POLÍTICAS DE DIVERSIDADE CULTURAL E O NEGRO NO
CONTEXTO ESCOLAR DA SOCIEDADE BRASILEIRA
Lígia de Amorin NEVES*,
Renata MANTELO* e
Kiyomi HIROSE**
Não existem culturas superiores, mas diferentes1
INTRODUÇÃO
Um dos grandes desafios do século XXI é o pluralismo cultural. Em um país como
o Brasil, com tantas diversidades étnicas, sociais, religiosas, é crime permitir se sujeitar às
políticas de homogeneização. Daí a importância e a urgência de se pensar e de se conceber
formas e modos de desenvolvimento de políticas destinadas à promoção e à valorização da
diversidade cultural, fundamentado no pensamento de que todas as culturas produzem
conhecimentos e saberes indispensáveis à construção de uma nova ordem social.
Reconhecer essa diversidade criadora constitui um dos deveres nodais para que o Brasil
saia de um paradigma excludente que marginaliza aqueles que não pertencem à identidade
hegemônica legitimada.
Tendo em vista a multiplicidade cultural existente no nosso país, elegemos para este
trabalho, a etnia negra, dada a forte influência dessa cultura na formação da identidade do
povo brasileiro e a sua presença marcante no meio social. Portanto, nosso objetivo principal
é refletir sobre o negro dentro do contexto das políticas públicas e do sistema escolar.
DESENVOLVIMENTO
Cada grupo social e cada indivíduo têm um patrimônio cultural singular que reflete
um modo de viver próprio e um sistema de valores. Constituem-se deveres básicos das
1 A referida frase consta no Pronunciamento do II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado –
GIFE – Educação, Diversidade Criadora e Cultura de Paz, realizado em Fortaleza, entre os dias 24 a 26 de
abril do ano de 2002, disponível em
http://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/index/index_2002/gife/mostra_documento
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autoridades políticas responsáveis por esse assunto preservar e promover a diversidade
cultural. Mas, ao longo da história, não é isso o que se tem visto.
Como exemplos, podemos citar a exclusão dos segmentos populares das políticas
públicas de nosso país, a segregação social e a racial, fatores estes determinantes para a
desvalorização cultural dos grupos. É diante dessa problemática, da desvalorização da
pluralidade cultural, que se justifica a urgência na discussão e na construção de uma
política nacional envolvendo a sociedade civil e gestores estatais.
Américo Córdula (2005), em seu artigo Qual a melhor Política Pública para as
Culturas Populares?, afirma que:
[...] vivemos um momento de liberdade democrática e hoje temos a
oportunidade de dialogar com o governo através do MinC (Ministério da
Cultura) [...] e pela Secretaria da Identidade e Diversidade Cultural, criada há
um ano[...]. No entanto, o Brasil não conhece suas culturas e tão pouco
considera seus 24 milhões de analfabetos seres culturais, produtores de uma
cultura centenária passada de pai para filho.
Uma das conclusões centrais do relatório – Educação, Diversidade Criadora e
Cultura de Paz (2002), é a de que as pessoas ainda não aprenderam a respeitar plenamente o
outro, nem a trabalhar em conjunto; atitudes essas indispensáveis nos dias atuais para se
viver em coletividade. Respeito esse que, como é ressaltado no relatório:
[...] vai além da simples tolerância. Implica também a adoção de uma
atitude positiva para com os outros e a satisfação em relação às suas
culturas. A paz social, tão necessária para o desenvolvimento, exige que as
diferenças entre as culturas sejam vistas não como algo estranho,
inaceitável ou mesmo detestável, mas como o resultado de diferentes
maneiras de coexistência humana que contêm ligações e informações
valiosas para todos.
Em outras palavras, respeitar o pluralismo cultural não é tolerá-lo, mas vê-lo como
parte da riqueza criada pelos homens, como patrimônio cultural da humanidade que é
compartilhado por todos, o que não ocorreu com diversas nacionalidades que migraram
para as repúblicas americanas. De acordo com o pronunciamento do II Congresso Nacional
sobre Investimento Social Privado - GIFE - Educação, Diversidade Criadora e Cultura de
Paz (2005), a condição para que fosse permitida a manutenção de certos vínculos étnicos a
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esses povos foi a de que essas etnicidades fossem compreendidas como secundárias em
relação à dominante. No que concerne aos índios e aos negros, consta no pronunciamento,
que "eles foram de modo geral excluídos, gerando uma dívida sociocultural que não pode
ser esquecida no contexto do desafio maior do nosso século que é o da construção de
sociedades mais solidárias".
Isto porque toda expressão humana é cultura, não obstante, a partir do momento em
que aquela emerge, de acordo com Samways (1988, p.9), "em detrimento do homem,
artificiosamente, negando a herança social e colocando esse homem, não mais como
sujeito, mas como objeto de um arremedo de história, estamos diante de uma
contracultura".
Por isso as ações de proteção e de promoção da diversidade cultural assumirem
grande importância dentro de uma comunidade, pois elas ajudam a impedir o processo de
aculturação. Além disso, desempenham um importante papel na construção da ordem
democrática e, principalmente, na manutenção da identidade de uma sociedade, haja vista
que a cultura de um povo perpassa as gerações não só transmitindo a tradição de um povo,
mas, também, mostrando novos caminhos de produção cultural através do diálogo entre o
passado e o presente.
É o que diz o relatório Nossa Diversidade Criadora2, "cultura e desenvolvimento são
indissociáveis". Conforme consta no relatório, uma vez que ela é fonte permanente de
progresso e de criatividade, "toda política de desenvolvimento deve ser profundamente
sensível à cultura, e inspirada por ela". Daí a importância de projetos visando a superação
da noção puramente instrumental de cultura, a qual não lhe reconhece o papel construtivo e
criativo dentro de uma sociedade.
