POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL:
O(S) CAMPO(S) DE E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Profª Drª Irizelda Martins de Souza e Silva1
Profª Drª Maria Aparecida Cecílio2
Profª Kiyomi Hirose3
A partir de meados do Século XX, as políticas nacionais transformam a
posição do rural e do urbano como habitat do homem brasileiro, quando o mundo
é redesenhado pelo processo de industrialização e internacionalização da
produção. No início do século XXI o debate sobre os projetos de formação e
propostas que visam a formação inicial e continuada, ou em serviço, nos incita a
buscar explicações sobre o vazio das políticas públicas na formação acadêmica
dos educadores e educadoras do campo.
As reflexões e discussões possibilitadas pelo grupo de estudos e pesquisa
em "Políticas e Gestão da Educação" – CNPq/UEM e no desenvolvimento das
disciplinas de Políticas Públicas e Gestão Educacional nas licenciaturas da
Universidade Estadual de Maringá, sinalizaram para uma ação pedagógica
proporcionando um (re)pensar tanto da realidade imediata e da geopolítica
(considerando a regionalidade de atuação dos professores), quanto da adjetivação
do seu trabalho docente, convencionado por alguns como reflexivo (SILVA, 1997).
Se a questão é discutir a política de formação de professores,
necessário se faz abordar a importância do conhecimento dos campos de
atuação. Evidenciamos neste debate a escassez de políticas públicas na e de
formação do educador camponês brasileiro, no sistema formal. Atuando como
formadoras de professores e professoras, conscientes da não inclusão nos
componentes curriculares dos cursos de Licenciatura, conhecimentos e conteúdos
1 Professora Adjunta, do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP), Universidade
Estadual de Maringá (UEM).
2 Professora Adjunta, do DTP-UEM.
3 Professora Assistente, do DTP-UEM.
2
que abordam a vida no e do campo como diversidade sociocultural dos futuros
educadores. Observamos que as questões veiculadas no meio acadêmico estão,
estreitas e estritamente vinculadas ao espaço urbano, sistematicamente pensado
para o mercado formal nos diferentes setores de produção da nação.
A formação de professores como pesquisadores de sua própria ação é um
desafio para o educador urbano e, de forma mais específica e acentuada, ao
educador do campo. A questão é, no mínimo, controvertida e não interpretada no
que conhecemos em sua "mística" de vida. Essa mística, na compreensão de
Arroyo, proporciona (re)pensar que o conhecimento das [...] experiências de
formação de educadores, incorporando a riqueza teórico-prática da educação
produzida no campo [...] (ARROYO, 1999: p.10), para os cursos de Licenciatura,
devem ser exercitadas e efetivadas, enquanto campo de atuação dos formadores
de licenciados
Nas memórias da I Conferência Nacional: Por Uma Educação Básica do
Campo4, há relatos de que nas práticas do evento, recuperou-se as dimensões
educativas, matrizes pedagógicas esquecidas pelo predomínio da pedagogia da
fala, da transmissão, do discurso do mestre para alunos silenciosos. O conjunto de
gestos, símbolos e linguagens foram marcas da conferência, ou melhor, a marca
da cultura do campo: falar mais com gestos, rituais, músicas, danças e teatros do
que com discursos, por vezes, demagógicos. É a educação pensada na
dimensão de um projeto de vida com abrangências para além do formal,
convencionada no sistema público de educação. Uma forma de romper com a
"cerca" da racionalidade técnica da pedagogia, que continua presente nos cursos
de formação de educadores, fazemo-nos expressar nas palavras de Arroyo: [...]
que falta nos faz à nossa pedagogia tecnicista, formalista, racional e fria recuperar
essas matrizes pedagógicas vividas nessa conferência, na qual os educadores, as
crianças e os jovens se manifestaram, como sujeitos culturais celebrando sua
memória (ARROYO, 1999, p.10).
