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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
VIII SEMANA DA EDUCAÇÃO DE CIANORTE - 23 A 25 DE NOV-2006
VIII SEMANA DE EDUCAÇÃO DE CIANORTE
EM DISCUSSÃO: A FORMAÇÃO E O CAMPO DE TRABALHO DO PEDAGOGO
ISBN 1518-644X
PROGRAMAÇÃO
DIA 23 - TARDE: Mini-curso (Carga Horária - 4h)
DIA 23 - NOITE: (Carga Horária - 4h)
MESA REDONDA: O curso de Pedagogia e os campos de trabalho do pedagogo.
PROFESSORES:
Dra. Sonia Maria V. NegrãoDra. Maria Aparecida CecílioMs. Kyome HiroseDra. Irizelda M. Souza e Silva Ms. Aparecida M. Calegari Falco
DIA 24 - TARDE: Mini-curso (Carga Horária - 4h)
DIA 24 - NOITE: (Carga Horária - 4h)
PALESTRA: Gênero, sexualidade e educação.
PROFESSORA: Ms. Eliane Rose Maio Braga
MESA REDONDA: O programa de Pós-graduação em Educação da UEM.
PROFESSORAS:
Dra. Nerli Nonato Ribeiro Mori (Coordenadora do PPE)Dra. Terezinha Oliveira (Vice- Coordenadora do PPE)
DIA 25 - MANHÃ E TARDE: Mini-curso (Carga Horária - 4h)
Comunicações Orais e Sessão de Pôsteres.
COORDENADORA: Aparecida Marcianinha Pinto
VICE-COORDENADOR: Anderson da Silva Theodoro
EM DISCUSSÃO: A FORMAÇÃO E O CAMPO DE TRABALHO DO PEDAGOGO
ISBN 1518-644X
PROGRAMAÇÃO
DIA 23 - TARDE: Mini-curso (Carga Horária - 4h)
DIA 23 - NOITE: (Carga Horária - 4h)
MESA REDONDA: O curso de Pedagogia e os campos de trabalho do pedagogo.
PROFESSORES:
Dra. Sonia Maria V. NegrãoDra. Maria Aparecida CecílioMs. Kyome HiroseDra. Irizelda M. Souza e Silva Ms. Aparecida M. Calegari Falco
DIA 24 - TARDE: Mini-curso (Carga Horária - 4h)
DIA 24 - NOITE: (Carga Horária - 4h)
PALESTRA: Gênero, sexualidade e educação.
PROFESSORA: Ms. Eliane Rose Maio Braga
MESA REDONDA: O programa de Pós-graduação em Educação da UEM.
PROFESSORAS:
Dra. Nerli Nonato Ribeiro Mori (Coordenadora do PPE)Dra. Terezinha Oliveira (Vice- Coordenadora do PPE)
DIA 25 - MANHÃ E TARDE: Mini-curso (Carga Horária - 4h)
Comunicações Orais e Sessão de Pôsteres.
COORDENADORA: Aparecida Marcianinha Pinto
VICE-COORDENADOR: Anderson da Silva Theodoro
HISTEDBR - 2004 - UEM ISBN 85-86941-39-5
ALCA E EDUCAÇÃO: direitos intelectuais?
Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva-UEM
Profª Kiyomi Hirose-UEM
Profª Drª Maria Aparecida Cecílio-UEM
No movimento político do governo norte-americano nos anos 2002 e 2003, observamos que as
estratégias para anexação ao projeto da Área de Livre Comércio (ALCA), propostas como
integração comercial dos países das Américas, com exceção de Cuba, amenizam as ações
comerciais agressivas ao Chile e ao México. Será que essa atuação ocorreu em função da
aproximação desses países ao Mercosul1? Será a proposta de Mercosul, uma fonte de negociação
com outros mercados que exige cautela aos negociadores da ALCA? Levantamos estes
questionamentos no intuito de provocar estudos na busca de equacionamento do jogo de poder
que regula os mercados e que define metas para os setores de serviços, dentre os quais,
destacamos o educacional. Abordamos como ponto específico de discussão, o item de pauta do
projeto ALCA "propriedade de direitos intelectuais", ocupando-nos na busca de compreensão da
dimensão de envolvimento do setor de educação nesse projeto, sob a perspectiva latinoamericana
de aproximação das possibilidades e dificuldades de negociação entre Mercosul e
ALCA.
Nesse intuito, constatamos que em dezembro de 2003, a presidência do projeto da ALCA
agenciou todos os setores de produção: primário, secundário e terciário, durante as rodadas de
negociações via Organização Mundial do Comércio (OMC). Olhamos para esses acontecimentos
entendendo que a educação abarca todos esses setores, pela institucionalização do ensino e pela
possibilidade de formação de mão-de-obra, a começar pela alfabetização e pela formação
profissionalizante. A presença de negociadores para o livre mercado, provenientes dos diferentes
setores de produção, discutindo os setores de serviços dos países envolvidos, de imediato nos faz
refletir: quais interesses teriam os referidos setores produtivos no serviço educacional dos países
envolvidos? Nos encontros de cúpula da ALCA, a pauta dos debates observada na estrutura de
prioridades, é indicativa de entrelaçamento entre mercado, saúde e educação. É nesse panorama
que focalizamos nosso objeto de estudo identificado nos encontros de cúpula como "propriedade
de direitos intelectuais", propriedade esta que, na Constituição Federal Brasileira de 1988, é
2
princípio de soberania da nação, e também, de responsabilidade da comunidade científica
brasileira. Mas por que lembrar esta informação específica do Brasil?
O mapa geopolítico dos agrupamentos mundiais é detentor de dados demonstrativos de
estratégias de comando dos mercados comerciais, importantes para a leitura do conjunto, no qual,
está inserido o setor educacional e as vias de trânsito que o acessam nesse processo. Nem sempre
são vias diretas, no entanto, entrecruzam-se e indicam a proximidade e o distanciamento que os
setores de produção almejam para o desenvolvimento econômico dos mercados. As ações
setoriais de cada país fornecem dados exemplares para o encaminhamento dessa compreensão.
No Brasil, observamos a base constitucionalista que, em última instância, orienta as ações dentro
do país em relação a outros países: a soberania.
Tomando a soberania como norte das ações que regulam a maioria dos países, os Estados Unidos
da América (EUA) lança mão da cartada de investir na pauta da agricultura e os direitos
intelectuais, no enfrentamento de poderes durante as negociações da ALCA. A agricultura por
representar a manutenção alimentar, como referencial mundial, e por alavancar o controle de
subsídios desenvolvidos pela Comunidade Européia (CE) a seus produtores, no ano de 2002
frente à ação protecionista dos norte-americanos nesse setor.
O enfrentamento europeu ao poderio econômico norte-americano desequilibrou o comando desse
governo junto a OMC. Os europeus que, até então, resistiam à derrubada do protecionismo
agrícola contaram com a parceria do Japão, que adota posições cada vez mais duras em relação
aos cortes de tarifas propostas, para exportação de produtos, bem como a redução do suporte
financeiro doméstico aos produtores agrícolas, sempre que distorçam o comércio.
Essas posições forçaram a cúpula do projeto da ALCA a reordenar a posição política deliberadora
que imperou até então, acentuando a antecipação dos encontros para acordos de anexação, de
modo a acalentar os Tigres Asiáticos2 diante do confronto com a CE. A acirrada posição
exponencial assumida pela cúpula dos EUA frente à Organização das Nações Unidas (ONU) e
OMC teve, no ataque ao Iraque (2003), a máscara de articulador transformada com a face de
3
ditadura, conquistando desafetos por todo o mundo, para além da OMC, da CE, também,
manifesta-se na crise com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Hobsbawm, historiador britânico, em entrevista concedida ao jornalista Machado3, na cidade do
Rio Janeiro, não olhava com otimismo os próximos vinte ou trinta anos, afirmando que os
Estados modernos estão definitivamente perdendo, nas últimas três décadas, o controle da
violência em seus territórios e que é um processo que está apenas começando; que a crise que
hoje presenciamos está diretamente ligada à Guerra do Iraque, muito impopular, também na
Inglaterra, ultrapassando os limites do Partido dos Trabalhadores, quando se tentou reformar o
sistema britânico em direção ao livre mercado norte-americano, algo pouco coerente com os
princípios tradicionais do partido. Outra questão abordada nesta entrevista, diz respeito à
propriedade intelectual, se referindo ao uso da tecnologia biológica e não nuclear.
No âmbito do controle da propriedade intelectual, ou melhor, da produção à comercialização dos
resultados obtidos com o conhecimento, entendemos que a produção de conhecimentos, cuja
aplicação nem sempre se revela de imediato, deve ser também o espaço da socialização do saber
na medida em que divulga e socializa a propriedade do saber para o encaminhamento de
problemas atuais e prementes dos diversos grupos sociais4.
Na posição dos Estados Unidos da América (USA) frente às propostas da ALCA, a socialização
do saber contido no direito à propriedade de patentes, demonstra seu potencial monopolizador até
mesmo no setor da saúde pública. As regras de patentes da OMC são reforçadas pelas estratégias
dos USA frente à Organização das Nações Unidas (ONU) nas alianças protecionistas e na ação de
monopólio, como na aliança USA e Índia para não liberação de medicamentos genéricos, tendo
como conseqüência um genocídio, que os meios de comunicação parecem banalizar,
naturalizando os fatos.
Saramago (2004), em sua nova obra: Ensaio sobre a Lucidez, recém-lançado no Brasil, dentre
outras questões, reafirma que
não há nenhum caminho tranqüilizador a nossa espera.
[...]
4
O poder econômico governa o mundo, e governa-o para que sirvamos
aos seus interesses e aumentamos os seus lucros.
[...]
O poder econômico não é democrático. Os governos tornaram-se
comissários políticos do poder econômico.
Dessa realidade, remetemo-nos ao ocorrido, no caso da comercialização de medicamentos,
quando o Brasil, por meio do Ministério da Saúde, desafiou a quebra da patente pelo direito à
produção de genéricos para o tratamento de portadores do vírus HIV, parecendo ter conquistando
o direito de defesa à vida aos portadores, porém não lhes garantindo o poder de compra.. No final
de 2001, em Doha, Qatar, Continente Africano, o Brasil conseguiu emplacar a tese de que o
respeito às patentes – leia-se propriedade intelectual - não podia servir de empecilho para
produção de remédios. A tese, como defesa de um direito humanitário, foi exibida como "virtude
pública", dissimulando os vícios econômicos privados.
A constante necessidade de controle das bases de organização social do mundo pelos
doutrinadores norte-americanos traz nas suas ações a medida das reações que estão eclodindo no
cenário mundial com a aceleração da agenda para as negociações da ALCA.
No campo da educação, a calmaria brasileira diante do compasso das discussões científicas
envolvendo os direitos intelectuais é, no mínimo, inquietante. Os gritos políticos dos movimentos
sociais parecem não soar para os que se encontram embrenhados no sistema educacional
brasileiro, no tocante às determinações científicas que essa questão implica. Enquanto jornadas
internacionais de protestos são profundamente discutidas e organizadas pelas redes dos
movimentos sociais, há aparente inércia da população de educadores e de pesquisadores das
instituições de ensino superior, enquanto sociedade civil organizada, frente às preocupações que
trazem as negociações da ALCA, sobre a produção do conhecimento científico.
Porém, lembramos que em 1997, reunidos em Itaici/SP, cerca de trezentos delegados ligados às
mais significativas expressões de lutas atuais do povo brasileiro, do campo ou da cidade, filiados
ou não a partidos políticos e movimentos sociais, debateram a situação nacional, trazendo para o
centro da discussão a América Latina e a criação da ALCA. A preocupação recaia sobre a
5
inclusão, "[...] não só do comércio de bens e os fluxos de capital, mas também os serviços
financeiros e a propriedade intelectual" (BENJAMIN, 1998, p.136).
A abrangência da discussão e das decisões sobre direitos intelectuais deve, na nossa compreensão
de pesquisadoras, incomodar os agentes sociais responsáveis na produção de conhecimento e para
o uso que se fará do direito ao conhecimento pelos governantes. Deve compor eixos temáticos de
fóruns de políticas públicas nacionais e internacionais, com compromissos pontuais de uma
agenda que priorize mobilização social para o debate de produções científicas, processadas no
setor educacional público, para o projeto ALCA. É o setor educacional, competente para
orientação do serviço essencial na discussão da propriedade intelectual. Embora a sigla ALCA
trate apenas do fantasioso "livre comércio", o alcance de tal projeto será bem maior. Na tradução
de Mercadante (2002), trata-se de um projeto estratégico dos EUA, de consolidação de sua
dominação, no nosso entendimento, via propriedade intelectual.
A preocupação nos remete nos momentos de busca às fontes, como o site5 oficial do projeto
ALCA. Constatamos nas divulgações desse site, em 2003, pauta de direito de propriedade
intelectual considerado como "informações sobre as autoridades responsáveis das distintas áreas
da propriedade intelectual; direitos de autor, propriedade industrial, variedades vegetais,
autoridades aduaneiras-alfandegárias e autoridades a cargo da política comercial nesta área".
Na publicação do Jornal ALCA e os Trabalhadores, Borges (2002) alerta sobre os efeitos da
ALCA enfatizando que "procuram concretizar o velho sonho liberal de privatizar todas as
dimensões da vida humana", reforçamos aqui a dimensão intelectual. Não participar desse debate
não produz o efeito de isenção de responsabilidade sobre a utilização dos direitos intelectuais,
mas pode significar imprudência política da nação que terá em seus governantes o único canal de
manifestação de opiniões e voto, portanto, poder de deliberação. Fiar-se nessa democracia
representativa caracteriza, no mínimo, um ato (des)educador para a população brasileira, no
momento histórico que vive, quando a participação popular é evocada como "prática social de
responsabilidade para a conquista da cidadania" no atual governo federal.
6
Ao acompanhar pelos meios de comunicação e por documentos divulgados por ministérios
públicos no Brasil e pelo governo norte-americano, nas negociações realizadas por nossos
representantes nos encontros multilaterais, observamos que há mobilização e iniciativas nos
setores produtivos6 que concretizam a importância do desenvolvimento de debates sociais que
orientam as decisões de nossos negociadores nos diferentes setores de produção.
O setor industrial e agrícola, os segmentos da cultura em alguns Estados da Federação Brasileira
e os movimentos sociais interferem nas grandes decisões, na medida em que seus debates
setoriais orientam as políticas de ação do Estado Maior pelos questionamentos realizados. No
setor da educação, se há alguma expressão que manifeste o interesse para com a importância do
debate político sistêmico e científico no tocante às propostas de mundialização da economia, não
se tem encontrado ressonância nacional e, conseqüentemente, não orienta sobre o que há de
específico na garantia de controle nacional sobre os direitos intelectuais, não se implementando
orientação política.
Chauí (1999), ao falar sobre a pesquisa e a função social das universidades, alertava para as
conseqüências dos caminhos que as instituições trilham.
