

A seguir, Vieira Pinto (1994, p. 61,62) fala, nas entrelinhas, que a grande maioria dos professores e a da parte administrativa das universidades é formada por indivíduos alienados e procura explicar de forma clara e objetiva como os estudantes e a sociedade deveriam se comportar diferentemente diante da reforma universitária. Assim diz ele:

[...] a reforma tem de ser feita de fora para dentro, por via política, e por força do potencial social adquirido pela classe estudantil nas suas ações de rua, na participação progressiva em todos os grandes problemas que dividem a opinião pública, enfim, numa luta cujo palco é muito menos a aula que o comício.
[...] A classe professoral, como sabemos, não existe por si, com seus ruinosos efeitos sobre o processo do nosso desenvolvimento, mas existe por outra, a camarilha financeira e as altas cúpulas políticas, que favorecem a indolência cômoda ou a agitação estéril dos personagens docentes.
[...] Os estudantes devem, pois, compreender que de um lado são forçados a se opor aos professores estacionários e obscurantistas, aos diretores obtusos e façanhudos, aos reitores pomposos e ineficientes; mas de outro lado , sabem que não devem esperar grande coisa dessa luta.
[...] Sua luta tem de ser em grande parte indireta, e só em reduzida fração se trava no interior da universidade, sobre assuntos ou casos episódicos ocorridos. A pregação da reforma universitária tem de ser feita ao povo, como aliás a das demais reformas exigidas pelo país, e não aos eruditos catedráticos que nela só vêem um motivo de perturbação do sono.

A luta dos estudantes diz respeito não apenas à reforma e a transformação da universidade, mas a uma transformação geral da sociedade porque, entendiam eles, que a universidade era apenas um caso particular nesse contexto social e que, sozinhos, jamais conseguiriam forças suficientes para lutar contra a classe dominante; portanto, deveriam se unir aos outros setores da sociedade. Com a política estudantil da UNE, o estudante brasileiro poderia assumir um papel e tomar consciência do seu papel político e social na luta por um ensino e por uma sociedade mais justa. Nessa luta, a classe dominante se sentiu ameaçada por um exército inimigo, formado por estudantes e trabalhadores. Lança mão de violentos recursos “a violência física”, já que ocorreram agressões a eles, proibindo-os de fazerem atos públicos e culturais, e a “propaganda ideológica”, declarando que “o estudante só deve estudar”. Numa perspectiva histórica reformista, no Brasil dos anos de mil novecentos e sessenta, onde existiam condições para essa violência estrutural e dominação das forças econômicas exploradoras, a escola formal superior, se tornava desnecessária aos interessantes dominantes. Contraditoriamente, poderia formar exércitos de jovens esclarecidos e com espírito político, para combater o estado de exploração.

Diante deste contexto de execução da reforma universitária, os questionamentos levantados pelo autor equacionam a problemática da reforma com as seguintes indagações: “para quem”
é preciso fazer a reforma? “Que universidade” se deve ter? E, finalmente, como “organizá-la”? Nas palavras de Vieira Pinto, a universidade sempre foi instrumento ideológico das classes dominantes e está organizada também em função de uma pedagogia ideológica, o que não deixa de ser um dos fenômenos de superestrutura da classe dominante.

Para estes, o ensino superior deve sempre satisfazer os interesses e as necessidades da modernidade. E, para as massas, representadas pelos alunos, a cultura passa a ser instrumento ideológico. A universidade, para a classe dominante, serve para a perpetuação da sua ideologia e, para as massas, nada mais é que um caminho de ascensão histórica. A classe dominante está preocupada com a organização interna das universidades, com gigantescas e modernas construções, menos com o mais importante: o caráter ideológico para as mãos das massas trabalhadoras, que são a maioria dos alunos.

Para Vieira Pinto (1994, p.77),

A essência da reforma universitária é impedir a reprodução da classe dominante, a qual tem na universidade sua fábrica mais importante, no que se refere aos expoentes intelectuais.
[...] Não haverá reforma da universidade sem interrupção do processo de auto-reprodução da classe dominante, pois esta sustenta, e sustentará a universidade, para que fabrique nova geração da mesma classe dominante.
[...] A classe dominante, num país em processo de acelerado desenvolvimento, precisa cada vez mais da colaboração dos técnicos.

