terça-feira, 30 de outubro de 2007

SIMPÓSIO DE FILOSOFIA - UNESP - MARÍLIA/SP

ALCA E EDUCAÇÃO: direitos intelectuais?


Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva
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Profª Drª Maria Aparecida Cecílio
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Nos movimentos do governo norte-americano nos anos de 2002 e 2003, observamos que as estratégias para anexação ao projeto da Área de Livre Comércio (ALCA), uma proposta de integração comercial de todos os países das América, com exceção de Cuba, amenizam as políticas agressivas ao Chile e ao México. Será em função da aproximação desses países com o Mercosul1?

Até dezembro de 2003, a presidência do projeto da ALCA agenciou com todos os setores de produção: primário, secundário e terciário. Entendemos que a educação abarca todos esses setores. A cartada evidente, agora, é investir na pauta da agricultura e os direitos intelectuais.

A agricultura por representar a manutenção alimentar como referencial mundial e por alavancar o controle de subsídios desenvolvidos pela Comunidade Européia (CE) a seus produtores, no ano de 2002. O enfrentamento europeu ao poderio econômico norte-americano desequilibrou o comando desse governo junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). Os europeus que sempre resistiram à derrubada do protecionismo agrícola contaram com a parceria do Japão, que vem adotando posições cada vez mais duras em relação aos cortes de tarifas propostas, para exportação de produtos, bem como a redução do suporte financeiro doméstico aos produtores agrícolas, sempre que distorçam o comércio. Essas posições forçaram a cúpula do projeto da ALCA a reordenar a posição política deliberadora que imperou até então, acentuando a antecipação dos encontros para acordos de anexação, de modo a acalentar os Tigres Asiáticos2 diante do confronto com Comunidade Européia.
No âmbito do controle da propriedade intelectual, a posição dos Estados Unidos da América (USA) demonstra seu potencial monopolizador até mesmo no setor da saúde pública. As regras de patentes da OMC são reforçadas pelas estratégias dos USA frente à Organização das Nações Unidas (ONU) nas alianças protecionistas e na ação de monopólio, como na aliança USA e Índia para não liberação de medicamentos genéricos, tendo como conseqüência um genocídio, que os meios de comunicação parecem banalizar, naturalizando-se os fatos.

O Brasil, através do Ministério da Saúde, desafiou a quebra da patente pelo direito à produção de genéricos para o tratamento de portadores do vírus do HIV, conquistando o direito de defesa à vida dos portadores dessa síndrome. Relembrando que, no final de 2001, em Doha, Qatar, Continente Africano, o nosso país conseguiu emplacar sua tese de que o respeito às patentes não pode servir de empecilho para produção de remédios desrespeitando as patentes, mas em defesa à qualidade e respeito do direito à vida.

A acirrada posição exponencial assumida pela cúpula dos USA frente à ONU e OMC teve, no ataque ao Iraque (2003), a máscara de articulador transformada com a face de ditadura, conquistando desafetos por todo o mundo, para além da OMC, da CE, também, manifesta-se na crise com a Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN.

Hobsbawm, historiador britânico, em entrevista concedida ao jornalista Cassiano Elek Machado, na cidade do Rio Janeiro para o jornal Folha de São Paulo, 31.07.2003, não olha com otimismo os próximos anos, afirmando que os Estados modernos estão definitivamente perdendo nas últimas três décadas, o controle da violência em seus territórios e que é um processo que está apenas começando. Que a crise que hoje presenciamos está diretamente ligada à Guerra do Iraque, muito impopular também na Inglaterra, ultrapassando os limites do Partido dos Trabalhadores, quando se tentou reformar o sistema britânico em direção ao livre mercado norte-americano, “algo pouco coerente com os princípios tradicionais do partido”.

A constante necessidade de controle das bases de organização social do mundo, pelos doutrinadores norte-americanos, traz nas suas ações a medida das reações que estão eclodindo no cenário mundial com a aceleração da agenda para as negociações da ALCA.