4 Nos dias 27 a 30 de julho de 1998, em Luziânia-GO.
3
(Re)pensando a questão aludida, projetamos a idéia sobre o professor
reflexivo, ou seja, aquele que pesquisa sua própria ação e teoriza suas memórias.
Matos (1997) elege como ponto de partida para a reflexão o ser humano. É,
segundo suas observações, o homem, o único que toma distância, faz crítica e
elabora juízo de valor. Ao avaliar retoma o caminho. Supera, então a dicotomia
entre teoria e prática. É nesse espaço que o professor mapeia sua ação
aprendente, articula os conhecimentos e concepções, os seus saberes, "teóricos e
sua prática de aula".
Não podemos ter medo. Temos que ser ousadas. E Freire (1986) nos faz
relembrar ao escrever sobre medo e ousadia, entendidos como desafios do
professor reflexivo, lembrando que essa formação reflexiva é pedagogia situada:
[...] o que tem sido mais evidente é a política da pedagogia – como uma atividade
social em favor da liberdade e contra a dominação, como ação cultural dentro ou
fora da sala de aula (FREIRE, 1986, p.121).
As dificuldades encontradas na formação de professores são constituídas
não apenas de caráter financeiro. Há falta de investimento político dos
governantes na garantia de condições de trabalho dos professores que atuam nos
processos formativos. São projetos como os de ensino, de extensão e de pesquisa
que levam à realização de ações coletivas que possibilitarão a participação no
debate social para conquistas e concretização de políticas públicas, no
cumprimento dos princípios constitucionais reiterados nas diretrizes nacionais, do
fazer da educação um direito de todos, sem a exclusão da população
camponesa5.
São as periferias desse sistema que pensa a educação formal, sem
visualizar a população campesina, que se utiliza de estatísticas que alimentam os
bancos de dados governamentais para provimento das políticas públicas sociais,
5 VALENTE, Ivan. As taxas de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais, em nível nacional, apontam
que esse levantamento é exclusive a população da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e
Amapá (p.104).
4
dentre estas, as educacionais. Censos que não são consenso para os educadores
e entre as organizações como IPEA6 e DIEESE7 que acompanham os movimentos
populacionais migratórios no Brasil e sua inserção e exclusão econômica.
A condição social das populações que trabalham a educação do campo é
de isolamento. Constatamos que municípios paranaenses dependem da atividade
rural8. E nesses, há falta de atendimento educacional. Convivem com a existência
de escolas distritais que recebem parte da população em "idade escolar", por meio
do deslocamento de crianças das zonas rurais para as urbanas, da cidade. O que
se torna uma problemática insolúvel, na medida em que as dificuldades de
transporte e os riscos de morte dos usuários são constantemente denunciados
pela mídia. Há falta da "pedagogia situada" (FREIRE, 1986, p.121), característica
da ação possibilitada aos profissionais que não recebem a valorização (formação
e salário) pelo exercício do magistério para a população da zona rural, que após
décadas permanecem, predominando, no atendimento ao direito a educação,
manifestando as nuances das estratégias de governos temporários sobrepondo-se
às políticas públicas.
Esses profissionais que atuam nas escolas rurais, quando recebem a
formação superior, a recebem para a educação na zona urbana; o que é
específico da vida no e do campo não constitui conteúdo norteador dos estudos da
educação básica. A educação rural é marginalizada e, quando lembrada, é de
forma preterida, com estereótipos, tais como: "professorinha, "escolinha rural".
6 IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
7 DIEESE – Departamento Intersindical de Estudos e Estatística Sócio Econômica
8 Foi veiculado pelo programa JORNAL da GLOBO, dia 27/04/2006, a reportagem sobre as conseqüências da
dependência urbana, em relação às atividades produtivas do Campo, no município de Sertanópolis/PR. Com a
queda da produtividade da lavoura, tanto pelas intempéries como por problemas causados pelas políticas de
financiamento para a monocultura, que não atendem as necessidades dos pequenos proprietários, há a falência
em cadeia de outros setores do mercado. A reportagem mostrou que o mercado que serve a população e até o
comércio de pequenas quinquilharias, sentem diretamente a crise. Na mesma semana, aconteceu em Foz do
Iguaçu/PR, um encontro internacional sobre Climatologia, para discutir a dependência da humanidade em
5
Salientamos que: [...] a educação formalizada é um dos processos pelos quais a
sociedade se configura, mas não é, como pensa a pedagogia ingênua o único que
a configura (PINTO, 1982, p.108).