Se por pesquisa entendemos a investigação de algo que nos lança na
interrogação, que nos pede reflexão crítica, enfrentamento com o
instituído, descoberta, invenção e criação. Se por pesquisa entendemos o
trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que não foi
ainda pensado nem dito. Se por pesquisa entendemos uma visão
compreensiva de totalidades e sínteses abertas que suscitam a
interrogação e busca. Se por pesquisa entendemos uma ação civilizatória
contra a barbárie social e política, então é evidente que não há pesquisa
na Universidade Operacional.
Chauí fundamenta a abordagem reflexiva que procuramos dar a este texto, traduzindo a função
que as universidades assumem diante das agendas propostas na mundialilização da economia.
Face à problemática, indagamos: o que fazer para atenuar tais preocupações?
A resposta não é cabal, mas estamos ainda, como "velhos marinheiros" mapeando o caminho.
Algumas preocupações têm sido objeto do nosso grupo de pesquisa que nos impele à busca de
7
parceiros para discussões e investigações. Nessa busca pudemos constatar que, no campo
jurídico, existem iniciativas de debate para a orientação das políticas nacionais de ação legal
perante o direito internacional. São iniciativas que se refletem no aumento de interessados na
formação de grupos de estudos de pós-graduação para a realização de pesquisas sobre direito
ambiental internacional. Merece nossa atenção essa prática, no sentido de realização institucional
de debates afins que mantém as organizações governamentais aptas a defenderem um
posicionamento coerente com o princípio de soberania nacional, no que se refere à propriedade
intelectual. Entendemos que olhar para a história recente não é desrespeitar o conceito de que o
objeto da história deve ser remoto.
1 Mercado Comum do Cone Sul.
2 Índia, África do Sul e China (1989); Malásia, Tailândia e Indonésia (1999).
3 Cassiano Elek Machado, Folha de São Paulo, 31/07/2003.
4 Ver Fávero (1995) In: Produção e apropriação do conhecimento na Universidade.
5 www.citzen.org; www.ftaa.alca.org/alca; www.inpi.gov.br/; acesso em 19/02/2003.
6 O fato do Brasil, no enfrentamento jurídico ao subsídio norte-americano aos produtores de algodão, noticiados pela
imprensa mundial falada e escrita, no mês de abril de 2004.
REFERÊNCIAS
BENJAMÍN, César et al. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998.
BORGES, Altamiro. In: Jornal A ALCA E OS TRABALHADORES, 2002.
CHAUÍ, Marilena. A Universidade operacional. In: FOLHA DE SÃO PAUL: Caderno Mais,
1999.
FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque. Produção e apropriação do conhecimento. In:
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (Org.). Conhecimento educacional e formação do
professor. Campinas: Papirus, 1995.
MACHADO, Cassiano Elek. In: FOLHA DE SÃO PAULO, 31/07/2003.
MERCADANTE, Aloísio. In: Jornal A ALCA E OS TRABALHADORES, 2002.
www.citzen.org; www.ftaa.alca.org/alca; www.inpi.gov.br/; acesso em 19/02/2003.
Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva-UEM
Profª Kiyomi Hirose-UEM
Profª Drª Maria Aparecida Cecílio-UEM
No movimento político do governo norte-americano nos anos 2002 e 2003, observamos que as
estratégias para anexação ao projeto da Área de Livre Comércio (ALCA), propostas como
integração comercial dos países das Américas, com exceção de Cuba, amenizam as ações
comerciais agressivas ao Chile e ao México. Será que essa atuação ocorreu em função da
aproximação desses países ao Mercosul1? Será a proposta de Mercosul, uma fonte de negociação
com outros mercados que exige cautela aos negociadores da ALCA? Levantamos estes
questionamentos no intuito de provocar estudos na busca de equacionamento do jogo de poder
que regula os mercados e que define metas para os setores de serviços, dentre os quais,
destacamos o educacional. Abordamos como ponto específico de discussão, o item de pauta do
projeto ALCA "propriedade de direitos intelectuais", ocupando-nos na busca de compreensão da
dimensão de envolvimento do setor de educação nesse projeto, sob a perspectiva latinoamericana
de aproximação das possibilidades e dificuldades de negociação entre Mercosul e
ALCA.
Nesse intuito, constatamos que em dezembro de 2003, a presidência do projeto da ALCA
agenciou todos os setores de produção: primário, secundário e terciário, durante as rodadas de
negociações via Organização Mundial do Comércio (OMC). Olhamos para esses acontecimentos
entendendo que a educação abarca todos esses setores, pela institucionalização do ensino e pela
possibilidade de formação de mão-de-obra, a começar pela alfabetização e pela formação
profissionalizante. A presença de negociadores para o livre mercado, provenientes dos diferentes
setores de produção, discutindo os setores de serviços dos países envolvidos, de imediato nos faz
refletir: quais interesses teriam os referidos setores produtivos no serviço educacional dos países
envolvidos? Nos encontros de cúpula da ALCA, a pauta dos debates observada na estrutura de
prioridades, é indicativa de entrelaçamento entre mercado, saúde e educação. É nesse panorama
que focalizamos nosso objeto de estudo identificado nos encontros de cúpula como "propriedade
de direitos intelectuais", propriedade esta que, na Constituição Federal Brasileira de 1988, é
2
princípio de soberania da nação, e também, de responsabilidade da comunidade científica
brasileira. Mas por que lembrar esta informação específica do Brasil?
O mapa geopolítico dos agrupamentos mundiais é detentor de dados demonstrativos de
estratégias de comando dos mercados comerciais, importantes para a leitura do conjunto, no qual,
está inserido o setor educacional e as vias de trânsito que o acessam nesse processo. Nem sempre
são vias diretas, no entanto, entrecruzam-se e indicam a proximidade e o distanciamento que os
setores de produção almejam para o desenvolvimento econômico dos mercados. As ações
setoriais de cada país fornecem dados exemplares para o encaminhamento dessa compreensão.
No Brasil, observamos a base constitucionalista que, em última instância, orienta as ações dentro
do país em relação a outros países: a soberania.
Tomando a soberania como norte das ações que regulam a maioria dos países, os Estados Unidos
da América (EUA) lança mão da cartada de investir na pauta da agricultura e os direitos
intelectuais, no enfrentamento de poderes durante as negociações da ALCA. A agricultura por
representar a manutenção alimentar, como referencial mundial, e por alavancar o controle de
subsídios desenvolvidos pela Comunidade Européia (CE) a seus produtores, no ano de 2002
frente à ação protecionista dos norte-americanos nesse setor.
O enfrentamento europeu ao poderio econômico norte-americano desequilibrou o comando desse
governo junto a OMC. Os europeus que, até então, resistiam à derrubada do protecionismo
agrícola contaram com a parceria do Japão, que adota posições cada vez mais duras em relação
aos cortes de tarifas propostas, para exportação de produtos, bem como a redução do suporte
financeiro doméstico aos produtores agrícolas, sempre que distorçam o comércio.
Essas posições forçaram a cúpula do projeto da ALCA a reordenar a posição política deliberadora
que imperou até então, acentuando a antecipação dos encontros para acordos de anexação, de
modo a acalentar os Tigres Asiáticos2 diante do confronto com a CE. A acirrada posição
exponencial assumida pela cúpula dos EUA frente à Organização das Nações Unidas (ONU) e
OMC teve, no ataque ao Iraque (2003), a máscara de articulador transformada com a face de
3
ditadura, conquistando desafetos por todo o mundo, para além da OMC, da CE, também,
manifesta-se na crise com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Hobsbawm, historiador britânico, em entrevista concedida ao jornalista Machado3, na cidade do
Rio Janeiro, não olhava com otimismo os próximos vinte ou trinta anos, afirmando que os
Estados modernos estão definitivamente perdendo, nas últimas três décadas, o controle da
violência em seus territórios e que é um processo que está apenas começando; que a crise que
hoje presenciamos está diretamente ligada à Guerra do Iraque, muito impopular, também na
Inglaterra, ultrapassando os limites do Partido dos Trabalhadores, quando se tentou reformar o
sistema britânico em direção ao livre mercado norte-americano, algo pouco coerente com os
princípios tradicionais do partido. Outra questão abordada nesta entrevista, diz respeito à
propriedade intelectual, se referindo ao uso da tecnologia biológica e não nuclear.
No âmbito do controle da propriedade intelectual, ou melhor, da produção à comercialização dos
resultados obtidos com o conhecimento, entendemos que a produção de conhecimentos, cuja
aplicação nem sempre se revela de imediato, deve ser também o espaço da socialização do saber
na medida em que divulga e socializa a propriedade do saber para o encaminhamento de
problemas atuais e prementes dos diversos grupos sociais4.
Na posição dos Estados Unidos da América (USA) frente às propostas da ALCA, a socialização
do saber contido no direito à propriedade de patentes, demonstra seu potencial monopolizador até
mesmo no setor da saúde pública. As regras de patentes da OMC são reforçadas pelas estratégias
dos USA frente à Organização das Nações Unidas (ONU) nas alianças protecionistas e na ação de
monopólio, como na aliança USA e Índia para não liberação de medicamentos genéricos, tendo
como conseqüência um genocídio, que os meios de comunicação parecem banalizar,
naturalizando os fatos.
Saramago (2004), em sua nova obra: Ensaio sobre a Lucidez, recém-lançado no Brasil, dentre
outras questões, reafirma que
não há nenhum caminho tranqüilizador a nossa espera.
[...]
4
O poder econômico governa o mundo, e governa-o para que sirvamos
aos seus interesses e aumentamos os seus lucros.
[...]
O poder econômico não é democrático. Os governos tornaram-se
comissários políticos do poder econômico.
Dessa realidade, remetemo-nos ao ocorrido, no caso da comercialização de medicamentos,
quando o Brasil, por meio do Ministério da Saúde, desafiou a quebra da patente pelo direito à
produção de genéricos para o tratamento de portadores do vírus HIV, parecendo ter conquistando
o direito de defesa à vida aos portadores, porém não lhes garantindo o poder de compra.. No final
de 2001, em Doha, Qatar, Continente Africano, o Brasil conseguiu emplacar a tese de que o
respeito às patentes – leia-se propriedade intelectual - não podia servir de empecilho para
produção de remédios. A tese, como defesa de um direito humanitário, foi exibida como "virtude
pública", dissimulando os vícios econômicos privados.
A constante necessidade de controle das bases de organização social do mundo pelos
doutrinadores norte-americanos traz nas suas ações a medida das reações que estão eclodindo no
cenário mundial com a aceleração da agenda para as negociações da ALCA.
No campo da educação, a calmaria brasileira diante do compasso das discussões científicas
envolvendo os direitos intelectuais é, no mínimo, inquietante. Os gritos políticos dos movimentos
sociais parecem não soar para os que se encontram embrenhados no sistema educacional
brasileiro, no tocante às determinações científicas que essa questão implica. Enquanto jornadas
internacionais de protestos são profundamente discutidas e organizadas pelas redes dos
movimentos sociais, há aparente inércia da população de educadores e de pesquisadores das
instituições de ensino superior, enquanto sociedade civil organizada, frente às preocupações que
trazem as negociações da ALCA, sobre a produção do conhecimento científico.
Porém, lembramos que em 1997, reunidos em Itaici/SP, cerca de trezentos delegados ligados às
mais significativas expressões de lutas atuais do povo brasileiro, do campo ou da cidade, filiados
ou não a partidos políticos e movimentos sociais, debateram a situação nacional, trazendo para o
centro da discussão a América Latina e a criação da ALCA. A preocupação recaia sobre a
5
inclusão, "[...] não só do comércio de bens e os fluxos de capital, mas também os serviços
financeiros e a propriedade intelectual" (BENJAMIN, 1998, p.136).
A abrangência da discussão e das decisões sobre direitos intelectuais deve, na nossa compreensão
de pesquisadoras, incomodar os agentes sociais responsáveis na produção de conhecimento e para
o uso que se fará do direito ao conhecimento pelos governantes. Deve compor eixos temáticos de
fóruns de políticas públicas nacionais e internacionais, com compromissos pontuais de uma
agenda que priorize mobilização social para o debate de produções científicas, processadas no
setor educacional público, para o projeto ALCA. É o setor educacional, competente para
orientação do serviço essencial na discussão da propriedade intelectual. Embora a sigla ALCA
trate apenas do fantasioso "livre comércio", o alcance de tal projeto será bem maior. Na tradução
de Mercadante (2002), trata-se de um projeto estratégico dos EUA, de consolidação de sua
dominação, no nosso entendimento, via propriedade intelectual.
A preocupação nos remete nos momentos de busca às fontes, como o site5 oficial do projeto
ALCA. Constatamos nas divulgações desse site, em 2003, pauta de direito de propriedade
intelectual considerado como "informações sobre as autoridades responsáveis das distintas áreas
da propriedade intelectual; direitos de autor, propriedade industrial, variedades vegetais,
autoridades aduaneiras-alfandegárias e autoridades a cargo da política comercial nesta área".
Na publicação do Jornal ALCA e os Trabalhadores, Borges (2002) alerta sobre os efeitos da
ALCA enfatizando que "procuram concretizar o velho sonho liberal de privatizar todas as
dimensões da vida humana", reforçamos aqui a dimensão intelectual. Não participar desse debate
não produz o efeito de isenção de responsabilidade sobre a utilização dos direitos intelectuais,
mas pode significar imprudência política da nação que terá em seus governantes o único canal de
manifestação de opiniões e voto, portanto, poder de deliberação. Fiar-se nessa democracia
representativa caracteriza, no mínimo, um ato (des)educador para a população brasileira, no
momento histórico que vive, quando a participação popular é evocada como "prática social de
responsabilidade para a conquista da cidadania" no atual governo federal.
6
Ao acompanhar pelos meios de comunicação e por documentos divulgados por ministérios
públicos no Brasil e pelo governo norte-americano, nas negociações realizadas por nossos
representantes nos encontros multilaterais, observamos que há mobilização e iniciativas nos
setores produtivos6 que concretizam a importância do desenvolvimento de debates sociais que
orientam as decisões de nossos negociadores nos diferentes setores de produção.
O setor industrial e agrícola, os segmentos da cultura em alguns Estados da Federação Brasileira
e os movimentos sociais interferem nas grandes decisões, na medida em que seus debates
setoriais orientam as políticas de ação do Estado Maior pelos questionamentos realizados. No
setor da educação, se há alguma expressão que manifeste o interesse para com a importância do
debate político sistêmico e científico no tocante às propostas de mundialização da economia, não
se tem encontrado ressonância nacional e, conseqüentemente, não orienta sobre o que há de
específico na garantia de controle nacional sobre os direitos intelectuais, não se implementando
orientação política.
Chauí (1999), ao falar sobre a pesquisa e a função social das universidades, alertava para as
conseqüências dos caminhos que as instituições trilham.
