terça-feira, 30 de outubro de 2007

EAD - 2004

EDUCAÇÃO DO CAMPO:
POLÍTICA PARA CONCRETIZAÇÃO DAS DIRETRIZES


Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva
Profª Drª Maria Aparecida Cecílio
Profª Ms Kiyomi Hirose



A Educação do Campo abrange as comunidades dos assalariados rurais temporários, posseiros, meeiros, arrendatários, acampados, assentados, reassentados, atingidos por barragens, agricultores familiares, vileiros rurais, povos da floresta, indígenas, ilhéus, quilombolas, pescadores, ribeirinhos que retratam diversidade sócio-cultural. Ao longo da história do Brasil, as instâncias políticas oficiais, não priorizam a presença dessa população nas discussões sobre educação, ao contrário, a sociedade brasileira, ao fazer uso do senso comum, se dirigi a estas populações com expressões pejorativas: do ignorante, do iletrado que não tem cultura, do caipira Jeca, obrigado a trabalhar pesado, no cabo da enxada, a sobreviver do trabalho braçal.
A educação para a zona rural não tem sido objeto de destaque nas Constituições Brasileiras, embora a origem da sociedade brasileira seja eminentemente agrária. A população originária do campo não teve e, ainda não tem acesso à educação formal digna. O modelo educacional urbano é adaptado, quando da existência de escolas rurais, sob alegação da oferta do ensino de qualidade, ignorando as diferenças e especificidade da identidade campesina. Esse descaso dos dirigentes políticos da nação teria origem na economia agrária apoiada no latifúndio e no trabalho escravo? Existe um descompasso histórico em relação ao campo, ora é romantizado, ora é caracterizado pelo Jeca. Esse descompasso é impedimento ao reconhecimento do diverso e do diferente, em oposição à homogeneização. O campo é identificado como atraso pelo olhar do urbano, sob a justificativa da homogeneidade, que é própria do urbano, que trata o rural como se fosse um gueto.
A partir da promulgação da Lei Federal nº 9394/96 que se abre espaço para a Educação do Campo, preconizando:
Art. 28. Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação, às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:
I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II –organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III – adequação à natureza do trabalho na zona rural.

O avanço observado nesse Artigo, no que se refere aos parâmetros para definição de políticas públicas, institui uma nova forma de organizar a política de atendimento escolar no país, não se satisfazendo mais com meras adaptações do urbano para o rural, tem na especificidade e diversidade sociocultural: o direito à diferença e à igualdade, a meta para os planos estaduais de educação para elaboração de diretrizes curriculares.
As Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo, instituídas na Resolução CNE/CEB nº 1, 3 de abril de 2002 (Conselho Nacional de Educação/Câmara da Educação Básica), aprovadas pelo CNE, seguindo o Parecer e voto da relatora conselheira Profª Edla de Araújo Lira Soares, manifesta [...] a decisão de propor, supõe, em primeiro lugar, a identificação de um modo próprio de vida social e utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem perder de vista o nacional (Parecer 36/2001 do CNE/CEB, p.29).
A partir dos anos de 1990, os movimentos sociais organizados percebem que a categoria rural era insuficiente para categorizar a Educação do Campo. Antecede, então, a essa diretriz, mobilizando-se de forma articulada na luta pela construção de política pública para a Educação do Campo. No ano de 2005, o Ministério de Educação (MEC), organiza Seminários em 23 Estados da Federação, com o objetivo de discutir a Educação do Campo. O Estado do Paraná antecipou à organização, em nível federal. Promoveu de 9 a 11 de março de 2004, no Centro de Capacitação de Faxinal do Céu, no Município de Pinhão/PR, o I Seminário Estadual da Educação do Campo, com o tema: Construindo Políticas Públicas.
O II Seminário de Educação no Campo do Paraná, 7 a 9 de abril de 2005, realizado em parceria – SEED/PR e MEC, objetivou diálogos com entidades e movimentos sociais no planejamento e implementação de políticas e diretrizes em nível Estadual e Federal. Esse Seminário contou com a representatividade de autoridades federais e estaduais (CEE/PR, SEED/PR, ANCA, SECAD/MEC, INCRA/PR, UNIOESTE, EMATER, Deputado Estadual/PR), dos movimentos sociais e universidades comprometidas com a Educação do Campo.
O Seminário foi marcado com o posicionamento do Professor Arnaldo Vicente, do Conselho Estadual de Educação, relator do Processo nº 1344/03, aprovado em 8/12/2003, conforme o Parecer nº 1012/03, relativo ao pedido de autorização para funcionamento da escola itinerante na área rural, na defesa das Escolas Itinerantes. Na análise, compreendeu a contraposição aos trabalhos educativos desenvolvidos nos acampamentos, como proteção do direito à educação para todos os brasileiros. Defendeu a mística no processo educacional vivida nos movimentos sociais do campo, resguardando o direito à subjetividade da formação na prática do ensino como compromisso com a educação. A defesa da Escola Itinerante realizada pelo conselheiro é relatada como desafio de um modo progressista de fazer a escola do campo.
Grein (2005), representante do Setor de Educação da Associação Nacional das Cooperativas Agrícolas dos Assentados-ANCA, marcou sua fala aos participantes do Seminário pela leitura do poema “Morte e Vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, publicado nas Diretrizes Nacionais para a Educação no Campo:
“Esta cova em que estás,
com palmos medida,
É a conta menor que tiraste em vida,
É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe,
deste latifúndio.
Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
É uma cova grande
para teu pouco defunto,
Mas estarás mais ancho
que estavas no mundo
É uma cova grande
para teu defunto parco,
Porém mais que no mundo
te sentirás largo.
É uma cova grande
para tua carne pouca,
Mas à terra dada
não se abre a boca.