No sentido de reconhecer a importância dos campos de atuação
educacional, o processo de formação que não perpassa, que não pesquisa e não
reconhece o meio rural como meio de atuação do educador, deixa lacunas não
apenas pedagógica e sim, de negação de espaços de construção do
conhecimento e de conscientização política da importância histórica do trabalho
educativo, não dicotomizado pelo território físico. Implica dizer que a
compreensão da dimensão dos espaços do saber político-social, de
conhecimentos e conteúdos escolares convencionais não se resume na
autonomia, ocorrendo o que relata Barretto (1985), [...] na inadequação do saber
transmitido pela escola, em particular, na medida em que este é constituído de
generalizações vazias ou de conteúdos deturpados ou estranhos ao ambiente
cultural do aluno. A chamada inadequação é praticada a partir do entendimento de
que a educação dos viventes do meio rural é uma simples extensão das unidades
escolares das cidades, portanto, considerada "apenas" a partir da idéia de divisão
de espaço físico. É o espaço geográfico utilizado como fundamento para justificar
decisões políticas localizadas na criação da "escolinha rural".
O alargamento de conteúdos é campo de pesquisa para compreensão de
que educação rural "é uma coisa" e "educação do campo é outra coisa". A
educação rural pode ser analisada a partir da falta de políticas públicas para as
populações do campo. Analisar a educação do campo é pensar políticas nacionais
que atendam as condições de vida no campo, não se limitando à transposição
"pura e simples" de valores e conteúdos da cidade e nem retomar teses
regionalistas históricas na educação do Brasil.
relação às intempéries. Entre outras situações, provocadas pelo próprio homem e como conseqüência, o cerne
6
À guisa de exemplo do que podemos entender por educação do campo,
valemo-nos da concepção de educação, de Armelindo Rosa Maia9, que se
fundamenta nas ações educativas dos movimentos sociais do campo, quando
afirma que educação do campo é luta pela posse da terra, que se faz necessária à
aliança com outros segmentos para resolver a contradição no trato com a terra,
bem como elaborar propostas com conteúdos que atendam ao projeto político,
muitas vezes, não tão explícitas, mas com a clareza da necessidade de formar o
novo quadro de profissionais com esse entendimento, dentro de uma preocupação
de produção coletiva, com base nos princípios pedagógicos do movimento social
do campo. Dentre outros, a relação entre o teórico-prático, o desenvolvimento de
metodologias adequadas, vínculo orgânico entre educação e cultura e processos
educativos e políticos, criação de coletivos pedagógicos e formação permanente
dos educadores e educadoras em atitudes de pesquisa combinando processos
pedagógicos coletivos e individuais.
A dinamização de cursos que compreendam essa realidade sociocultural
brasileira indica à extensão, à pesquisa e ao ensino, horizonte de atuação para
além do formal, legalmente convencionado e, regulado dentro dos prédios
escolares. Considerando que o país tem diretrizes10 legais que reconhecem a
educação do campo como prática social, para além do escolar, o desenvolvimento
de políticas públicas para a efetiva construção dessa prática abrangente,
observamos: tarda quando as Instituições de Ensino Superior (IES) relacionam-se
timidamente com a necessidade de pensar a população que vive no e do trabalho
no campo, como sujeito partícipe do processo educacional.
Nesse contexto, importa-nos pensar os motivos pelos quais a população
rural tem sido flutuante nos últimos 30 anos, considerando os últimos anos do
século passado e início do século XXI. Compreender a falta de políticas públicas
para o atendimento de direitos fundamentais da população do campo, é essencial
da dependência campo-cidade-campo.