Se por pesquisa entendemos a investigação de algo que nos lança na
interrogação, que nos pede reflexão crítica, enfrentamento com o
instituído, descoberta, invenção e criação. Se por pesquisa entendemos o
trabalho do pensamento e da linguagem para pensar e dizer o que não foi
ainda pensado nem dito. Se por pesquisa entendemos uma visão
compreensiva de totalidades e sínteses abertas que suscitam a
interrogação e busca. Se por pesquisa entendemos uma ação civilizatória
contra a barbárie social e política, então é evidente que não há pesquisa
na Universidade Operacional.
Chauí fundamenta a abordagem reflexiva que procuramos dar a este texto, traduzindo a função
que as universidades assumem diante das agendas propostas na mundialilização da economia.
Face à problemática, indagamos: o que fazer para atenuar tais preocupações?
A resposta não é cabal, mas estamos ainda, como "velhos marinheiros" mapeando o caminho.
Algumas preocupações têm sido objeto do nosso grupo de pesquisa que nos impele à busca de
7
parceiros para discussões e investigações. Nessa busca pudemos constatar que, no campo
jurídico, existem iniciativas de debate para a orientação das políticas nacionais de ação legal
perante o direito internacional. São iniciativas que se refletem no aumento de interessados na
formação de grupos de estudos de pós-graduação para a realização de pesquisas sobre direito
ambiental internacional. Merece nossa atenção essa prática, no sentido de realização institucional
de debates afins que mantém as organizações governamentais aptas a defenderem um
posicionamento coerente com o princípio de soberania nacional, no que se refere à propriedade
intelectual. Entendemos que olhar para a história recente não é desrespeitar o conceito de que o
objeto da história deve ser remoto.
1 Mercado Comum do Cone Sul.
2 Índia, África do Sul e China (1989); Malásia, Tailândia e Indonésia (1999).
3 Cassiano Elek Machado, Folha de São Paulo, 31/07/2003.
4 Ver Fávero (1995) In: Produção e apropriação do conhecimento na Universidade.
5 www.citzen.org; www.ftaa.alca.org/alca; www.inpi.gov.br/; acesso em 19/02/2003.
6 O fato do Brasil, no enfrentamento jurídico ao subsídio norte-americano aos produtores de algodão, noticiados pela
imprensa mundial falada e escrita, no mês de abril de 2004.
REFERÊNCIAS
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BORGES, Altamiro. In: Jornal A ALCA E OS TRABALHADORES, 2002.
CHAUÍ, Marilena. A Universidade operacional. In: FOLHA DE SÃO PAUL: Caderno Mais,
1999.
FÁVERO, Maria de Lourdes Albuquerque. Produção e apropriação do conhecimento. In:
MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa (Org.). Conhecimento educacional e formação do
professor. Campinas: Papirus, 1995.
MACHADO, Cassiano Elek. In: FOLHA DE SÃO PAULO, 31/07/2003.
MERCADANTE, Aloísio. In: Jornal A ALCA E OS TRABALHADORES, 2002.
www.citzen.org; www.ftaa.alca.org/alca; www.inpi.gov.br/; acesso em 19/02/2003.
2006 - VII SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS - ISBN 8577113020-7
POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL:
O(S) CAMPO(S) DE E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva1
Profª Drª Maria Aparecida Cecílio2
Profª Kiyomi Hirose3
A partir de meados do Século XX, as políticas nacionais transformam a
posição do rural e do urbano como habitat do homem brasileiro, quando o mundo
é redesenhado pelo processo de industrialização e internacionalização da
produção. No início do século XXI o debate sobre os projetos de formação e
propostas que visam a formação inicial e continuada, ou em serviço, nos incita a
buscar explicações sobre o vazio das políticas públicas na formação acadêmica
dos educadores e educadoras do campo.
As reflexões e discussões possibilitadas pelo grupo de estudos e pesquisa
em "Políticas e Gestão da Educação" – CNPq/UEM e no desenvolvimento das
disciplinas de Políticas Públicas e Gestão Educacional nas licenciaturas da
Universidade Estadual de Maringá, sinalizaram para uma ação pedagógica
proporcionando um (re)pensar tanto da realidade imediata e da geopolítica
(considerando a regionalidade de atuação dos professores), quanto da adjetivação
do seu trabalho docente, convencionado por alguns como reflexivo (SILVA, 1997).
Se a questão é discutir a política de formação de professores,
necessário se faz abordar a importância do conhecimento dos campos de
atuação. Evidenciamos neste debate a escassez de políticas públicas na e de
formação do educador camponês brasileiro, no sistema formal. Atuando como
formadoras de professores e professoras, conscientes da não inclusão nos
componentes curriculares dos cursos de Licenciatura, conhecimentos e conteúdos
1 Professora Adjunta, do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP), Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
2 Professora Adjunta, do DTP-UEM.
3 Professora Assistente, do DTP-UEM.
2
que abordam a vida no e do campo como diversidade sociocultural dos futuros
educadores. Observamos que as questões veiculadas no meio acadêmico estão,
estreitas e estritamente vinculadas ao espaço urbano, sistematicamente pensado
para o mercado formal nos diferentes setores de produção da nação.
A formação de professores como pesquisadores de sua própria ação é um
desafio para o educador urbano e, de forma mais específica e acentuada, ao
educador do campo. A questão é, no mínimo, controvertida e não interpretada no
que conhecemos em sua "mística" de vida. Essa mística, na compreensão de
Arroyo, proporciona (re)pensar que o conhecimento das [...] experiências de
formação de educadores, incorporando a riqueza teórico-prática da educação
produzida no campo [...] (ARROYO, 1999: p.10), para os cursos de Licenciatura,
devem ser exercitadas e efetivadas, enquanto campo de atuação dos formadores
de licenciados
Nas memórias da I Conferência Nacional: Por Uma Educação Básica do
Campo4, há relatos de que nas práticas do evento, recuperou-se as dimensões
educativas, matrizes pedagógicas esquecidas pelo predomínio da pedagogia da
fala, da transmissão, do discurso do mestre para alunos silenciosos. O conjunto de
gestos, símbolos e linguagens foram marcas da conferência, ou melhor, a marca
da cultura do campo: falar mais com gestos, rituais, músicas, danças e teatros do
que com discursos, por vezes, demagógicos. É a educação pensada na
dimensão de um projeto de vida com abrangências para além do formal,
convencionada no sistema público de educação. Uma forma de romper com a
"cerca" da racionalidade técnica da pedagogia, que continua presente nos cursos
de formação de educadores, fazemo-nos expressar nas palavras de Arroyo: [...]
que falta nos faz à nossa pedagogia tecnicista, formalista, racional e fria recuperar
essas matrizes pedagógicas vividas nessa conferência, na qual os educadores, as
crianças e os jovens se manifestaram, como sujeitos culturais celebrando sua
memória (ARROYO, 1999, p.10).
4 Nos dias 27 a 30 de julho de 1998, em Luziânia-GO.
3
(Re)pensando a questão aludida, projetamos a idéia sobre o professor
reflexivo, ou seja, aquele que pesquisa sua própria ação e teoriza suas memórias.
Matos (1997) elege como ponto de partida para a reflexão o ser humano. É,
segundo suas observações, o homem, o único que toma distância, faz crítica e
elabora juízo de valor. Ao avaliar retoma o caminho. Supera, então a dicotomia
entre teoria e prática. É nesse espaço que o professor mapeia sua ação
aprendente, articula os conhecimentos e concepções, os seus saberes, "teóricos e
sua prática de aula".
Não podemos ter medo. Temos que ser ousadas. E Freire (1986) nos faz
relembrar ao escrever sobre medo e ousadia, entendidos como desafios do
professor reflexivo, lembrando que essa formação reflexiva é pedagogia situada:
[...] o que tem sido mais evidente é a política da pedagogia – como uma atividade
social em favor da liberdade e contra a dominação, como ação cultural dentro ou
fora da sala de aula (FREIRE, 1986, p.121).
As dificuldades encontradas na formação de professores são constituídas
não apenas de caráter financeiro. Há falta de investimento político dos
governantes na garantia de condições de trabalho dos professores que atuam nos
processos formativos. São projetos como os de ensino, de extensão e de pesquisa
que levam à realização de ações coletivas que possibilitarão a participação no
debate social para conquistas e concretização de políticas públicas, no
cumprimento dos princípios constitucionais reiterados nas diretrizes nacionais, do
fazer da educação um direito de todos, sem a exclusão da população
camponesa5.
São as periferias desse sistema que pensa a educação formal, sem
visualizar a população campesina, que se utiliza de estatísticas que alimentam os
bancos de dados governamentais para provimento das políticas públicas sociais,
5 VALENTE, Ivan. As taxas de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais, em nível nacional, apontam
que esse levantamento é exclusive a população da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e
Amapá (p.104).
4
dentre estas, as educacionais. Censos que não são consenso para os educadores
e entre as organizações como IPEA6 e DIEESE7 que acompanham os movimentos
populacionais migratórios no Brasil e sua inserção e exclusão econômica.
A condição social das populações que trabalham a educação do campo é
de isolamento. Constatamos que municípios paranaenses dependem da atividade
rural8. E nesses, há falta de atendimento educacional. Convivem com a existência
de escolas distritais que recebem parte da população em "idade escolar", por meio
do deslocamento de crianças das zonas rurais para as urbanas, da cidade. O que
se torna uma problemática insolúvel, na medida em que as dificuldades de
transporte e os riscos de morte dos usuários são constantemente denunciados
pela mídia. Há falta da "pedagogia situada" (FREIRE, 1986, p.121), característica
da ação possibilitada aos profissionais que não recebem a valorização (formação
e salário) pelo exercício do magistério para a população da zona rural, que após
décadas permanecem, predominando, no atendimento ao direito a educação,
manifestando as nuances das estratégias de governos temporários sobrepondo-se
às políticas públicas.
Esses profissionais que atuam nas escolas rurais, quando recebem a
formação superior, a recebem para a educação na zona urbana; o que é
específico da vida no e do campo não constitui conteúdo norteador dos estudos da
educação básica. A educação rural é marginalizada e, quando lembrada, é de
forma preterida, com estereótipos, tais como: "professorinha, "escolinha rural".
6 IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
7 DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos e Estatística Sócio Econômica
8 Foi veiculado pelo programa JORNAL da GLOBO, dia 27/04/2006, a reportagem sobre as conseqüências da
dependência urbana, em relação às atividades produtivas do Campo, no município de Sertanópolis/PR. Com a
queda da produtividade da lavoura, tanto pelas intempéries como por problemas causados pelas políticas de
financiamento para a monocultura, que não atendem as necessidades dos pequenos proprietários, há a falência
em cadeia de outros setores do mercado. A reportagem mostrou que o mercado que serve a população e até o
comércio de pequenas quinquilharias, sentem diretamente a crise. Na mesma semana, aconteceu em Foz do
Iguaçu/PR, um encontro internacional sobre Climatologia, para discutir a dependência da humanidade em
5
Salientamos que: [...] a educação formalizada é um dos processos pelos quais a
sociedade se configura, mas não é, como pensa a pedagogia ingênua o único que
a configura (PINTO, 1982, p.108).
No sentido de reconhecer a importância dos campos de atuação
educacional, o processo de formação que não perpassa, que não pesquisa e não
reconhece o meio rural como meio de atuação do educador, deixa lacunas não
apenas pedagógica e sim, de negação de espaços de construção do
conhecimento e de conscientização política da importância histórica do trabalho
educativo, não dicotomizado pelo território físico. Implica dizer que a
compreensão da dimensão dos espaços do saber político-social, de
conhecimentos e conteúdos escolares convencionais não se resume na
autonomia, ocorrendo o que relata Barretto (1985), [...] na inadequação do saber
transmitido pela escola, em particular, na medida em que este é constituído de
generalizações vazias ou de conteúdos deturpados ou estranhos ao ambiente
cultural do aluno. A chamada inadequação é praticada a partir do entendimento de
que a educação dos viventes do meio rural é uma simples extensão das unidades
escolares das cidades, portanto, considerada "apenas" a partir da idéia de divisão
de espaço físico. É o espaço geográfico utilizado como fundamento para justificar
decisões políticas localizadas na criação da "escolinha rural".
O alargamento de conteúdos é campo de pesquisa para compreensão de
que educação rural "é uma coisa" e "educação do campo é outra coisa". A
educação rural pode ser analisada a partir da falta de políticas públicas para as
populações do campo. Analisar a educação do campo é pensar políticas nacionais
que atendam as condições de vida no campo, não se limitando à transposição
"pura e simples" de valores e conteúdos da cidade e nem retomar teses
regionalistas históricas na educação do Brasil.
relação às intempéries. Entre outras situações, provocadas pelo próprio homem e como conseqüência, o cerne
6
À guisa de exemplo do que podemos entender por educação do campo,
valemo-nos da concepção de educação, de Armelindo Rosa Maia9, que se
fundamenta nas ações educativas dos movimentos sociais do campo, quando
afirma que educação do campo é luta pela posse da terra, que se faz necessária à
aliança com outros segmentos para resolver a contradição no trato com a terra,
bem como elaborar propostas com conteúdos que atendam ao projeto político,
muitas vezes, não tão explícitas, mas com a clareza da necessidade de formar o
novo quadro de profissionais com esse entendimento, dentro de uma preocupação
de produção coletiva, com base nos princípios pedagógicos do movimento social
do campo. Dentre outros, a relação entre o teórico-prático, o desenvolvimento de
metodologias adequadas, vínculo orgânico entre educação e cultura e processos
educativos e políticos, criação de coletivos pedagógicos e formação permanente
dos educadores e educadoras em atitudes de pesquisa combinando processos
pedagógicos coletivos e individuais.
A dinamização de cursos que compreendam essa realidade sociocultural
brasileira indica à extensão, à pesquisa e ao ensino, horizonte de atuação para
além do formal, legalmente convencionado e, regulado dentro dos prédios
escolares. Considerando que o país tem diretrizes10 legais que reconhecem a
educação do campo como prática social, para além do escolar, o desenvolvimento
de políticas públicas para a efetiva construção dessa prática abrangente,
observamos: tarda quando as Instituições de Ensino Superior (IES) relacionam-se
timidamente com a necessidade de pensar a população que vive no e do trabalho
no campo, como sujeito partícipe do processo educacional.
Nesse contexto, importa-nos pensar os motivos pelos quais a população
rural tem sido flutuante nos últimos 30 anos, considerando os últimos anos do
século passado e início do século XXI. Compreender a falta de políticas públicas
para o atendimento de direitos fundamentais da população do campo, é essencial
da dependência campo-cidade-campo.
9 Coordenador Pedagógico da Escola Milton Santos, Maringá-PR, no dia 17 de março de 2006.
10 Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB nº 1/2002.
7
para o conhecimento do movimento social e seus desdobramentos de organização
da vida campesina. Daí porque ocupamo-nos da formação de professores que
desenvolvem a capacidade de reflexionar, com e sobre a mobilidade social
contemporânea como fonte viva de pesquisa das políticas educacionais. [...] se há
dificuldades específicas do fazer histórico do presente, nem por isso ela está
interditada. (SANFELICE, 2004, p.105).