Vieira Pinto (1994, p.73) apontou duas alternativas da reforma universitária: “deve a universidade continuar a servir aos interesses da atual classe econômica e politicamente dominante”, ou deve “se organizar em função dos interesses das classes trabalhadoras, ainda não dominantes, mas em inevitável ascensão”.

Uma dualidade de definição sociológica existente no ensino superior é identificada como reducionista e atribuída aos pedagogos[4], que coordenavam o ensino humanístico e tecnológico. Para o ensino tecnológico, o fim era criar cargos e trabalhos eficientes; para o ensino humanístico, seria a ocupação de cargos ociosos na universidade e fora dela. A reforma deveria se constituir em mudança de seus conteúdos de classe, a fim de deixar as massas ingressarem. O autor faz a seguinte pergunta, nesse momento: “Por que existe hoje realmente a exigência da reforma da universidade? Responde ele: É porque forças externas atuam criando a premência de uma reforma da instituição. Ora, tais forças só podem ser as massas trabalhadoras” (1994, p.80).

Para Vieira Pinto (1994, p.81), é preciso discutir a seguinte questão:

Só há uma reforma desejável e só por ela têm os estudantes de lutar, a todo custo: a que abra a universidade a todo o povo, substitua os grupos nela dominantes por outros identificados com os interesses das classes trabalhadoras e organize o grau mais alto do ensino, não como morada de uma aristocracia do espírito, mas como a grande e limitada região onde habitam as gerações novas em sua totalidade, na fase em que se preparam para o trabalho fecundo.
[...] Para saber como será a universidade é preciso antes decidir para quem será a universidade. Esta é a formulação do problema que os pedagogos administrativos recusarão com horror. No entanto, é a primordial e verdadeira questão a discutir.
[...] Só quando as massas estiverem em condições, pela sua participação no poder político, de aspirar à plena cultura espiritual a que têm direito, será possível realizar a verdadeira reforma da instituição.


Nessa linha de raciocínio, competia à massa estudantil refletir, em seminários nacionais, a questão relativa aos seus futuros profissionais, pois é inútil esperar que o corpo docente auxilie convenientemente os alunos para seu ingresso no mercado de trabalho. No seu entendimento, a classe docente jamais deveria participar da reforma, pois passaria a sua cultura e não a cultura do povo. Nesta reflexão, o autor (1994, p.90) aponta que “a classe professoral ensina ‘o que sabe’, mas aí está exatamente a sua fatal deficiência; pois isto ‘que sabe’ aparece como o ‘não-saber’ do ponto de vista daqueles que compreendem que deveriam estar aprendendo coisa diferente do que lhes ensinam”.
Sem objetivos, reais e falsos, os estudantes perderiam muito tempo em discussões sem fundamentos para aquela situação, quanto à emancipação do país. Assim, os “objetivos enganosos”, segundo Vieira Pinto (1994, p.92), “eram os de reformar as relações da universidade com o aparelho de domínio social, quando o que se precisava fazer primeiramente era reformar as relações entre a universidade e o restante da realidade do país”. A universidade não mudaria de essência porque mudou de organização, mas porque mudou de conteúdo de classe.

Vieira Pinto (1994, p. 94) explicita que o
objetivo verdadeiro da reforma universitária teria de ser a alteração das relações externas da universidade, desligando-a da vassalagem à classe dominante e pondo-a completamente a serviço do povo, enquanto massa trabalhadora. É uma mudança qualitativa. Diz respeito à essência da universidade. Consiste numa verdadeira democratização da universidade, que se confundirá com a cultura do povo, apenas se distinguindo por ter como tarefa estabelecer o centro diretor da educação das massas.