9 Coordenador Pedagógico da Escola Milton Santos, Maringá-PR, no dia 17 de março de 2006.
10 Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo. Resolução CNE/CEB nº 1/2002.
7
para o conhecimento do movimento social e seus desdobramentos de organização
da vida campesina. Daí porque ocupamo-nos da formação de professores que
desenvolvem a capacidade de reflexionar, com e sobre a mobilidade social
contemporânea como fonte viva de pesquisa das políticas educacionais. [...] se há
dificuldades específicas do fazer histórico do presente, nem por isso ela está
interditada. (SANFELICE, 2004, p.105).
O financiamento público da educação fundamental é condicionado à "idade
escolar", dos 7 aos 14 anos11, dos que possuem registro de nascimento e carteira
de vacina em dia, limitando o acesso de "todos" aos que se encontram nessa faixa
etária à vida escolar formal. Entendemos que as políticas públicas devam ser mais
abrangentes, atendendo ao direito à educação das populações em diferentes
condições de vida. A partir desse direito social, as ações coletivas dos processos
de formação de professores licenciados, são de responsabilidade das Instituições
de Ensino Superior, que por obrigação constitucional têm como função social
atender aos diversos meios sociais respeitando a cultura dos que se envolvem
com o "tecimento" de políticas de direitos.
Enquanto partícipes do processo de formação de professores, colocamonos
na posição de provocadoras desta discussão, no intuito de abrir o debate do
redimensionar o entendimento do que "devemos" e do que "podemos" realizar
coletivamente, na criação de espaços articuladores de estudo e sistematização,
envolvendo campo e cidade, enquanto "espaço urbano" de atuação do educador.
Olhamos para o campo como espaço de conquista do direito a ter direitos e não
como "beco sem saída".
No sentido de articular a criação desses espaços de pensar nos tempos de
licenciaturas, perguntamo-nos: é a prática de ensino, o "lócus" de iniciação das
ações de organização de estudos principiantes da formação de professores,
enquanto eixo articulador de momentos e, porque não dizer, de projetos de
8
aproximação com situações próprias da educação na zona rural das cidades
brasileiras?
De acordo com as Resoluções CNE/CP 01/99, CNE/CP 01/02, CNE/CP
02/02 e com a LDB (Lei Federal 9.394/96) artigos 82 e 65, citadas no Parecer
CNE/CES – 109/2002, em consulta realizada pelo Sindicato Nacional dos
Docentes do Ensino Superior (MEC/SESU), sobre a aplicação da resolução de
carga horária para os Cursos de Formação de Professores, a relatora Silke Weber
recomenda que a prática de ensino deve ser "prevista" pela instituição proponente
de Cursos de Formação de Professores em 400 horas, devendo executar, "no
mínimo", 300 horas. Tal carga horária recomendada não deveria estar a serviço de
todos os componentes curriculares, reconhecendo a cultura campesina?
Remetendo-nos a outros períodos históricos podemos recuperar
informações sobre as políticas para o Ensino Superior, como políticas de controle
da demanda social por urbanização, tendo como instrumento a criação dos cursos
preparatórios e a criação de Escolas Privadas para o Ensino Superior. Isso
objetivava o preparo dos quadros administrativos aos diferentes escalões da
esfera pública na organização dos espaços urbanos, como no período imperial,
sob tutela do governo da Monarquia Constitucionalista, quando a organização da
zona urbana tornava-se uma prioridade da nação.
Na perspectiva republicana, espaço urbano e espaço rural, politicamente
delineado, confronta-se no processo pela conquista da garantia de direitos
econômicos, sociais e culturais. Demarcando a formação de políticas, esse
confronto fortalece a dicotomia campo/cidade e expressa os conflitos que agridem
os princípios de direito à cidadania. Em momentos de mobilização nacional por um
regime democrático de governo do Estado de Direito, campo e cidade não entoam
as mesmas cantilenas para a conquista das garantias de dignidade na vida em
sociedade.