Com o poema, resgatou na história do Brasil um passado que tende a se perpetuar. Evidenciou a subordinação do campo à cidade, contextualizando a história de luta dos movimentos sociais pelo direito a educação. Referiu-se a I Conferência Nacional por uma Educação Básica no Campo, proposta no encontro de 1997 e realizada em 1988, a partir da qual o MEC assinou com os movimentos sociais e universidades, o compromisso de desenvolver nos Estados, encontros em preparação para II Conferência e definição de políticas estaduais para Educação do Campo.
Os Movimentos Sociais do Campo do Estado do Paraná realizou o I encontro de Educação do Campo (1999) com a participação da Associação Projeto de Educação do Assalariado Rural Temporário-APEART, Comissão Pastoral da Terra, Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural-ASSESOAR, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST e outros. O objetivo principal foi a preparação para a II Conferência Nacional, que resultou no compromisso de articulação nos Estados de espaços para debater a educação realizada no campo e a implementação de políticas públicas nacionais e estaduais.
A nucleação de escolas públicas na periferia das cidades e não no campo, foi constatada como primeira ação de reestruturação da educação rural. A ocorrência dessa forma de nucleação é efetiva na Região Noroeste do Estado do Paraná.
Essa estratégia para os movimentos sociais do campo tem o significado de negar a educação aos trabalhadores do campo, sob o argumento de que, para se trabalhar no campo, não há necessidade de escolaridade, ancorado na idéia do trabalho rudimentar e sem avanço tecnológico. A este conceito coaduna-se a idéia do Jeca, do caipira. O preconceito é a primeira barreira a ser transposta. O discurso entre os movimentos é de defesa do “Campo como espaço de vida do cidadão que tem direito de ser completo no campo”. Tais encontros tiveram como mérito recolocar, sob outras bases, o rural e a educação que a ele se vincula, a exemplo da formulação das diretrizes nacionais para educação básica no campo, que como reconhece Grein (2005) oferece a possibilidade de garantir o direito de ter educação onde estamos, seja na cidade, no campo, no hospital, no cárcere.
O II Encontro Estadual de 2000 (realizado concomitantemente com a II Conferência Estadual por uma Educação do Campo, de 2 a 5 de novembro de 2000), em Porto Barreiro, reuniu 450 educadores e educadoras de 64 municípios representando 14 organizações governamentais e não governamentais dos movimentos sociais, sindicatos rurais e universidades (conferir a Carta de Porto Barreiro, caderno nº 2, da Articulação Paranaense: “Por uma Educação do Campo”). O compromisso deste evento marcou a iniciativa de continuar os projetos de Educação no Campo e trabalhar na realização de proposições para a II Conferência Nacional. Foram definidos encaminhamentos de parcerias para os cursos de Ensino Médio (Escolas Técnicas), curso de Pedagogia junto às Universidades Federal do Paraná, Estadual de Maringá, Estadual de Cascavel, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural; atender as famílias em situação de itinerância nos acampamentos, garantindo a educação básica.
A II Conferência Nacional por uma Educação do Campo – CNEC, Luziânia/GO, 2 a 6 de agosto de 2004, reuniu 1.100 participantes representando Movimentos Sociais, Movimento Sindical e Organizações Sociais de Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo e da Educação, das Universidades, ONGs e de Centros Familiares de Formação por Alternância, de Secretarias Estaduais e Municipais de educação e outros órgãos de gestão pública com atuação vinculada à educação e ao campo, que assinaram a Declaração Final Por uma Política Pública de Educação do Campo.
Os compromissos selados e divulgados foram remetidos à uma agenda básica de ações na defesa de “um tratamento específico da Educação do Campo”, considerando como pauta de articulação entre campo e cidade “a importância da inclusão da população do campo na política educacional brasileira”, para garantia de acesso e permanência e da existência de “um projeto político pedagógico” para o campo, contemplando “a diversidade dos processos produtivos e culturais, que são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo”.
Trabalhando na elaboração de políticas públicas universais que garantam direitos sociais e humanos, os participantes da plataforma nacional definiram a pauta de ações articuladas entre campo e cidade como metas a serem atingidas na implementação das diretrizes nacionais.