No campo da educação, a calmaria brasileira diante do compasso das discussões científicas envolvendo os direitos intelectuais é, no mínimo, inquietante. Os gritos políticos dos movimentos sociais parecem não soar para os que se encontram embrenhados no sistema educacional brasileiro no tocante às determinações científicas que essa questão implica. Enquanto jornadas internacionais de protestos são profundamente discutidas e organizadas pelas redes dos movimentos sociais, há aparente inércia da população de educadores e de pesquisadores das instituições de ensino superior, frente às preocupações que trazem as negociações da ALCA, sobre a produção do conhecimento científico. Já em 1997, reunidos em Itaici/SP, cerca de trezentos delegados ligados às mais significativas expressões de lutas atuais do povo brasileiro, do campo ou da cidade, filiados ou não a partidos políticos e movimentos sociais, debateram a situação nacional, trazendo para o centro da discussão a América Latina e a criação da Alca. A preocupação recai sobre a inclusão, “[...] não só do comércio de bens e os fluxos de capital, mas também os serviços financeiros e a propriedade intelectual” (BENJAMIN, 1998, p.136).

A abrangência da discussão e das decisões sobre direitos intelectuais deve, na nossa compreensão de pesquisadoras, incomodar os agentes sociais responsáveis por produção de conhecimento e para o uso que, far-se-á do direito ao conhecimento pelos governantes.

Não participar desse debate não produz o efeito de isenção de responsabilidade sobre a utilização dos direitos intelectuais, mas pode significar imprudência política da nação que terá em seus governantes o único canal de manifestação de opiniões e portanto de poder de deliberação. Acreditar e fiar-se nessa democracia representativa parece-nos um ato deseducador para a população brasileira no momento histórico que vive, quando a participação popular é evocada como “prática social de responsabilidade para a conquista da cidadania”.

Ao acompanhar pelos meios de comunicação e por documentos divulgados por ministérios públicos no Brasil e pelo governo norte-americano, as negociações realizadas por nossos representantes nos encontros multilaterais, observamos que há mobilização e iniciativas que concretizam a importância do desenvolvimento de debates sociais que orientam as decisões de nossos negociadores nos diferentes setores de produção.

O setor industrial e agrícola, os segmentos da cultura em alguns Estados da federação brasileira e os movimentos sociais, interferem nas grandes decisões à medida que seus debates setoriais orientam as políticas de ação do Estado Maior pelos questionamentos realizados. No setor da educação se há alguma expressão que manifeste o interesse para com a importância do debate político sistêmico e científico no tocante às propostas de mundialização da economia, não tem encontrado ressonância nacional e, conseqüentemente, não orienta sobre o que há de específico na garantia de controle nacional sobre os direitos intelectuais.

Lembramos que Chauí (1999), ao falar sobre a função social das universidades, alertava para as consequências dos caminhos que as instituições vinham sendo trilhadas
[...] se por pesquisa entendemos a investigação de algo que nos lança na interrogação, que nos pede reflexão crítica, enfrentamento com o instituído, descoberta, invenção e criação. Se por pesquisa entendemos o trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que não foi ainda pensado nem dito. Se por pesquisa entendemos uma visão compreensiva de totalidades e sínteses abertas que suscitam a interrogação e busca. Se por pesquisa entendemos uma ação civilizatória contra a barbárie social e política, então é evidente que não há pesquisa na Universidade Operacional.

O pensamento de Chauí vem ao encontro com a abordagem reflexiva que procuramos dar a este texto, traduzindo a função que as universidades assumem diante das agendas propostas pela mundialilização da economia.

Constatamos que no campo jurídico existem iniciativas de debate para a orientação das políticas nacionais de ação legal perante o direito internacional. São iniciativas que se refletem no aumento de interessados na formação de grupos de estudos de pós-graduação para a realização de pesquisas sobre direito ambiental internacional. Merece nossa atenção essa prática, no sentido de realização institucional de debates afins que mantém as organizações governamentais aptas a defenderem um posicionamento coerente com o princípio de soberania nacional no referente à propriedade intelectual.

PALAVRAS-CHAVE: Alca, Educação, Direitos


REFERÊNCIAS

BENJAMIN, César et ali. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.

CHAUÍ, Marilena. A Universidade operacional. In: Folha de São Paulo, Caderno Mais, 1999.
http://www.rainhadapaz.g12.br/projetos/geografia/geo5a8/nafta/8a/apec/apec.ppt (acesso em 04/09/2003)


1 MERCOSUL: MERCADO COMUM DO SUL

2 Índia – África do Sul e China (1989); Malásia, Tailândia e Indonésia (1999)
Obs.: organização criada pela APEC (Cooperação econômica da Ásia e do Pacífico) e ASSEan (Associação das Nações do Sudeste Asiático).

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