11 Tramita no Congresso Nacional Emenda Constitucional nº 415 – FUNDEB, considerando as alterações
9
O processo de não inserção sócio-econômica e cultural do projeto político
de organização da vida urbana margeia o entorno social urbano com divisas entre
campo e cidade. É na oferta de serviços públicos que encontramos os primeiros
marcos da fronteira do exercício da cidadania instaurados na concepção de
urbanidade. Aos habitantes do campo, suprimi-se as demandas como transportes
coletivos, ignorando as regras de segurança para a manutenção da integridade
física dos estudantes que dispõem de condições para submeter-se aos trajetos e
horários de viagens diárias para freqüentar escolas das zonas urbanas das
cidades, como mencionado.
No Estado do Paraná, são noticiados graves acidentes por transporte
inadequado de crianças e adolescentes, resultando em mortes. Não são raros os
depoimentos de trabalhadores sobre os inconvenientes causados por essa
estratégia de transportar alunos da zona rural, praticados por governantes
municipais, financiados pelo governo federal, em parceria com o estadual com a
justificativa de atender o direito à educação da população do campo. Saem de
suas residências e retornam com o claro da lua, em decorrência de medidas de
"economia" com o serviço de transporte, demonstrando a necessidade de
aprimoramento da gestão pública para além das estratégias politiqueiras.
É nesse "box" histórico que nos fazemos comunicar, pensando na
importância do conhecimento dos "campos" de atuação entendendo que muitos
são o câmpus e o "campo" não se encontra integrado ao sistema educacional
brasileiro como espaço geopolítico, habitado e trabalhado para a sustentação da
nação com a responsabilidade de subsidiar a economia nacional. A lacuna que
constatamos na formação de professores fortalece a dita dicotomia campo/cidade
e expressa os conflitos que agridem os princípios de direito à cidadania.
legais para 9 anos de permanência no Ensino Fundamental, com entrada aos 6 anos de idade.
10
Os fatores de direito abordado nesse debate político são partes do conjunto
da sociedade, no caso específico, da brasileira, merecedores de ser
reflexionados, para entendimento de alguns movimentos e reformas que estão se
dando em relação ao projeto de formação de professores no Século XXI. Não
podemos ficar alheias aos fatores do "mal estar" profissional que vão se
acentuando pela [...] ausência de um projeto coletivo mobilizador do conjunto da
classe docente[...] que [...] dificultou a afirmação social dos professores dando azo
a uma atitude defensiva mais própria de funcionários do que de profissionais
autônomos (NÓVOA, s/d).
Essa ausência de projeto político dos professores, como observamos, não é
um fato isolado. É estruturalmente compreensível, dada a conjuntura política,
econômica da sociedade brasileira e mundial, mediante as agências internacionais
de financiamento da educação. A racionalidade técnica que sobrepõe o sistema
educacional formador é conseqüência da hegemonia na sociedade
contemporânea, reduzindo os problemas éticos, sociais e políticos a problemas
técnicos. Essa desvalorização dos professores e a perda de autonomia de gestão,
são debitadas pelos financiadores, à falta de competência do professor para
absorver as novidades tecnológicas, como estratégia de governo.
Essa tensão, conforme Fernandes (1995), a qual os professores foram e
são submetidos, acompanhou a crise em relação ao "lócus" de sua formação.
Trouxe ao debate problemas relacionados à identidade profissional: degeneração
do sistema educacional e das condições de vida e de trabalho dos profissionais da
educação.
Outros temas, como a função social da escola, competência técnica versus
compromisso político, teoria/prática ou racionalidade técnica versus professor
reflexivo, debatidos em épocas anteriores demonstram a atualidade da discussão
quando falamos da formação de educadores e educadoras do e no campo, no
século XXI, no Brasil.