Vinte e duas “ações prioritárias” formaram os eixos de trabalho na articulação nacional por uma educação Básica no Campo e Por uma Política Nacional de Educação no Campo, compreendendo a articulação, coordenação da elaboração de uma política pública, “em parceria com o governo federal e movimentos sociais”.
No Estado do Paraná, dois Seminários foram realizados para elaboração de Políticas Públicas para Educação do Campo. O II, de 7 a 9 de abril de 2005, foi realizado como proposta de fortalecimento dos Movimentos Sociais na elaboração das Políticas Estaduais e Municipais.
Os movimentos sociais do campo mobilizam e defendem nos eventos (Encontros, Seminários, Colóquios, Conferências, Simpósios entre outros) a elaboração de políticas públicas visando o respeito à Educação do Campo, na defesa do ensino e da pesquisa, no resgate das dimensões da educação e do trabalho comunitário, extensivo aos diferentes grupos.
Segundo Munarin (2005), o Brasil enfrenta problemas sérios na articulação da Educação do Campo. Escolas do campo são fechadas, há falta de material didático para atender a especificidade e os existentes são inadequados, falta professor formado. Declara que, no Brasil, no ano de 2005, 9% dos professores do campo é de formação superior e no meio urbano, 38% são formados sem cursos superiores. Afirmou que não existe dotação financeira para Educação do Campo. Independentemente deste fato, o Estado do Paraná, conta com coordenação pedagógica para o campo na Secretaria de Educação Estadual, o que não é realidade em todos os Estados do país, confirmando as Declarações Nacionais, dos anos de 1.998 e 2.004, publicadas nos cadernos “Por uma educação básica no campo”.
Os conteúdos e metodologias inadequados são constatações que comprovam a ausência da especificidade da educação do campo, falta salário e há sobrecarga de trabalho para os educadores do campo. O MEC registra que 50% das escolas do Brasil estão no campo, cada qual, com uma sala e com número mínimo de estudantes. Observou que 67% das crianças do campo são transportadas para as cidades. Muitas prefeituras constroem escolas nas periferias das cidades para matricular alunos do campo. Para Munarin (2005), problemas como a exclusão não discutida é corrente nesse processo. As conseqüências da migração campo/cidade constituem fatos como a prostituição, o trabalho precoce e o abandono do campo. O agravante é que a população campesina é taxada de ignorante ao chegar na cidade.
A universalização dos direitos sociais é base da relação de luta popular nas instâncias dos movimentos sociais para fazer o poder público garantir a educação pública e gratuita, como direito do cidadão camponês e dever do Estado. Em resposta a este posicionamento político dos Movimentos Sociais, o Estado, por meio do MEC, começa a organizar a discussão, e o CNE passa a ser espaço de luta social, enquanto estrutura oficial. As primeiras diretrizes nacionais para Educação do Campo foram aprovadas porém, não implementadas pelo MEC.
Em 2004, a II Conferência Nacional tornou-se o símbolo da possibilidade de articulação de uma plataforma para trabalhar por um objetivo único: Educação do Campo. É o marco do compromisso entre poder público e Movimentos Sociais do Campo e da cidade no planejamento da educação nacional, considerando que a partir de 2000, as mobilizações sociais em defesa da Educação do Campo conseguiram fazer-se ouvir, reivindicando a parceria do Estado na execução da tarefa de elaboração de políticas públicas, articulando-se com os governos nas instâncias federal, estadual e municipal.
No ano de 2005, o MEC, em respeito à Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB de 1996, organizou a funcionalidade dos sistemas do ensino para o atendimento das especificidades do campo aprofundando a compreensão dos eixos aprovados nas Conferências Nacionais: cultura, trabalho, clima. Foram criados diferentes Fóruns de debates para uma ação coordenada na execução das propostas de elaboração de políticas, implementação, divulgação e normatização das diretrizes.
Em função dos encaminhamentos políticos definidos como compromisso da plataforma nacional, no Paraná a discussão das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação do Campo trouxe para o II Seminário a Conselheira Nacional, a relatora das diretrizes, Professora Edla de Araújo Lyra Soares, presença esclarecedora no desafio de justificar a proteção do direito à educação do camponês.
Para o ano de 2005 a meta da Coordenação da SEED/PR é a de formação de duzentos educadores e educadoras itinerantes, de participação na revisão do Plano Nacional de Educação e implantação das diretrizes curriculares, respeitando os direitos dos diferentes povos, considerando que o segundo eixo das diretrizes é a cultura dos povos do campo.