O financiamento público da educação fundamental é condicionado à "idade
escolar", dos 7 aos 14 anos11, dos que possuem registro de nascimento e carteira
de vacina em dia, limitando o acesso de "todos" aos que se encontram nessa faixa
etária à vida escolar formal. Entendemos que as políticas públicas devam ser mais
abrangentes, atendendo ao direito à educação das populações em diferentes
condições de vida. A partir desse direito social, as ações coletivas dos processos
de formação de professores licenciados, são de responsabilidade das Instituições
de Ensino Superior, que por obrigação constitucional têm como função social
atender aos diversos meios sociais respeitando a cultura dos que se envolvem
com o "tecimento" de políticas de direitos.
Enquanto partícipes do processo de formação de professores, colocamonos
na posição de provocadoras desta discussão, no intuito de abrir o debate do
redimensionar o entendimento do que "devemos" e do que "podemos" realizar
coletivamente, na criação de espaços articuladores de estudo e sistematização,
envolvendo campo e cidade, enquanto "espaço urbano" de atuação do educador.
Olhamos para o campo como espaço de conquista do direito a ter direitos e não
como "beco sem saída".
No sentido de articular a criação desses espaços de pensar nos tempos de
licenciaturas, perguntamo-nos: é a prática de ensino, o "lócus" de iniciação das
ações de organização de estudos principiantes da formação de professores,
enquanto eixo articulador de momentos e, porque não dizer, de projetos de
8
aproximação com situações próprias da educação na zona rural das cidades
brasileiras?
De acordo com as Resoluções CNE/CP 01/99, CNE/CP 01/02, CNE/CP
02/02 e com a LDB (Lei Federal 9.394/96) artigos 82 e 65, citadas no Parecer
CNE/CES – 109/2002, em consulta realizada pelo Sindicato Nacional dos
Docentes do Ensino Superior (MEC/SESU), sobre a aplicação da resolução de
carga horária para os Cursos de Formação de Professores, a relatora Silke Weber
recomenda que a prática de ensino deve ser "prevista" pela instituição proponente
de Cursos de Formação de Professores em 400 horas, devendo executar, "no
mínimo", 300 horas. Tal carga horária recomendada não deveria estar a serviço de
todos os componentes curriculares, reconhecendo a cultura campesina?
Remetendo-nos a outros períodos históricos podemos recuperar
informações sobre as políticas para o Ensino Superior, como políticas de controle
da demanda social por urbanização, tendo como instrumento a criação dos cursos
preparatórios e a criação de Escolas Privadas para o Ensino Superior. Isso
objetivava o preparo dos quadros administrativos aos diferentes escalões da
esfera pública na organização dos espaços urbanos, como no período imperial,
sob tutela do governo da Monarquia Constitucionalista, quando a organização da
zona urbana tornava-se uma prioridade da nação.
Na perspectiva republicana, espaço urbano e espaço rural, politicamente
delineado, confronta-se no processo pela conquista da garantia de direitos
econômicos, sociais e culturais. Demarcando a formação de políticas, esse
confronto fortalece a dicotomia campo/cidade e expressa os conflitos que agridem
os princípios de direito à cidadania. Em momentos de mobilização nacional por um
regime democrático de governo do Estado de Direito, campo e cidade não entoam
as mesmas cantilenas para a conquista das garantias de dignidade na vida em
sociedade.
11 Tramita no Congresso Nacional Emenda Constitucional nº 415 – FUNDEB, considerando as alterações
9
O processo de não inserção sócio-econômica e cultural do projeto político
de organização da vida urbana margeia o entorno social urbano com divisas entre
campo e cidade. É na oferta de serviços públicos que encontramos os primeiros
marcos da fronteira do exercício da cidadania instaurados na concepção de
urbanidade. Aos habitantes do campo, suprimi-se as demandas como transportes
coletivos, ignorando as regras de segurança para a manutenção da integridade
física dos estudantes que dispõem de condições para submeter-se aos trajetos e
horários de viagens diárias para freqüentar escolas das zonas urbanas das
cidades, como mencionado.
No Estado do Paraná, são noticiados graves acidentes por transporte
inadequado de crianças e adolescentes, resultando em mortes. Não são raros os
depoimentos de trabalhadores sobre os inconvenientes causados por essa
estratégia de transportar alunos da zona rural, praticados por governantes
municipais, financiados pelo governo federal, em parceria com o estadual com a
justificativa de atender o direito à educação da população do campo. Saem de
suas residências e retornam com o claro da lua, em decorrência de medidas de
"economia" com o serviço de transporte, demonstrando a necessidade de
aprimoramento da gestão pública para além das estratégias politiqueiras.
É nesse "box" histórico que nos fazemos comunicar, pensando na
importância do conhecimento dos "campos" de atuação entendendo que muitos
são o câmpus e o "campo" não se encontra integrado ao sistema educacional
brasileiro como espaço geopolítico, habitado e trabalhado para a sustentação da
nação com a responsabilidade de subsidiar a economia nacional. A lacuna que
constatamos na formação de professores fortalece a dita dicotomia campo/cidade
e expressa os conflitos que agridem os princípios de direito à cidadania.
legais para 9 anos de permanência no Ensino Fundamental, com entrada aos 6 anos de idade.
10
Os fatores de direito abordado nesse debate político são partes do conjunto
da sociedade, no caso específico, da brasileira, merecedores de ser
reflexionados, para entendimento de alguns movimentos e reformas que estão se
dando em relação ao projeto de formação de professores no Século XXI. Não
podemos ficar alheias aos fatores do "mal estar" profissional que vão se
acentuando pela [...] ausência de um projeto coletivo mobilizador do conjunto da
classe docente[...] que [...] dificultou a afirmação social dos professores dando azo
a uma atitude defensiva mais própria de funcionários do que de profissionais
autônomos (NÓVOA, s/d).
Essa ausência de projeto político dos professores, como observamos, não é
um fato isolado. É estruturalmente compreensível, dada a conjuntura política,
econômica da sociedade brasileira e mundial, mediante as agências internacionais
de financiamento da educação. A racionalidade técnica que sobrepõe o sistema
educacional formador é conseqüência da hegemonia na sociedade
contemporânea, reduzindo os problemas éticos, sociais e políticos a problemas
técnicos. Essa desvalorização dos professores e a perda de autonomia de gestão,
são debitadas pelos financiadores, à falta de competência do professor para
absorver as novidades tecnológicas, como estratégia de governo.
Essa tensão, conforme Fernandes (1995), a qual os professores foram e
são submetidos, acompanhou a crise em relação ao "lócus" de sua formação.
Trouxe ao debate problemas relacionados à identidade profissional: degeneração
do sistema educacional e das condições de vida e de trabalho dos profissionais da
educação.
Outros temas, como a função social da escola, competência técnica versus
compromisso político, teoria/prática ou racionalidade técnica versus professor
reflexivo, debatidos em épocas anteriores demonstram a atualidade da discussão
quando falamos da formação de educadores e educadoras do e no campo, no
século XXI, no Brasil.
11
Não reproduzimos, neste contexto, que a escola ou a educação é o produto
da sociedade, mas não podemos deixar de lembrar que é o Estado o determinador
das necessidades que devem ser satisfeitas em matéria de educação pública,
regula como e quando deve ser atendido, a quem devem ser ofertadas e
garantidas.
Dependemos, como profissionais da educação, do Estado - o empregador.
O profissional da educação desvalorizado na sua formação, que também é
regulada pelo Estado - o pagador, dado quem sabe, pela hegemonia da
racionalidade técnica, que povoa nossa subjetividade. Mas vamos mapeando o
percurso. Lembremo-nos, novamente, de que sempre que um problema ético e
político, como no caso a profissão do professor não podem ser transformado em
problema técnico, recorrem-se à sua regulamentação jurídica (SANTOS, 1997).
Constatamos em nossos estudos, na área de Políticas Públicas e Gestão
da Educação, que a relação vertical, entre economia e escolarização não é linear
mas [...] o resultado de tensões sutis que ocorrem quando a cultura, o trabalho e a
política se relacionam (POPKEWITZ, 1997, p.122). A exemplo disso, a situação
brasileira em relação aos povos do campo é embate político-pedagógico para o
repensar dos parâmetros urbanizados da educação formal, com vistas a projetar
os pensamentos, que poderão sustentar teoricamente a formação de professores,
defendida pelos movimentos sociais do campo, sistematicamente a partir de
199812, com responsabilidade e autonomia e apoio à criação coletiva.
Na perspectiva de educação coletiva do campo, a formação de
educadores e educadoras que se distancia da lógica formal do capital, forjando
práticas coletivas na mística da esperança de organização do homem no e do
campo, constitui-se em utopia a ser realizada, no exercício do direito a ter direito.
Não enquanto excluídos do sistema formal, mas como cidadãs e cidadãos que
12 Quando da I Conferência Por Uma Educação Básica para o Campo
12
pensam a democratização do ensino com o reconhecimento das populações
campesinas, enquanto brasileiras e brasileiros, sujeitos de políticas de estado
democrático de direito e não subjugados às estratégias temporárias de governos
temporários. No trilhar dos projetos de pesquisa-ensino-extensão que têm como
problemática e objeto a educação no e do campo, constituem "territórios" de
saberes que constroem caminhos para os cursos de licenciaturas preenchendo
espaços de formação docente, construindo história.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel G. In: Prefácio. KOLLING, Edgar Jorge, Ir NERY-FSC e
MOLINA, Mônica Castagna (ORGs). Por uma educação básica do campo.
Brasília, UnB, 1999.
BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Política educacional e educação das populações
rurais. In: Educação na América Latina: os modelos teóricos e a realidade social.
Coord. Felícia Reicher Madeira e Guiomar Namo de Melo. Cortez: SP. 1985.
BRASIL, CNE. Parecer 109/2002 CNE-CES, aprovado em 13/03/2002. Consulta
sobre aplicação da Resolução de carga horária para os Cursos de Formação de
Professores.
FERNANDES, Florestan. Tensões na Educação. Salvador: Sarahletras, 1995.
FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 2001.
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São
Paulo: Cortez, 2002.
13
MATOS, Junot Cornélio. Discutindo a "categoria" professor reflexivo:
apontamentos para o debate. 1997. Material xerocopiado.
NÓVOA, Antonio. Notas sobre formação contínua de professores. S/D material
xerocopiado.
POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder
e conhecimento em educação. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade.
São Paulo: Cortez, 1997.
SHOR, Ira. Medo e ousadia – o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
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SILVA, Irizelda Martins de Souza e. Professor reflexivo e sua formação
continuada: questões para o debate. Texto apresentado em Pedagogia 98,
Havana-Cuba.
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo:
Cortez, 1982.
VALENTE, Ivan. Plano Nacional de Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
XII SEMANA DE PEDAGOGIA - 2005
PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO,
ESPECIFICIDADE EM LÍNGUA PORTUGUESA
Anna Paula Krasnhak*;
Beatriz Faccioli Aguiar*;
Claudia R. T. Cardoso*;
Nathalia Costa Esteves*; e
Kiyomi Hirose**
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é o de pesquisar o funcionamento e os critérios de avaliação
para a escolha dos livros didáticos através do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
observando a tipologia dos exercícios de compreensão textual elaborados em um livro do ensino
fundamental. Para tanto, buscamos subsídios em dados retirados de livros e sites do governo, os
quais apresentam um histórico e o guia dos livros didáticos (LD) do ensino básico.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é responsável pela
avaliação de LDs nas seguintes áreas: Alfabetização, Língua Portuguesa, Matemática, Ciências,
História, Geografia e Dicionários de Língua Portuguesa. No entanto, o presente artigo
contemplará apenas a organização dos Livros Didáticos de Português (LDP).
Para essa análise, utilizaremos o livro do ensino fundamental da 7ª série: Língua
Portuguesa: rumo ao letramento (FINAU e CHANOSKI-GUSSO, 2002), para a forma como são
apresentadas as atividades, bem como para as lacunas ainda existentes nessas publicações. Há
algumas questões que são úteis para o processo de avaliação e escolha dos LDP. É preciso
ressaltar que, com o passar dos anos, as concepções de ensino-aprendizagem passaram por
algumas transformações e a ciência de aprendizagem a respeito do que é aprender, têm
propiciado o questionamento das práticas até então utilizadas. Considerando que é
cientificamente comprovado que a interação contribui para o processo de aprendizagem, por que
não utilizar desse artifício na sala de aula? Por que desprezar a bagagem cultural que o aluno traz
consigo se ela é um fator indispensável para a consolidação do conhecimento novo? Por que
utilizar práticas de ensino inviáveis que, embora bem intencionadas, andam na contramão da
aprendizagem? Essas questões foram levantadas pelo professor da PUC-SP Egon de Oliveira
* Acadêmicos do Curso de Letras Português/Inglês, da Universidade Estadual de Maringá, 2005.
** Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação, da Universidade Estadual de Maringá.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
599
Rangel (2002), que coordenou a avaliação do LDP nos Programas Nacionais do Livro Didático
(PNLD) 1997, 1998, 1999 e 2001.
Para alcançar o objetivo desse trabalho verificaremos se essas questões são levadas em
consideração no processo de elaboração dos LDP.
DESENVOLVIMENTO
Desde 1929, quando o governo brasileiro criou um órgão específico para legislar sobre a
política do LD, o Instituto Nacional do Livro (INL), a ação federal nessa área vem se
aperfeiçoando com a finalidade de prover às escolas das redes federal, estaduais, municipais e do
Distrito Federal, com obras didáticas e para-didáticas e dicionários de qualidade.
Atualmente, essa política está consubstanciada no Programa Nacional do Livro Didático
(PNLD) e no Programa Nacional do Livro Didático para Ensino Médio (PNLDEM). O PNLD
distribui gratuitamente obras didáticas para todos os alunos das oito séries da rede pública de
ensino fundamental. Esse programa é mantido pelo FNDE, com recursos financeiros do
Orçamento Geral da União e da arrecadação do salário-educação.
O PNLD tem por objetivo oferecer a alunos e professores de escolas públicas do ensino
fundamental, de forma universal e gratuita, livros didáticos e dicionários de Língua Portuguesa de
qualidade, para apoio ao processo ensino-aprendizagem desenvolvido em sala de aula.
A fim de assegurar a qualidade dos livros a serem distribuídos, o FNDE lança, a cada três
anos, edital para que os detentores de direito autoral possam escrever suas obras didáticas. O
edital estabelece as regras para inscrição e apresenta os critérios pelos quais os livros serão
avaliados. Os critérios comuns a todas as áreas de conhecimento são: a adequação didática e
pedagógica, a qualidade editorial e gráfica, a pertinência do manual do professor para uma
correta utilização do LD e para atualização do docente. Como critérios eliminatórios, também
comuns às diversas áreas, definiu-se que os livros não poderiam expressar preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação, nem poderiam
induzir ao erro ou conter erros conceituais graves.