11
Não reproduzimos, neste contexto, que a escola ou a educação é o produto
da sociedade, mas não podemos deixar de lembrar que é o Estado o determinador
das necessidades que devem ser satisfeitas em matéria de educação pública,
regula como e quando deve ser atendido, a quem devem ser ofertadas e
garantidas.
Dependemos, como profissionais da educação, do Estado - o empregador.
O profissional da educação desvalorizado na sua formação, que também é
regulada pelo Estado - o pagador, dado quem sabe, pela hegemonia da
racionalidade técnica, que povoa nossa subjetividade. Mas vamos mapeando o
percurso. Lembremo-nos, novamente, de que sempre que um problema ético e
político, como no caso a profissão do professor não podem ser transformado em
problema técnico, recorrem-se à sua regulamentação jurídica (SANTOS, 1997).
Constatamos em nossos estudos, na área de Políticas Públicas e Gestão
da Educação, que a relação vertical, entre economia e escolarização não é linear
mas [...] o resultado de tensões sutis que ocorrem quando a cultura, o trabalho e a
política se relacionam (POPKEWITZ, 1997, p.122). A exemplo disso, a situação
brasileira em relação aos povos do campo é embate político-pedagógico para o
repensar dos parâmetros urbanizados da educação formal, com vistas a projetar
os pensamentos, que poderão sustentar teoricamente a formação de professores,
defendida pelos movimentos sociais do campo, sistematicamente a partir de
199812, com responsabilidade e autonomia e apoio à criação coletiva.
Na perspectiva de educação coletiva do campo, a formação de
educadores e educadoras que se distancia da lógica formal do capital, forjando
práticas coletivas na mística da esperança de organização do homem no e do
campo, constitui-se em utopia a ser realizada, no exercício do direito a ter direito.
Não enquanto excluídos do sistema formal, mas como cidadãs e cidadãos que
12 Quando da I Conferência Por Uma Educação Básica para o Campo
12
pensam a democratização do ensino com o reconhecimento das populações
campesinas, enquanto brasileiras e brasileiros, sujeitos de políticas de estado
democrático de direito e não subjugados às estratégias temporárias de governos
temporários. No trilhar dos projetos de pesquisa-ensino-extensão que têm como
problemática e objeto a educação no e do campo, constituem "territórios" de
saberes que constroem caminhos para os cursos de licenciaturas preenchendo
espaços de formação docente, construindo história.
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel G. In: Prefácio. KOLLING, Edgar Jorge, Ir NERY-FSC e
MOLINA, Mônica Castagna (ORGs). Por uma educação básica do campo.
Brasília, UnB, 1999.
BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Política educacional e educação das populações
rurais. In: Educação na América Latina: os modelos teóricos e a realidade social.
Coord. Felícia Reicher Madeira e Guiomar Namo de Melo. Cortez: SP. 1985.
BRASIL, CNE. Parecer 109/2002 CNE-CES, aprovado em 13/03/2002. Consulta
sobre aplicação da Resolução de carga horária para os Cursos de Formação de
Professores.
FERNANDES, Florestan. Tensões na Educação. Salvador: Sarahletras, 1995.
FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 2001.
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São
Paulo: Cortez, 2002.
13
MATOS, Junot Cornélio. Discutindo a "categoria" professor reflexivo:
apontamentos para o debate. 1997. Material xerocopiado.
NÓVOA, Antonio. Notas sobre formação contínua de professores. S/D material
xerocopiado.
POPKEWITZ, Thomas S. Reforma educacional: uma política sociológica – poder
e conhecimento em educação. Trad. Beatriz Affonso Neves. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1997.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade.
São Paulo: Cortez, 1997.
SHOR, Ira. Medo e ousadia – o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1986.
SILVA, Irizelda Martins de Souza e. Professor reflexivo e sua formação
continuada: questões para o debate. Texto apresentado em Pedagogia 98,
Havana-Cuba.
PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo:
Cortez, 1982.
VALENTE, Ivan. Plano Nacional de Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
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