É importante reter as propostas formuladas pelo autor, apesar da aprovação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei federal nº 4024/61), por ter sido “um projeto insuficiente, frustro, alienado, desviador. [...] Nada havendo a esperar do setor professoral e dos grupos políticos atuais a quem servem, que devem então fazer as forças estudantis realmente renovadoras?” (1994, p.95). Como plano de ação imediata, entende que os estudantes, apoiados pela UNE, promova seminários nacionais e a partir deles, criar uma comissão composta exclusivamente por estudantes que elabore o projeto da reforma do ponto de vista do próprio estudante. “os estudantes, sabendo que tal projeto é político por essência, e só se poderá cumprir por via da transformação geral da sociedade, deverão organizar-se como força política para levar a cabo o seu projeto, mediante intensa luta social” (1994, p.96). Devem constituir-se em grupo de pressão social, que levarão aos parlamentares interessados no problema, as suas sugestões. Constituir sólida unidade das forças estudantis. A reforma universitária, não pode ser desvinculada da reforma agrária, bancária, administrativa, urbana. Não existe, por conseguinte, o problema da reforma universitária, mas o da reforma da sociedade, a qual se manifestará, num de seus aspectos, como surgimento de nova espécie de universidade. Para o autor (1994, p.97), “compete, pois, aos estudantes atuar como poderosos agentes de entrelaçamento das diversas forças sociais em combate por reformas em todos os setores da realidade [...] para realizar a sua própria reforma – a universitária”.
Vieira Pinto, nesta obra, se ateve apenas aos aspectos sociológicos das questões relativas à reforma universitária, sem abordar qualquer questão pedagógica. Para ele, cabe aos estudantes, e somente a eles, utilizarem o instrumento de diretrizes políticas que se materializem numa verdadeira reforma universitária. Citamos ainda cinco medidas propostas por ele, relativamente à pratica da reforma: 1 Cogoverno: para o autor isto parece ser essencial, para marcar a mudança qualitativa na essência da universidade. A democratização da universidade deve exprimir-se no estabelecimento do cogoverno docente-discente em todas as instâncias decisórias. 2 Supressão da trincheira do vestibular. 3 Universidade do povo - a universidade não constitui o término do processo educacional, mas se identifica com esse mesmo processo, em totalidade, como centro organizador da atividade pedagógica, devendo se construir o processo da educação de forma a não se apresentar como esfera celeste inacessível, mas a distribuí-la a todo o povo. 4 Luta contra a vitaliciedade da cátedra. 5 A última medida, deve ser o entrosamento das instituições de ensino superior com os centros sociais de produção, como fábricas, fazendas etc.

Para o autor, quando todas essas medidas forem realizadas pela luta dos acadêmicos contra a classe dominante, a universidade teria condições de assumir o seu papel político no processo educativo do povo brasileiro. Quando houver união do processo político, com a evolução cultural do povo brasileiro, só assim se determinará o desenvolvimento do Brasil.

A este respeito Vieira Pinto (1994, p.102) nos fala:

Assim sendo, criar, difundir e reger a cultura será função política da universidade, a qual se terá identificado, pelo trabalho profícuo que realizará, com a consciência dos líderes populares, então autênticos, os quais, como as massas em geral, encontrarão seu lugar natural na universidade, tornada assim, daí em diante, um bem de todo o povo.

Finaliza dizendo que os bens mais importantes para o povo brasileiro devem ser a liberdade unida à identificação da universidade com a sociedade, que deve ser o principal objetivo da reforma da universidade.




REFERÊNCIA

VIEIRA PINTO, Álvaro. A questão da universidade. 1ª ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1986.

______ A questão da universidade. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 1994.




BIBLIOGRAFIA DE APOIO

BRASIL. Relatório da equipe de assessoria ao planejamento do ensino superior (Acordo MEC-USAID). Ministério da Educação e Cultura. 1969.

FREITAS, Marcos Cezar de. Álvaro Vieira Pinto: a personagem histórica e sua trama. São Paulo: Cortez: USF-IFAN, 1998.



[1] 1961, Vieira Pinto escreve um manual com cinco teses de orientação política aos estudantes, pela editora da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em 1986, publicado como livro, com o título “A questão da Universidade”, pela Editora Cortez: Autores Associados, 1ª edição e em 1994, a segunda edição.
[2] Observamos que a criação da União Nacional dos Estudantes ocorreu por ocasião do 1º Conselho Nacional de Estudantes, em 11 de agosto de 1937, como um órgão da Casa do Estudante do Brasil, que passou, no ano seguinte, a ter autonomia, organizando-se, com o passar dos dias, no principal órgão representante dos estudantes mais politizados do Brasil.
[3] Para maiores informações deste acordo, ver Relatório da equipe de assessoria ao planejamento do ensino superior – EAPS (acordo MEC-USAID), publicado pelo Ministério da Educação e Cultura, 1969.
[4] Os pedagogos, neste período, eram os técnicos que organizavam a grade curricular do ensino.

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