A Secretaria da Educação Básica coordena o processo de avaliação pedagógica
sistemática das obras inscritas no PNLD, desde 1996. Esse processo é realizado em parceria com
universidades públicas que se responsabilizam pela avaliação de livros didáticos.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
600
Ao final de cada processo, é elaborado o Guia de Livros Didáticos. Nele são apresentados
os critérios que norteiam a avaliação dos livros, bem como as resenhas das obras aprovadas,
passíveis de escolha por parte dos professores. O Guia é, então, enviado às escolas como
instrumento de apoio aos professores no momento de escolha dos livros. Diretores e professores
analisam e escolhem as obras que serão utilizadas.
No Guia, o PNLD classifica os livros didáticos em:
• Excluído: obras que apresentam erros conceituais, indução a erros, desatualização,
preconceitos ou discriminações de qualquer tipo;
• Não-recomendado: obras nas quais a dimensão conceitual se apresenta com insuficiência,
sendo encontradas impropriedades que comprometem significativamente sua eficácia
didático-pedagógica;
• Recomendado com ressalva: obras que possuem qualidades mínimas que justificam sua
recomendação, embora também apresentem problemas que, entretanto, se bem
trabalhados pelo professor podem não comprometer sua eficácia;
• Recomendado: obras que cumprem corretamente sua função, atendendo não só a todos os
princípios comuns e específicos, como também aos critérios mais relevantes da área;
• Recomendado com distinção: obras que se destacam por apresentarem propostas
pedagógicas elogiáveis, criativas e instigantes, de acordo com o ideal representado pelos
princípios e critérios adotados nas avaliações pedagógicas.
O quadro a seguir apresenta a porcentagem dos livros inscritos no PNLD de 1999, 2002 e
2005.
PNLD OBRAS
INSCRITAS
RECOMENDADAS NÃO-RECOMENDADAS
/ EXCLUÍDAS
PNLD / 1999
PNLD / 2002
PNLD / 2005
438 livros
104 coleções
129 coleções
218 livros (49,77%)
65 coleções (62,50%)
92 coleções (71,3%)
220 livros (50,23%)
39 coleções (37,50%)
37 coleções (28,7%)
Fonte: www.mec.gov.br/sef/fundamental/avaliv.shtm , em 2005
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
601
De acordo com Odenildo Sena (2005), o livro didático é um instrumento auxiliar da maior
relevância na mediação do processo pedagógico. Como roteiro de trabalho, ele pode oferecer a
alunos e professores uma seqüência programática adequada aos interesses da disciplina. Como
elemento facilitador do ensino, pode propor "caminhos" didáticos que reduzirão a distância entre
os objetivos a serem alcançados pelo trabalho do professor e o desejável envolvimento do aluno.
Como peça de uma dada formulação discursiva e política, pode agregar alunos e professores em
torno de busca de ideais que acenem para a libertação, para a construção de um apurado senso
crítico e para a consolidação do exercício da cidadania.
Contudo, os LDs apresentam problemas de variadas ordens. No caso da área de Língua
Portuguesa, por exemplo, que continua predominando: propostas que negam os extraordinários
avanços no campo de Lingüística Aplicada, muitos dos quais já consolidados nos PCNs;
procedimentos que se distanciam da realidade lingüística do aluno, contribuindo para a
disseminação do preconceito; práticas que degradam e até debocham do conhecimento empírico
de mundo do aluno, criando barreiras entre a escola e a vida, como se fossem entes autônomos;
estratégias que privilegiam uma abordagem gramatical, deixando o caráter social do fenômeno,
responsável pela heterogeneidade, pela diversidade e pela riqueza de uma línguas e
procedimentos de leitura que cristalizam as verdades de um texto e limitam a criatividade do
aluno na criação de outras verdades, transitando pelo inaceitável terreno ideológico do fetiche.
Pode-se exemplificar essa afirmação com base no exercício retirado do livro de Cereja &
Magalhães (apud DIONISIO, 2002, p.80), no qual a resposta contida no manual do professor
restringe o uso do dialeto caipira à zona rural, dando vazão ao preconceito lingüístico:
Leia esta tira de Maurício de Souza:
-Toma um leite Zé Lelé!
-Pru que ocê ta rasgando a manga da camisa?
-Dizem que tomá leite com manga faiz mar!
Onde se fala esse tipo de variante lingüística: na zona rural ou nos centro urbanos? Resposta do manual do
professor: "Ela é falada no interior de alguns estados, no meio rural".
Têm-se feito esforços para que falhas como essa sejam sanadas. Assim, o ideal seria que
os LDs atendessem a três requisitos metodológicos básicos:
• Mobilizar e desenvolver o maior número possível das capacidades envolvidas em leitura,
produção de textos, práticas orais e reflexão sobre a linguagem;
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
602
• Explicar sua proposta metodológica, respeitando os preceitos básicos que permitem
modificá-la e compreender seu alcance;
• Realizar, ao longo dos volumes da coleção, as opções teórico-metodológicas assumidas,
de maneira coerente, nas diversas atividades de leitura, produção de texto, práticas orais e
reflexão sobre a linguagem.
O texto sempre esteve presente no LDP: inicialmente só os literários, depois os não-literários
também. Atualmente a diversidade textual é forte e atualizada. Afirmamos isso com base em uma
sondagem feita por nós, acadêmicos, nos textos elegidos aleatoriamente e que estamos incluindo
no corpus de análise do presente trabalho:
Textos Literários Textos Não-Literários
Livro Didático de 1987 24/27 3/27
Livro Didático de 2002 24/71 47/71
Procuramos observar no LD em análise como é trabalhada a compreensão desses textos.
Os autores de LDP consideram que o trabalho com a interpretação textual é importante, uma vez
que há uma farta dose de exercícios nesse campo. Desse modo, podemos constatar que não há
problemas quanto ao número de exercícios desse tipo, mas sim quanto a sua natureza. Alguns dos
problemas que podem ser encontrados no LDP são:
• Muitas vezes, a compreensão é considerada uma simples decodificação, tornando a leitura
uma atividade mecanizada, sem incitar nos alunos o interesse pela aprendizagem;
• Alguns exercícios de compreensão, às vezes, nada têm a ver com os textos a que se
referem;
• Os exercícios de compreensão, normalmente, não levam a reflexões críticas sobre o texto
e não permitem construção de sentido, o que sugere a noção de que compreender é apenas
identificar conteúdos.
Com essas lacunas nos exercícios, perdem-se muitas oportunidades de treinar o raciocínio, o
pensamento crítico e as habilidades argumentativas. Uma pesquisa encontrada no livro O Livro
Didático de Português (DIONISIO e BEZERRA, 2002, p.54-55), apresenta uma tipologia para a
classificação das perguntas encontradas nas seções dedicadas à compreensão textual, como
descrita no quadro:
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
603
Tipos de
perguntas
Explicitação Exemplos
1- A cor do
cavalo branco de
Napoleão
São perguntas não muito
freqüentes e de perspicácia
mínima, auto-respondidas.
• Ligue:
Lílian -Não preciso falar sobre
o que aconteceu.
Mamãe -Mamãe, desculpe, eu
menti para você.
2- Cópias São as perguntas que sugerem
atividades mecânicas de
transcrição de frases ou
palavras.
• Copie a fala do trabalhador.
• Retire do texto a frase que...
• Complete de acordo com o
texto.
3- Objetivas São as perguntas que indagam
sobre conteúdos objetivamente
inscritos no texto (O que,
quem...) numa atividade de pura
decodificação.
• Quem comprou a meia azul?
• O que ela faz todos os dias?
• Assinale com um X a resposta
certa.
4- Inferenciais Estas perguntas são as mais
complexas; exigem
conhecimentos textuais e
outros, sejam pessoais,
contextuais, enciclopédicos,
bem como regras inferenciais e
análise crítica para busca de
respostas.
• Há uma contradição quanto ao
uso da carne de baleia no
Japão. Como isso aparece no
texto?
5- Globais São as perguntas que levam em
conta o texto como um todo e
aspectos extra-textuais,
envolvendo processos
inferenciais complexos.
• Qual a moral dessa história?
• Que outro título você daria:
• Levando-se em conta o sentido
global do texto, pode concluir
que...
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
604
6- Subjetivas Estas perguntas em geral têm a
ver com o texto de maneira
apenas superficial, sendo que a
resposta fica por conta do aluno
e não há como testá-la em sua
validade.
• Qual a sua opinião sobre...?
• O que você acha do...?
• Do seu ponto de vista, a
atitude do menino diante da
velha senhora foi correta?
7-Vale-tudo São as perguntas que indagam
sobre questões que admitem
qualquer resposta, não havendo
possibilidade de se equivocar.
A ligação com o texto é apenas
um pretexto sem base alguma
para resposta.
• De que passagem do texto
você mais gostou?
• Se você pudesse fazer uma
cirurgia para modificar o
funcionamento do seu corpo,
que órgão você operaria?
Justifique sua resposta.
• Você concorda com o autor?
8-Impossíveis Essas perguntas exigem
conhecimentos externos ao
texto e só podem ser
respondidas com base em
conhecimentos enciclopédicos.
• Dê um exemplo de pleonasmo
vicioso (não havia pleonasmo
no texto e isso não fora
explicado na lição)
• Caxambú fica onde? (o texto
não falava de Caxambú)
9- Metalingüísticas
São as perguntas que indagam
sobre questões formais,
geralmente da estrutura do texto
ou do léxico, bem como de
partes textuais.
• Quantos parágrafos tem o
texto?
• Qual o título do texto?
• Quantos versos tem o poema?
Para ilustrar melhor o modo como as atividades de compreensão textual são elaboradas,
faremos uma análise dos exercícios contidos no livro Língua Portuguesa Rumo ao Letramento
(FINAU e CHANOSKI-GUSSO, 2002), no texto As origens no século passado:
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
605
As origens no século passado
1878 – Os ancestrais
Apenas dois anos após Alexander Graham Bell (1847-1922) ter inventado o
telefone, jovens entravam nas transmissões para cruzar linhas ou interferir na
conversa dos outros. Esses invasores de sistemas telefônicos chamados de
"phreakers" são considerados os antepassados dos "hackers".
Anos 60 – Os pioneiros
Jovens que ficavam enfurnados no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos
EUA, explorando os enormes computadores da época, começam a ser chamados de
"hackers". O termo quer dizer algo como "fuçador de sistemas". Na mesma época,
os "phreakers" já haviam evoluído e começam a invadir sistemas telefônicos para
fazer ligações gratuitas.
1975 – Um bom negócio
Dois jovens californianos, Steven Jobs e Steven Wosniaz, vendem aparelhos
chamados "blue box" para adulterar telefones de modo que as ligações não fossem
cobradas. Em 1976, os dois constroem o primeiro microcomputador popular do
mundo e fundam a empresa Apple Computer. Alguns anos depois criam o
"Macintosh", o micro mais fácil de usar. Ficaram bilionários.
1983 – No cinema
No filme "Jogos de Guerra", o ator Matthew Broderick é um jovem "hacker" que
invade os computadores do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e, sem
perceber, quase dispara mísseis contra a União Soviética. O filme inspirou os
"hackers" de verdade. Nos anos seguintes, o Pentágono sofreu, em média, duas
invasões por dia.
1986 – A primeira lei
O Congresso americano aprova a Lei de Fraude e Abuso de Computadores. O
primeiro condenado – a cinco anos de cadeia – seria o estudante Robert Tappan
Morris Junior que, em 1988, mandou um tipo de vírus chamados de "worm"
(minhoca) pela internet, atingindo cinqüenta mil computadores.
1989 – A grande caçada
A procuradoria do Arizona, o Serviço Secreto Americano e o FBI se unem para
localizar "hackers" em várias cidades do país, numa grande operação chamada
"Sundervil". Entre os presos, estava Phiber Optik (apelido de Mark Abene), líder da
gangue "hacker" Masters of Deception. Liberado alguns meses depois, foi preso de
novo em 1993.
Exercícios
1- Observe a palavra grifada na passagem a seguir: "... phreaker, são considerados os
antepassados dos hackers".
a) O que siginifica "antepassados"?
b) Na frase: "surge a antecessora da internet", a palavra grifada dá a mesma idéia de
"antepassado"? Por quê?
2- A palavra "microcomputador é formada pelo prefixo micro + computador. Mas
observe que na frase abaixo, o autor usa apenas o prefixo para se referir ao
aparelho: "... o micro mais fácil de usar".
Agora responda:
a) Por que existe a palavra microcomputador alem de computador?
b) Que outras palavras você conhece que também têm o prefixo "micro"? Liste-as e
verifique se seria possível separá-las do prefixo e manter o mesmo sentido.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
606
c) Qual é o prefixo que tem sentido contrário de micro?
3- Reescreva o ítam " Anos 60 – Os pioneiros" seguindo as regras abaixo:
a) mantenha as mesmas informações;
b) troque as palavras "enfurnados" e " fuçador" por outras com os mesmos
significados;
c) coloque outro subtítulo no lugar de "Os pioneiros";
a) comece a reescrita assim: "Os phreacers evoluíram e ..."
Com esses exercícios de compreensão desse texto, podemos tecer alguns comentários:
• Em geral, elas dão liberdade aos alunos para responderem de acordo com o seu próprio
ponto de vista;
• Não exigem uma atividade de pesquisa por parte dos alunos, uma vez que muitas
respostas podem ser encontradas prontas no glossário presente no final do livro (vale
ressaltar que isso pode ser conseqüência do fato de muitos alunos não terem dicionários
em casa);
• Há exercícios gramaticais.
O texto a seguir foi retirado da revista Isto É, 08 de julho de 1998, e seus exercícios foram
analisados de acordo com o quadro da tipologia das perguntas de compreensão textual
encontradas no LD.
Ao analisar esses exercícios, podemos concordar com a seguinte afirmação de Luís Antonio
Marcuschi (DIONISIO & BEZERRA, 2002, p.57-58): "... os exercícios de compreensão dos
livros didáticos falham em vários aspectos e não atingem seus objetivos. Principalmente, devido a
uma errônea noção de compreensão como simples decodificação. Isso só será superado quando a
compreensão for tida como um processo criador, ativo e construtivo que vai além da informação
estritamente textual".
O livro que foi objeto de análise do presente trabalho é destinado a um público específico, ou
seja, aos adolescentes. Assim, os textos escolhidos, na sua maioria, condizem com os interesses
dessa faixa etária e com suas necessidades.
CONSIDERAÇÕES
A análise do LD nos fez observar que mais importante do que todos os materiais de apoio
é o posicionamento do professor. O instrumento referencial básico de trabalho do docente, no
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
607
processo de transmissão e assimilação do conhecimento, é o livro didático. No entanto, de acordo
com Caporalini (apud VEIGA,1995, p.107) "não se pode apenas revelar, descobrir os
significados pretendidos, assinalados e indicados nos textos e permanecer nesse nível. É preciso
reagir e levar os alunos a problematizarem, questionarem e apreciarem com criticidade". Sem
esta sensibilização, o melhor LD poderá ser inadequado e o trabalho comprometido, pois ele
apenas propõe caminhos, estimula buscas, sugere roteiros que, no entanto, podem despertar
amplas e fecundas possibilidades.