BIBLIOGRAFIA:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Brasília-DF: Câmara dos Deputados, 2002.

______. II Conferência Nacional por uma Educação do Campo–CNEC, Luziânia/GO, de 2 a 6 de agosto de 2004.

______. Lei Federal nº 9394/96, aprovada em 21 de dezembro de 1996.

______. Parecer nº 36/200-CNE. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo; Resolução 1/2002 –CNE. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo.

Carta de Porto Barreiro, caderno nº 2, da Articulação Paranaense: “Por uma Educação do Campo”, s/d.

GREIN, Maria Izabel. II SEMINÁRIOS ESTADUAIS: educação e diversidade no campo. Faxinal do Céu, 2005.

MUNARIM, Antonio. II SEMINÁRIOS ESTADUAIS: educação e diversidade no campo. Faxinal do Céu, 2005.

PARANÁ. Escolas Itinerantes: Processo nº 1344/03-CEE e Parecer nº 1012/03-CEE, aprovado em 08/12/2003, relator Arnaldo Vicente.

SOARES, Edla de Araújo Lira. II SEMINÁRIOS ESTADUAIS: educação e diversidade no campo. Faxinal do Céu, 2005.

http.//www.forum.direitos.org.br/?=node/print/3463. Acessado em 27/5/05: Delegacia do Trabalho liberta 85 trabalhadores escravos em madeireira no Paraná.

ATIVIDADES SUGERIDAS:
Leitura das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo. Elaborar roteiro para visitas aos acampamentos, assentamentos, cooperativas de produção familiar e escolas campesinas.
Construir memória das leituras e visitas.
Socializar, em painéis, mesas redondas ou seminários, as experiências efetivadas neste conteúdo.

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