A comparação entre um LD atual e um mais antigo nos fez perceber, de um modo geral,
que os LD mais antigos distinguem-se em vários aspectos: têm menos textos, mais exercícios de
gramática e tratam de maneira equivocada a compreensão textual. Os livros mais recentes têm
uma visão diferente em relação ao tratamento do texto. Trazem maior variedade textual, menos
gramática formalmente trabalhada e mais discussão pessoal. Contudo, ainda evitam questões
interessantes, como as que se referem à variação e à oralidade.
É muito provável que, mesmo numa época marcada pela comunicação eletrônica e pela
entrada de novas tecnologias, o material didático continuará sendo uma peça importante no
ensino. Pouco importa se na forma de um compact disc ou então de um site na internet. Desse
modo, mais do que contestar a existência do livro didático, é preciso ver como anda ele hoje em
dia e como poderia ser melhor ainda.
REFERÊNCIAS
DIONISIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora. O livro didático de Português:
múltiplos olhares. 2. ed., Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.
FINAU, Rossana Aparecida; CHANOSKI-GUSSO, Ângela Mari. Língua Portuguesa: rumo ao
letramento – 7ª série. Curitiba: Base, 2002.
MEGALE, Heitor; MATSUOKA, Marilena. Linguagem, leitura e produção de texto.São
Paulo: FTD, 1987.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
608
RANGEL, Egon de Oliveira. Livro didático de Língua Portuguesa: o retorno do recalcado. In:
DIONISIO, Ângela Paiva e BEZERRA, Maria Auxiliadora. O livro didático de Português. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2002.
SENA, Odenildo. www.mec.gov.Br/sef/fundamental/avaliv.shtm , acessado em 14 de setembro de 2005.
VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Repensando a didática. 10. ed., Campinas: Papirus, 1995.
www.mec.gov.br/sef/fundamental/avaliv.shtm
www.portalamazonia.globo.com/colunistas.php?idArtigo=38
www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2005/mdeu/meio.htm
XII SEMNA DE PEDAGOGIA - 2005
POLÍTICAS DE DIVERSIDADE CULTURAL E O NEGRO NOS
LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Ângela Francine FUZA*; Giselle Rodrigues RIBEIRO*; Renata MANTELO*
e Kiyomi HIROSE**
INTRODUÇÃO
É comum ouvirmos a expressão de que todos nascemos iguais. Mas a realidade nos
aponta para as formas discriminatórias com que a sociedade tem tratado os seres humanos
que vivem e convivem entre os seus grupos sociais. Quem ou o que leva a essa divisão? É
invenção das necessidades econômicas e/ou culturais?
O fato é que vivemos numa sociedade onde os percursos e as condições de vida, as
necessidades e as oportunidades são diferentes e sabemos o quanto ela é dividida e
subdividida em camadas, com inúmeras desigualdades, o quanto uns têm poder e outros
não têm nem direitos. Surge, assim, a necessidade de se fazer reflexões acerca dessa
situação na qual nos encontramos e vemos os outros.
Dar igualdade de direitos, única e exclusivamente, para os desfavorecidos, a fim de
possibilitar-lhes oportunidades que os indivíduos socialmente favorecidos possuem, não é
suficiente. É preciso garantir e fazer valer o direito constitucional de igualdade, contudo,
na situação atual, torna-se imperativo ponderar as desigualdades já existentes e perpetuadas
pelo social, rever e mudar o concreto (COSTA, 2005). Talvez seja nesse sentido que as
ações afirmativas estão sendo elaboradas, trata-se de um conjunto de políticas públicas e
privadas de combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional (MELLO,
2003).
São essas questões angustiantes, principalmente no que se refere à questão do negro
na nossa sociedade, que nos propomos a discutir abordando a ação da instituição educação
como parte desse processo, tendo em vista a utilização dos livros didáticos pelos
professores de Língua Portuguesa.
* Acadêmicas do Curso de Letras Português/Inglês, da Universidade Estadual de Maringá, ano de 2005.
** Professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação, da Universidade Estadual de Maringá,
orientadora.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
554
DESENVOLVIMENTO
Os Estados Unidos da América, Malásia, Noruega, Dinamarca, Itália, Argentina,
vêm adotando políticas públicas para diminuir as diferenças culturais. Essas ações não se
restringem somente aos negros, são leis que exigem um número mínimo de mulheres para
concorrer a cargos públicos, lugares para deficientes físicos, cursos de preparação para
concurso voltado apenas para a população menos favorecida. É um dos caminhos para a
diminuição das distâncias sociais consideradas como ações afirmativas, que não pode ser
privilégio deles, mas também de outros países. O que se pretende com as ações afirmativas
é reconhecer que a igualdade de oportunidades entre os cidadãos, princípio básico da
democracia, não está sendo objetivada e o será se passarem a tratar de forma diferenciada,
ao menos temporariamente, respeitando-se a heterogeneidade da população.
Como afirma Santos (2003), o negro, ao lado da mulher, do índio, do deficiente, dos
optantes por uma preferência sexual diferente daquela defendida pela sociedade como
normal, insere-se no conjunto dos discriminados, ou seja, é um grupo social de minoria,
embora essa denominação não seja adequada, pois o censo apresenta os números que
apontam para grande população negra do país.
Quando pensamos em discriminação, atitude de julgar uma pessoa não pelo que ela
é, mas por sua nacionalidade, cor, sexo e orientação sexual devemos lembrar que o racismo
é uma das formas de discriminação que se baseia em diferença étnica, o qual faz parte da
história do ser humano, mesmo sendo encarado como pernicioso à estabilidade das nação e
injusto com quem sofre. O racismo, embora combatido, é ainda muito constante
(DIMENSTEIN, 2005). O hábito discriminatório é aprendido desde cedo pela criança e,
apesar de ser difícil mudar opiniões aprendidas na 1a infância, não é impossível exercitar a
tolerância na forma de controle da discriminação. No Brasil, segundo afirmações de Santos
(2003), desde a colonização portuguesa houve essa discriminação. O negro foi trazido
como escravo e pelo fato de ter outro tom de pele, a ele nunca foi lhe dado direitos, muito
menos o reconhecimento de sentimentos, muito menos as suas necessidades humanas. Isso
tudo levou o negro a ser visto como inferior, pois a classe dominante assim propunha e até
mesmo pelo fato da falta de opção. Mesmo libertos mais tarde, não viam possibilidade de
ascensão, não sabiam como se sustentar e aceitaram as imposições, continuaram a viver
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
555
subumanamente, como ainda hoje alguns vivem, estabelecendo relações diretas entre
pobreza e racismo.
No nosso país as ações afirmativas existem e, como em qualquer parte do mundo,
foram reconhecidas a partir da idéia de que há uma dívida a ser paga, no caso do Brasil, em
razão da diferença social entre negro e branco.
Uma das ações a ser apontada para a tentativa de alterar a base do problema, deve
ser via educação. Porém, sabemos que desde o período de colonização não houve
preocupação com a escola, ela nunca foi (e até hoje é questionável) prioridade. Evoluímos
sem essa preocupação, até porque sempre foi e será mais fácil manipular aquele que não
tem instrução. Saber ler ou escrever não significava melhoria de vida, logo não era
necessário nem útil. Porém, as necessidades foram aparecendo e o pensamento mudando,
até chegarmos ao ápice de uma sociedade não ser capaz de progredir sem a educação e esta
se tornar fundamental para todo e qualquer desenvolvimento. Ou seja, quando surge o
capitalismo moderno, e a urbanização associada à industrialização, a escola passou a ser
valorizada, pois esse capitalismo precisou de que os trabalhadores tivessem mais instrução
para servir ao capital. Mesmo assim, aos negros não chega o acesso à educação,
conseqüentemente, é uma das causas da discriminação, do racismo e da necessidade de
ações afirmativas: ele não tem as mesmas chances.
De acordo com Durham (2003), é na escola que as crianças negras se deparam, pela
primeira vez, com o preconceito. Até então, sua convivência estava em grande parte restrita
à família, ao círculo de parentes e grupos de vizinhança, núcleos cuja homogeneidade de
cor é maior e em que as relações interpessoais mais íntimas as protegem das manifestações
do preconceito. A atitude preconceituosa em relação aos negros aparece de diversos modos,
seja pelos colegas, seja pelos próprios professores que não sabem lidar com a situação; de
modo agressivo, por meio do estereótipo e de pressupostos, ou sutilmente de exclusão,
criando sentimentos de rejeição e de baixa auto-estima nas vítimas desse preconceito,
desenvolvendo na criança o fenótipo diferente da maioria: rejeição à escola.
Durham (2003) aponta ainda para o insucesso escolar, afirmando que o início,
influencia os anos seguintes, tornando-se cada vez maior e irreparável, levando ao
abandono da escola, o que aumenta a desigualdade entre branco e negro. Portanto, deve-se
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
556
redobrar os cuidados no início da escolarização para tentar garantir maior estabilidade nos
níveis posteriores, apesar da pouca atenção dada à escola nos dias atuais (MELLO, 2003).
Diante desse contexto, como a instituição escolar tem desempenhado suas funções?
Canen (2001) alerta que, estando a escola no bojo de relações sócio-culturais desiguais, ela
acaba contribuindo para a exclusão de grupos cujos padrões étnico-culturais não
correspondam aos dominantes. A ação dos professores, a respeito dos alunos integrantes
desses grupos é marcada por estereótipos [...] que se refletem em práticas docentes
alegando a sua neutralidade técnica, mas que legitimam o silenciar das diferentes vozes que
chegam nos recintos escolares.
Na visão de Canen (2001), uma perspectiva crítica desta situação daria visibilidade
a práticas pedagógicas que, no lugar de abafar, comemoraria a diversidade cultural. Assim,
a formação de professores sensibilizados pela pluralidade cultural e o favorecimento de
práticas pedagógico-curriculares que a isso coadunassem seriam caminhos possíveis e
viáveis de se percorrer, pois
estudos como os de Gillborn (1993) e Khan (1994) indicam que as
representações e os estereótipos sobre a diversidade de dialetos e sotaques,
dentro de uma mesma língua, estão à base de muitas práticas pedagógicas
excludentes. No Brasil, pesquisas desenvolvidas por Paes da Silva e
Vasconcelos (1997), Valente (1995), Gouvea (1993), Alves-Mazzotti (1997),
entre outros, apontam para a presença de representações docentes
impregnadas de visões estereotipadas sobre crianças faveladas, meninos de
rua, crianças negras, alunos provenientes de escolas para "pobres", alunos
com dificuldades na língua padrão, indicando o peso dessas representações
nas ações pedagógicas desenvolvidas no espaço escolar (apud CANEN,
2001).
Essas práticas docentes que sirvam para preparar as gerações futuras "nos valores de
tolerância e apreciação da diversidade, de forma a desafiar preconceitos e promover uma
educação para a cidadania" são importantes, tendo em vista, também, que estereótipos
pesam sobre o rendimento de alunos de universos culturais diferentes. Com isso, é hora de
desvelar o mito da democracia racial vigente até então na sociedade brasileira (CANEN,
2001) e de promover uma visualização de todos os grupos étnico-culturais como portadores
de cultura.
Para Canen (2001), o saber docente seria incrementado no sentido de mobilizar o
diálogo cultura erudita e cultura popular (Moreira, 1995), nas práticas docentes cotidianas,
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
557
na medida em que houvesse um maior conhecimento dos universos culturais dos alunos e
valorização positiva dos mesmos.
Ao considerar toda a multiculturalidade que permeia o nosso país, era de se esperar
que tal situação estivesse representada nos materiais didáticos que chegam às escolas, para
o trabalho dos professores e a aprendizagem dos alunos. Entretanto, não é isso o que se
observa a partir das análises feitas por Oliveira (2004), Menegassi (2004) e Menegassi e
Souza (2005).
Ao pesquisar sobre a representação da criança não-branca em textos e ilustrações de
livros da coleção ALP, análise, linguagem e pensamento: um trabalho de linguagem numa
proposta socioconstrutivista, de língua portuguesa e literatura, Oliveira (2004), em seu
artigo O silenciamento do livro didático, sobre a questão étnico-cultural na primeira etapa
do Ensino Fundamental, constata, na escola, um ambiente degenerador da auto-estima das
crianças não-brancas, pelo fato de não se virem positivamente representadas no material
didático de que se utilizam. Detectou inúmeras situações de discriminação racial nos livros
que analisou. Todavia, o mais alarmante de sua constatação foi a percepção de um
silenciamento quase pleno sobre a efetiva participação da população não-branca em nossa
sociedade. Essa descoberta levou-o a três pontos que merecem destaque: 1) o livro didático
"contribui para a sedimentação da exclusão social desse contingente significativo da
população brasileira"; 2) a escola se configura um "instrumento reprodutor de preconceitos
e práticas racistas, nem sempre explícitas, que se caracterizam, principalmente, pelo
silenciamento no trato das questões étnicos-culturais, tendo como suporte o livro didático";
3) a escola se mostra feita "por brancos e para brancos" ao mostrar situações vivenciadas
"apenas por personagens brancas, quase que invariavelmente integrantes da classe média".
Desconsiderando-se, assim, a dignidade da pessoa humana que implica em repúdio à
discriminação de qualquer espécie e acesso a condições de vida digna (BRASIL:
Parâmetros Culturais Nacional: Temas Transversais, 1998, p.22).
Para Oliveira, o livro didático participa da velada política do branqueamento
existente na sociedade nacional ao preconizar e difundir exclusivamente a estética e os
valores da cultura branco-ocidental e, como conseqüência, silenciar sobre a presença dos
diferentes, neste caso, os afro-descendentes. Avalia essa prática como uma censura "às
referências étnico-culturais" que contribui para a sedimentação da exclusão social de um
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
558
grupo étnico significativo da população brasileira, pois as crianças não-brancas não
possuem parâmetros para se verem positivamente inseridas no meio social. Destaca uma
grande preocupação com o fato de a presença do negro, quando observada, ser focalizada
em termos de exotismo e folclore, portanto, omitindo a participação atuante do negro na
sociedade atual.
Menegassi (2004), professor Doutor, pesquisador na área de Língua Portuguesa, em
seu artigo A representação do negro no livro didático brasileiro de língua materna, afirma
que a marginalidade impera freqüentemente nos materiais didáticos. Contudo, o fato de não
contarmos com uma sociedade escolar que possua massa crítica o suficiente para questionar
essas visões, faz, conforme o autor, com que se construa uma sociedade que aumenta seu
número de leituras, [...] porém, sem qualidade, sem a criticidade necessária para alterar esse
estado. Utiliza-se como exemplo dessa sociedade escolar, a forma como é apresentada, a
letra da música O meu guri, de Chico Buarque, no livro didático Português: leitura e
expressão, autoria de Márcia Leite e Cristina Bassi, 7ª série, São Paulo: Atual, 2002. A
representação do negro na música, que as autoras e o ilustrador dão como certas, é
evidenciada na análise das ilustrações e das atividades que complementam o texto de Chico
Buarque. Imagem e atividades, nesse caso, trazem a visão de que o guri exposto no texto só
pode ser um negro ladrão, conduzindo literalmente as interpretações dos alunos e fazendonos,
ao mesmo tempo, evidenciar como muitas vezes não se preconiza um tratamento
adequado da diversidade cultural existente no país.
A apresentação dos indivíduos negros no livro didático é novamente objeto da
atenção de Menegassi e Souza (2005), no artigo A visão do negro no livro didático de
português. O objetivo foi analisar o modo como o grupo étnico negro é representado no
livro didático de Língua Portuguesa. Para isso, os autores se valem de duas coleções de
livros, de 5ª a 8ª séries, a saber, A palavra é português, das autoras Graça Proença e Regina
Horta e Leitura do mundo, das autoras Norma Discini e Lúcia Teixeira, utilizadas na região
de Umuarama-PR, em escolas da rede pública, e aprovadas pelo Ministério de Educação e
Cultura. Examinaram os textos e as ilustrações, a fim de se verificar como a pluralidade
cultural vem sendo trabalhada, no ambiente escolar, por meio desse material.
Como resultado desse trabalho, Menegassi e Souza (2005) observaram a presença
de marcas racistas e de formas de discriminação que corroboram a manutenção de uma
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
559
visão preconceituosa, como também para a baixa auto-estima das crianças e adolescentes
negros que venham a utilizar esse material sem que o mesmo tenha tido um tratamento
crítico adequado. Os autores afirmam ainda que é de forma agressiva que essas ações
preconceituosas atuam contra os indivíduos ou grupos que as sofrem, marcando
profundamente, na maioria das vezes, cidadãos em formação, como crianças e adolescentes
no contexto escolar.
Menegassi e Souza (2005) demonstram através de vários exemplos qual o papel
atribuído aos indivíduos de etnia negra nos livros didáticos, destacando que os alunos
certamente assimilam essa desvalorização encontrada no material. Segundo os autores, os
negros são mostrados sempre como os causadores de confusão, como rebeldes, aparecendo
até mesmo "como a criança suja da história". Para completar essa deturpação, os autores
ressaltam que a mulher negra "aparece sempre na cozinha ou como serviçal, nunca como a
patroa".
O mais grave, ainda, segundo esses autores, e isto vem ratificar a afirmação de
Oliveira (2004), além de exemplificar marcas discriminatórias, autores destacam a
importância de ressaltar [...] o silêncio dos professores diante de tais ações de desrespeito
ao negro promovidas pelo livro didático e por toda a sociedade escolar como um todo [...],
afirmando que essa discriminação ao negro difundida em sala de aula através do livro
didático não é possível de se admitir, tendo em vista que as pessoas precisam ser educadas
para [...] respeitar umas às outras com suas diferenças.
Diante desse quadro, os autores destacam a necessidade de aspectos de pluralidade
cultural serem abordados mais cuidadosamente tanto pelos produtores de livros, como pelos
professores, que devem mediar a interação dos alunos com os textos em questão.
Menegassi e Souza acreditam que este tema possibilita, por meio da vida na escola,
contribuir para um convívio democrático, uma vez que esclarece eventuais preconceitos.
Ademais, apontam que, embora os Parâmetros Curriculares Nacional (BRASIL, 2000)
abordem a questão da pluralidade cultural, no contexto escolar, como um desafio, esses
parâmetros possuem, como ponto de partida, os direitos humanos e reconhecem a riqueza
da diversidade etno-cultural, de modo a investir na luta contra todo tipo de discriminação.
Menegassi e Souza indicam a importância de se atentar aos livros didáticos
recebidos pela escola e à formação do professor. Os autores citam a visão de Crochik (apud
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
560
Menegassi, 2005), segundo quem "a questão do preconceito deve ser diretamente discutida,
procurando o professor esclarecer a falsidade de seu conteúdo", para a partir dela exporem
a idéia de que o educador deve tentar levar o aluno a perceber que o material didático "não
é o dono da verdade absoluta", de modo que o estudante deva estar "sempre alerta, sendo
crítico, ao se deparar com situações discriminatórias".
Para Menegassi e Souza, cumpre ao professor o papel de "mostrar ao aluno o
preconceito e a discriminação marcados pelos autores dos livros", pois deste modo estar-seá
tanto despertando o senso crítico no aluno, como desenvolvendo "uma série de estratégias
de leitura eficazes na formação do aluno leitor". Ademais, de acordo com os autores, são
com providências como essas e com atenção para com a situação que se poderá prover um
ensino que compreenda a "necessidade de aprender a conviver com as diferenças" e, assim,
uma educação que se comprometa a dar valor ao ser humano.
Silva (2005), autora que já realizou vários trabalhos em que constatou a presença de
preconceitos e estereotipia contra o negro no material escolar, teve, em seu texto "A
representação social do negro no livro didático: o que mudou?", o objetivo de investigar a
existência de transformações na representação social do negro no livro didático, como
também os fatores que, nos anos 90, promoveram essas mudanças. Para o texto referido, a
autora baseou a parte empírica de seu trabalho no exame de cinco livros de comunicação e
expressão, de séries iniciais, editados pela editora FTD, na década de 90, que apresentaram
transformações significativas na representação do negro, além da análise de depoimentos de
autores e ilustradores.
Silva verificou mudanças positivas na representação social do negro nesse material,
o que a permitiu refletir sobre os determinantes dessa transformação. A autora concluiu
após sua pesquisa que a convivência, os valores afro-descendentes, a discriminação racial,
o cotidiano e a realidade vivida, a identidade étnico-racial dos entrevistados, as leis e as
normas, a mídia, a família, os papéis e funções desempenhados pelo ilustrador e o
Movimento Negro formam os itens determinantes das mudanças observadas.
Diante desse painel, é possível perceber que a atenção desses estudiosos às questões
de diversidade cultural nos livros didáticos os leva, em via de regra, à constatação de
presenças flagrantes de discriminação e preconceito étnico contra os indivíduos afrodescendentes
no material escolar. Esse desrespeito, quando não explícito, surge ainda de
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
561
forma camuflada, como através do silenciamento sobre os negros em relação tanto à sua
participação na composição da população brasileira, como no trabalho de construção e
desenvolvimento do Brasil.
CONCLUSÃO
Embora se constate que é na escola que se constrói o fracasso escolar e que é nela
que encontram sérias dificuldades em promover uma educação que compreenda as
homogeneidades da diversidade cultural, levando-se em conta todas as distinções com que
é composta a sociedade brasileira necessário se faz a construção de alguns percalços para
diminuir a distância social entre grupos ou classes sociais. É fundamental que os
professores estejam conscientes de que uma dos principais ações enquanto educador, que
esteja atento para o material, principalmente ao livro didático, que ainda é um dos
instrumentos para contribuir para com a vida de todos os partícipes do processo educativo.
Que ele saiba tratar com as diferenças existentes. Ao professor educador de Língua
Portuguesa, mais cuidado ainda, quando a própria disciplina transita dentro de uma
subjetividade de interpretações que, se não houver os percalços necessários e
indispensáveis, estará incorrendo na reprodução do sistema opressivo, colocando os
diferentes na situação de inferioridade aos outros pares.
O objetivo desse trabalho não foi a de apresentar soluções para a questão do
tratamento inadequado da diversidade cultural no nosso país, mas sim, em promover uma
reflexão sobre a temática, enquanto acadêmicos de Licenciatura, a partir de um resgate
histórico e da construção de um painel representativo de como o multiculturalismo tratado
hoje. Constatamos que o assunto é polêmico, a ponto de gerar diversos e numerosos
estudos, contudo, isso por si só não é o bastante para que surjam atitudes positivas em
relação ao pluralismo cultural existente, se não houver a mobilização e o interesse das
pessoas para a discussão, a partir da qual se pode chegar a consensos mais maduros, ou
seja, adequados à população multifacetada da qual fazemos parte, principalmente no curso
de formação de professores.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
562
REFERÊNCIAS
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É justo? É legal?
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2005.
SOARES, Lucila. Retrato em Preto-e-Branco. Revista Veja, são Paulo, Ed. Abril, ano 37,
n.16, abr. 2004, p. 75-76.
XII SEMANA DE PEDAGOGIA - 2005
POLÍTICAS DE DIVERSIDADE CULTURAL E O NEGRO NO
CONTEXTO ESCOLAR DA SOCIEDADE BRASILEIRA
Lígia de Amorin NEVES*,
Renata MANTELO* e
Kiyomi HIROSE**
Não existem culturas superiores, mas diferentes1
INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios do século XXI é o pluralismo cultural. Em um país como
o Brasil, com tantas diversidades étnicas, sociais, religiosas, é crime permitir se sujeitar às
políticas de homogeneização. Daí a importância e a urgência de se pensar e de se conceber
formas e modos de desenvolvimento de políticas destinadas à promoção e à valorização da
diversidade cultural, fundamentado no pensamento de que todas as culturas produzem
conhecimentos e saberes indispensáveis à construção de uma nova ordem social.
Reconhecer essa diversidade criadora constitui um dos deveres nodais para que o Brasil
saia de um paradigma excludente que marginaliza aqueles que não pertencem à identidade
hegemônica legitimada.
Tendo em vista a multiplicidade cultural existente no nosso país, elegemos para este
trabalho, a etnia negra, dada a forte influência dessa cultura na formação da identidade do
povo brasileiro e a sua presença marcante no meio social. Portanto, nosso objetivo principal
é refletir sobre o negro dentro do contexto das políticas públicas e do sistema escolar.
DESENVOLVIMENTO
Cada grupo social e cada indivíduo têm um patrimônio cultural singular que reflete
um modo de viver próprio e um sistema de valores. Constituem-se deveres básicos das
1 A referida frase consta no Pronunciamento do II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado –
GIFE – Educação, Diversidade Criadora e Cultura de Paz, realizado em Fortaleza, entre os dias 24 a 26 de
abril do ano de 2002, disponível em
http://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/index/index_2002/gife/mostra_documento
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
565
autoridades políticas responsáveis por esse assunto preservar e promover a diversidade
cultural. Mas, ao longo da história, não é isso o que se tem visto.
Como exemplos, podemos citar a exclusão dos segmentos populares das políticas
públicas de nosso país, a segregação social e a racial, fatores estes determinantes para a
desvalorização cultural dos grupos. É diante dessa problemática, da desvalorização da
pluralidade cultural, que se justifica a urgência na discussão e na construção de uma
política nacional envolvendo a sociedade civil e gestores estatais.
Américo Córdula (2005), em seu artigo Qual a melhor Política Pública para as
Culturas Populares?, afirma que:
[...] vivemos um momento de liberdade democrática e hoje temos a
oportunidade de dialogar com o governo através do MinC (Ministério da
Cultura) [...] e pela Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural, criada há
um ano[...]. No entanto, o Brasil não conhece suas culturas e tão pouco
considera seus 24 milhões de analfabetos seres culturais, produtores de uma
cultura centenária passada de pai para filho.
Uma das conclusões centrais do relatório – Educação, Diversidade Criadora e
Cultura de Paz (2002), é a de que as pessoas ainda não aprenderam a respeitar plenamente o
outro, nem a trabalhar em conjunto; atitudes essas indispensáveis nos dias atuais para se
viver em coletividade. Respeito esse que, como é ressaltado no relatório:
[...] vai além da simples tolerância. Implica também a adoção de uma
atitude positiva para com os outros e a satisfação em relação às suas
culturas. A paz social, tão necessária para o desenvolvimento, exige que as
diferenças entre as culturas sejam vistas não como algo estranho,
inaceitável ou mesmo detestável, mas como o resultado de diferentes
maneiras de coexistência humana que contêm ligações e informações
valiosas para todos.
Em outras palavras, respeitar o pluralismo cultural não é tolerá-lo, mas vê-lo como
parte da riqueza criada pelos homens, como patrimônio cultural da humanidade que é
compartilhado por todos, o que não ocorreu com diversas nacionalidades que migraram
para as repúblicas americanas. De acordo com o pronunciamento do II Congresso Nacional
sobre Investimento Social Privado - GIFE - Educação, Diversidade Criadora e Cultura de
Paz (2005), a condição para que fosse permitida a manutenção de certos vínculos étnicos a
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
566
esses povos foi a de que essas etnicidades fossem compreendidas como secundárias em
relação à dominante. No que concerne aos índios e aos negros, consta no pronunciamento,
que "eles foram de modo geral excluídos, gerando uma dívida sociocultural que não pode
ser esquecida no contexto do desafio maior do nosso século que é o da construção de
sociedades mais solidárias".
Isto porque toda expressão humana é cultura, não obstante, a partir do momento em
que aquela emerge, de acordo com Samways (1988, p.9), "em detrimento do homem,
artificiosamente, negando a herança social e colocando esse homem, não mais como
sujeito, mas como objeto de um arremedo de história, estamos diante de uma
contracultura".
Por isso as ações de proteção e de promoção da diversidade cultural assumirem
grande importância dentro de uma comunidade, pois elas ajudam a impedir o processo de
aculturação. Além disso, desempenham um importante papel na construção da ordem
democrática e, principalmente, na manutenção da identidade de uma sociedade, haja vista
que a cultura de um povo perpassa as gerações não só transmitindo a tradição de um povo,
mas, também, mostrando novos caminhos de produção cultural através do diálogo entre o
passado e o presente.
É o que diz o relatório Nossa Diversidade Criadora2, "cultura e desenvolvimento são
indissociáveis". Conforme consta no relatório, uma vez que ela é fonte permanente de
progresso e de criatividade, "toda política de desenvolvimento deve ser profundamente
sensível à cultura, e inspirada por ela". Daí a importância de projetos visando a superação
da noção puramente instrumental de cultura, a qual não lhe reconhece o papel construtivo e
criativo dentro de uma sociedade.
Nos dias atuais, no que se refere aos segmentos da identidade e da diversidade
cultural, o Ministério da Cultura, com apenas vinte anos, tem atuado de forma permanente
no intuito de estimular as expressões das raízes culturais brasileiras e de divulgá-las em
âmbito nacional. Desde o início de 2005, o Governo Federal, através do Ministério da
Cultura, vem assinando protocolos de intenções com estados e com municípios para a
implantação do Sistema Nacional de Cultura (SNC).
2 Relatório elaborado pela Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, em 1997, e mencionado durante
o pronunciamento A Dimensão Cultural da Política de Educação, ocorrido em São Paulo, em 20 de agosto de
2001.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
567
No dia primeiro de junho foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Emenda
Constitucional do Plano Nacional de Cultura (PNC), promulgada em 11 de agosto. Com
ela, o país passará a ter um instrumento legal de controle para o cumprimento de metas de
desenvolvimento cultural.
O PNC tem como intuito promover a gestão e o fomento de iniciativas conjuntas
entre a União, os estados, os municípios e a sociedade civil, visando a produção de políticas
públicas de cultura de maneira integrada, contínua e permanente. Trata-se de uma política
ditada por uma visão cultural democrática que objetiva promover o desenvolvimento
cultural do país através da valorização, da produção e da difusão tanto do patrimônio
cultural brasileiro quanto dos diferentes bens culturais existentes. Vê-se, assim, que a
aprovação do PNC reafirma o fato de a cultura representar uma política estratégica para a
emancipação da sociedade brasileira.
Com a promulgação da Emenda nº 48/05, o artigo 215 da Constituição da República
Federativa do Brasil, em seu Título VIII: Da ordem social, Capítulo III: Da educação, da
cultura e do desporto, Seção II: Da Cultura, passa a incorporar mais um parágrafo:
§ 3º - A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do
Poder Público:
I-defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II- produção, promoção e difusão de bens culturais;
III- formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas
múltiplas dimensões;
IV- democratização do acesso aos bens de cultura;
V- valorização da diversidade étnica regional.
Como exemplo de políticas públicas para as culturas populares, o Centro Nacional
de Folclore e Cultura Popular do IPHAN, em parceria com a Fundação Cultural Palmares e
Secretaria de Políticas Culturais realizou, no período de 23 a 26 de fevereiro de 2005, em
Brasília, o I Seminário Nacional das Culturas Populares3. Através de oficinas regionais, o
3 Em 2004, em 15 Estados, foram feitas oficinas preparatórias em que se discutiu propostas de ações
afirmativas para as mais variadas expressões regionais. O livro intitulado Seminário Nacional de Políticas
Públicas para as Culturas Populares, com a síntese dos trabalhos, realizados em 2004, será lançado até o final
de 2005.
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
568
seminário compôs uma agenda com diretrizes e ações destinadas ao reconhecimento e
fomento das atividades artísticas e culturais compreendidas pelas culturas populares.
Sérgio Mamberti, Secretário da Identidade e da Diversidade Cultural, em um artigo
publicado em 28 de janeiro de 2005, afirma que "somos mestiços. Não apenas etnicamente
mestiços. Somos culturalmente mestiços." Logo, não se pode querer oprimir a população
brasileira com a lógica da homogeneização. Mas "como formular um projeto de Políticas
Públicas de Cultura, que contemple esse mosaico imperfeito?".
A tarefa é árdua pois envolve imprescindivelmente a participação de diversos
setores: o político, o econômico, o social, o cultural e o ambiental. Apesar da magnitude
dessa empreitada, o governo federal, ao assumir e reconhecer a fundamental importância da
pluralidade cultural para a construção de uma identidade nacional que compreenda toda a
diversidade das manifestações culturais do Brasil, dá um passo importante em direção ao
fortalecimento de uma consciência cidadã no país.
Qual é a responsabilidade da instituição escolar com as preocupações desse enfoque
do negro na sociedade brasileira e quais os possíveis caminhos a percorrer para que se
forme nova consciência a respeito dessa diversidade sem homogeneização? O Ministério da
Educação elaborou um documento para nortear essas ações afirmativas: Parâmetros
Curriculares Nacionais, que se propõem a realizar uma educação comprometida com a
cidadania e, por isso, baseado-se no texto constitucional para formular princípios que
orientem a educação escolar, como o da dignidade humana, o da igualdade de direitos e o
da co-responsabilidade social. O primeiro implica "respeito aos direitos humanos, repúdio à
discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito nas relações
interpessoais, públicas e privadas" (BRASIL,1998, p.21); o segundo diz respeito à
necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e possibilidade de exercícios de
cidadania; o último princípio implica em partilhar a responsabilidade pelos destinos da vida
coletiva.
Para os PCNs (1998, p.35), o ensino fundamental tem a função de trabalhar a
consciência dos alunos para elegerem critérios pautados na justiça, detectando e rejeitando
a injustiça. Desse modo, a inclusão dos Temas Transversais exige uma tomada de posição
diante de problemas fundamentais e urgentes da vida social, o que requer uma reflexão
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
569
sobre o ensino e a aprendizagem de valores, de procedimentos e de concepções a eles
relacionados.
Os temas transversais apresentados nos PCNs (1998) são a ética, a pluralidade
cultural, o meio ambiente, a saúde, a orientação sexual e o trabalho e consumo. Nosso
objetivo, nesse trabalho, é o estudo do tema pluralidade cultural, observando qual a visão
que se tem do negro neste material e destacando a importância dessa questão na escola, pois
há a necessidade de se reconhecer a diversidade como parte inseparável na identidade
nacional e da importância em alimentar "uma Cultura de paz, baseada na tolerância, no
respeito aos direitos humanos e na noção de cidadania" (1998, p.117).
A temática da pluralidade se refere ao conhecimento e à valorização de
características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território
nacional, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo
e multifacetado. Enfatizar a valorização das diferenças existentes no país, não significa
aderir aos valores do outro, "mas respeitá-los como expressão da diversidade" (1998,
p.122). Historicamente, registra-se dificuldades com a temática do preconceito e da
discriminação racial/étnica, principalmente nas escolas, pois professores e alunos as
realizam de maneira inconsciente.
As mobilizações dos movimentos sociais conquistaram uma legislação
antidiscriminatória, culminando com a Constituição de 1988 que, segundo os PCNs (1998,
p.130), é uma das mais avançadas quanto aos temas do respeito à diferença e do combate à
discriminação. Na Constituição de 1988, a discriminação racial é um crime: Artigo 5º,
parágrafo XLII: [...] a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão nos termo da lei. Além disso, há mecanismos de proteção e de
promoção de identidades étnicas, como a garantia a todos do pleno exercício dos direitos
culturais, assim como apoio e incentivo à valorização e difusão das manifestações culturais:
artigo 5º, parágrafo VI e IX: [...] é inviolável a liberdade de consciência e de crença; é livre
as expressões intelectual, artística, cientifica e de comunicação.
A aplicação e o aperfeiçoamento da legislação soam decisivos, contudo são
insuficientes, pois é preciso haver o auxílio do processo educacional, demonstrando e
desenvolvendo atitudes e valores voltados para a formação de novos comportamentos. A
escola deve reconhecer as problemáticas: social, cultural e étnica, visto que é um local de
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
570
convivência de pessoas de diferentes origens, costumes e dogmas religiosos. Além disso, é
um local em que são ensinadas as regras do espaço público para o convívio democrático
com a diferença e para se conhecer a realidade plural de um país como o Brasil.
Segundo os PCNs (1998, p.134), a arte, a pintura corporal, a cerâmica e outras
formas de expressar o conhecimento e a comunicação desvendam a experiência dos povos
que as produziram. Ao levar esses elementos artísticos para a escola, a criança e o jovem
podem conhecer e vivenciar as manifestações culturais de cada povo, desenvolvendo o
interesse não só por sua cultura, mas, também, pelos novos conhecimentos e princípios
revelados pelo outro indivíduo. É através da informação que se pode tentar reverter o
quadro de discriminação que se observa no nosso país.
O desvelamento na superação da discriminação é decisivo e exige do professor
alguns elementos: discernimento, intencionalidade e informação. Quando o professor
presencia na sala de aula uma situação de discriminação, por exemplo, deve discernir o
ocorrido e tratar com firmeza a ação discriminatória, esclarecendo "o que é respeito mútuo,
como se pratica a solidariedade, buscando alguma atividade que possa exemplificar o que
diz" (PCN,1998, p.139). Outro elemento essencial para o professor é a intencionalidade
como produto de uma reflexão que lhe permita perceber o papel que desempenha nessa
questão. É o momento que se pode trabalhar juntamente com seus alunos, o caminho da
superação do preconceito e da discriminação. Um bom exemplo é a análise dos livros
didáticos. Por último, é preciso que o professor se prepare com leituras sobre o assunto,
busque informações, vivências e atente-se aos gestos do cotidiano.
Vemos, portanto, que os PCNs preocupam-se com a questão da diversidade cultural
presente no país, destacando, por exemplo, que o professor e a escola devem promover aos
seus alunos informações sobre as diferentes culturas, sobre o respeito mútuo. É possível,
desse modo, sintetizar a idéia de pluralidade expressa nos PCNs (1998): [...] Sem dúvida,
pluralidade vive-se, ensina-se e aprende-se. É trabalho de construção, no qual o
envolvimento de todos se dá pelo respeito e pela própria constatação de que, sem o outro,
nada se sabe sobre ele, a não ser o que a própria imaginação fornece" (p.141).
Com todas essas precauções, porém, há a presença da intolerância tanto nos meios
escolares, quanto também dentro da sociedade civil. Em uma reportagem sobre a
diversidade que caracteriza os indivíduos, a revista Educação (agosto, 2004) deixa claro aos
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
571
seus leitores a presença da intolerância no meio escolar, a qual acaba por configurar um
quadro marcado pela agressão física e psicológica a alunos e professores onde dever-se-ia
formar cidadãos que respeitassem a pluralidade do nosso país. Essa reportagem afirma que
nos Estados Unidos, pessoas que apresentam uma opção sexual diferente, deixam de ir, por
medo de agressão, à escola pelo menos uma vez por mês. Indica ainda, que no Brasil, a
intolerância como perpetuação do que ocorrem na sociedade e que as mobilizações das
organizações não-governamentais são as principais responsáveis pela luta contra a
discriminação na escola. Caracteriza a questão da intolerância como "cultural" e
"enraizada", aponta o fato de crianças afro-descendentes terem dificuldade de [...] se
reconhecer em alguns livros didáticos que trazem os negros em situação social inferior. Tal
situação, descrita, por um entrevistado, como [...] um empecilho para a valorização da
cultura e identidade negra junto a crianças e adolescentes [...]. Refere-se ainda que, há mais
de 15 anos os textos apontavam para o preconceito, quando os livros didáticos não
passavam pela triagem de avaliação pelo Ministério da Educação e tampouco os editores do
material escolar, percebiam essa abordagem como "politicamente incorreta".
Destacamos ainda os comentários da professora da Universidade Federal de Juiz de
Fora e membro da comissão técnica do MEC para avaliação dos livros didáticos, Sônia
Miranda e de Cláudia Werneck (2004), presidente da ONG Escola da Gente. Segundo a
primeira, a omissão é o problema maior entre os professores. Embora os PCNs, no subtítulo
Temas Transversais (1998, p.139), demonstrem que um bom modo de barrar a
discriminação seria o professor demonstrar e analisar com os alunos alguma atividade do
material didático que retratasse como o desrespeito é ruim para quem o sofre, também têmse,
na escola, profissionais despreparados para lidar com as situações apresentadas pelos
livros. Desse modo, naturaliza-se o preconceito e a intolerância, situação que ocorre da
forma parecida quando se trata de idosos, homossexuais e pessoas de etnias diferentes. Eles
aparecem ou não de forma estereotipada. Werneck, por sua vez, afirma que a escola deve
trabalhar o conceito de diversidade e da tolerância, para que se evite o simples tolerar,
partindo para o respeito das diferenças.
Trindade (2005) faz uma abordagem sobre o fracasso escolar em seu artigo
Diversidade Cultural e Fracasso Escolar, afirmando que[...] os grupos que não atendem às
expectativas valorizadas pela Escola tendem a ser culpabilizados pela não correspondência
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
572
aos ideais escolares". Dessa forma, as questões relacionadas com a diversidade cultural
acabam por ter que conviver com algumas explicações ou justificativas dessa
incompatibilidade de alguns: privação ou déficit cultural, psicológico, social, carência
alimentar, carências generalizadas, questões de classe, dentre outros.
A autora não coloca o fracasso escolar como responsabilidade do usuário mais
imediato da escola, mas afirma que o modo de conceber seu significado está muito próximo
à concepção de vida e de vida escolar de quem se propõe a analisá-la/entendê-la. Portanto
para a autora, o [...] fracasso diz respeito às relações sociais tanto de ordem micropolítica
quanto macropolítica. Ou seja, diz respeito a como a comunidade escolar se constitui e se
relaciona entre si, com a sociedade mais ampla e com o Estado. Diz respeito às relações de
poder entre grupos sociais.
Com relação à escola, Trindade (2005) pontua que, uma vez que ela é uma
instituição do mundo ocidental, tenta universalizar as idéias de liberalismo, de
individualismo, de competitividade e do capitalismo, excluindo ou hierarquizando
valorativamente grupos diferentes dos seus membros hegemônicos. Assim, percebe-se que,
ao se confrontar com essa situação, a diversidade cultural fica na marginalização e o
fracasso escolar dos indivíduos marcados por ela vem à tona. A autora afirma ainda que se
valores como direitos humanos, igualdade, democracia, forem levados em consideração,
pode-se dizer que [...] a escola, por não tratar ou saber tratar seus usuários com eqüidade,
fracassa nos seus objetivos.
Apesar desses pensamentos, o que Trindade (2005) quer pôr em discussão não é a
escola [...] como produtora de fracasso escolar ou como fracassada em promover uma
educação igualitária para todos sem distinção de raça/cor, etnia, gênero, orientação sexual,
classe social, deficiência, ou qualquer diferença que seu usuário apresente [...], mas sim,
[...] a construção de uma pedagogia, uma educação que dê espaço à diversidade humana:
com cultura, modos de ser, sentir e agir diferenciados. Uma educação,
uma pedagogia, uma escola visceralmente comprometida com a Vida,
com o prazer, com a felicidade, com o respeito às diferenças, com a
transformação, com a alteridade.
A autora defende o rompimento da clássica história do cisne que é transformado em
"Patinho Feio", para que, desse modo, surja uma escola capaz de, [...] não só com a razão,
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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mas com o coração, com todos os sentidos e todo o corpo [...] , permitir a existência e
promover as diferenças que são encontradas na pluralidade cultural que caracteriza o país.
Assim, "patos, cisnes, gansos, galos" poderão se conhecer, se respeitar, se preservar,
dialogar, se mesclar, se hibridizar, sem, contudo, deixarem de ser eles mesmos.
CONCLUSÂO
O objetivo deste trabalho não foi apresentar soluções para a questão do tratamento
inadequado da diversidade cultural no nosso país, mas sim, promover uma reflexão dessa
temática, a partir de um resgate histórico e da construção de um painel representativo de
como o multiculturalismo é tratado hoje.
Observamos que o assunto é polêmico, gerando diversos e numerosos estudos.
Contudo, isso por si só não é o bastante para que surjam atitudes em relação ao pluralismo
cultural existente, se não houver a mobilização e o interesse das pessoas para a discussão, o
papel preponderante da instituição escolar pode e deve ajudar a consensos mais maduros,
ou seja, adequados à população multifacetada da qual fazemos parte.
REFERÊNCIAS
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Federal, subsecretaria de Edições Técnicas, 2004.
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SAMWAYS, M. B. Introdução à literatura paranaense. Curitiba: Livros HDV, 1988.
TRINDADE, A. L. da. Diversidade Cultural e Fracasso Escolar, s/d. online. Disponível
em
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