Nos dias atuais, no que se refere aos segmentos da identidade e da diversidade
cultural, o Ministério da Cultura, com apenas vinte anos, tem atuado de forma permanente
no intuito de estimular as expressões das raízes culturais brasileiras e de divulgá-las em
âmbito nacional. Desde o início de 2005, o Governo Federal, através do Ministério da
Cultura, vem assinando protocolos de intenções com estados e com municípios para a
implantação do Sistema Nacional de Cultura (SNC).
2 Relatório elaborado pela Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento, em 1997, e mencionado durante
o pronunciamento A Dimensão Cultural da Política de Educação, ocorrido em São Paulo, em 20 de agosto de
2001.
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No dia primeiro de junho foi aprovada, pelo Congresso Nacional, a Emenda
Constitucional do Plano Nacional de Cultura (PNC), promulgada em 11 de agosto. Com
ela, o país passará a ter um instrumento legal de controle para o cumprimento de metas de
desenvolvimento cultural.
O PNC tem como intuito promover a gestão e o fomento de iniciativas conjuntas
entre a União, os estados, os municípios e a sociedade civil, visando a produção de políticas
públicas de cultura de maneira integrada, contínua e permanente. Trata-se de uma política
ditada por uma visão cultural democrática que objetiva promover o desenvolvimento
cultural do país através da valorização, da produção e da difusão tanto do patrimônio
cultural brasileiro quanto dos diferentes bens culturais existentes. Vê-se, assim, que a
aprovação do PNC reafirma o fato de a cultura representar uma política estratégica para a
emancipação da sociedade brasileira.
Com a promulgação da Emenda nº 48/05, o artigo 215 da Constituição da República
Federativa do Brasil, em seu Título VIII: Da ordem social, Capítulo III: Da educação, da
cultura e do desporto, Seção II: Da Cultura, passa a incorporar mais um parágrafo:
§ 3º - A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual,
visando ao desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do
Poder Público:
I-defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro;
II- produção, promoção e difusão de bens culturais;
III- formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas
múltiplas dimensões;
IV- democratização do acesso aos bens de cultura;
V- valorização da diversidade étnica regional.
Como exemplo de políticas públicas para as culturas populares, o Centro Nacional
de Folclore e Cultura Popular do IPHAN, em parceria com a Fundação Cultural Palmares e
Secretaria de Políticas Culturais realizou, no período de 23 a 26 de fevereiro de 2005, em
Brasília, o I Seminário Nacional das Culturas Populares3. Através de oficinas regionais, o
3 Em 2004, em 15 Estados, foram feitas oficinas preparatórias em que se discutiu propostas de ações
afirmativas para as mais variadas expressões regionais. O livro intitulado Seminário Nacional de Políticas
Públicas para as Culturas Populares, com a síntese dos trabalhos, realizados em 2004, será lançado até o final
de 2005.
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seminário compôs uma agenda com diretrizes e ações destinadas ao reconhecimento e
fomento das atividades artísticas e culturais compreendidas pelas culturas populares.
Sérgio Mamberti, Secretário da Identidade e da Diversidade Cultural, em um artigo
publicado em 28 de janeiro de 2005, afirma que "somos mestiços. Não apenas etnicamente
mestiços. Somos culturalmente mestiços." Logo, não se pode querer oprimir a população
brasileira com a lógica da homogeneização. Mas "como formular um projeto de Políticas
Públicas de Cultura, que contemple esse mosaico imperfeito?".
A tarefa é árdua pois envolve imprescindivelmente a participação de diversos
setores: o político, o econômico, o social, o cultural e o ambiental. Apesar da magnitude
dessa empreitada, o governo federal, ao assumir e reconhecer a fundamental importância da
pluralidade cultural para a construção de uma identidade nacional que compreenda toda a
diversidade das manifestações culturais do Brasil, dá um passo importante em direção ao
fortalecimento de uma consciência cidadã no país.
Qual é a responsabilidade da instituição escolar com as preocupações desse enfoque
do negro na sociedade brasileira e quais os possíveis caminhos a percorrer para que se
forme nova consciência a respeito dessa diversidade sem homogeneização? O Ministério da
Educação elaborou um documento para nortear essas ações afirmativas: Parâmetros
Curriculares Nacionais, que se propõem a realizar uma educação comprometida com a
cidadania e, por isso, baseado-se no texto constitucional para formular princípios que
orientem a educação escolar, como o da dignidade humana, o da igualdade de direitos e o
da co-responsabilidade social. O primeiro implica "respeito aos direitos humanos, repúdio à
discriminação de qualquer tipo, acesso a condições de vida digna, respeito nas relações
interpessoais, públicas e privadas" (BRASIL,1998, p.21); o segundo diz respeito à
necessidade de garantir a todos a mesma dignidade e possibilidade de exercícios de
cidadania; o último princípio implica em partilhar a responsabilidade pelos destinos da vida
coletiva.
Para os PCNs (1998, p.35), o ensino fundamental tem a função de trabalhar a
consciência dos alunos para elegerem critérios pautados na justiça, detectando e rejeitando
a injustiça. Desse modo, a inclusão dos Temas Transversais exige uma tomada de posição
diante de problemas fundamentais e urgentes da vida social, o que requer uma reflexão
XII Semana de Pedagogia – socializando saberes, construindo identidades
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sobre o ensino e a aprendizagem de valores, de procedimentos e de concepções a eles
relacionados.
Os temas transversais apresentados nos PCNs (1998) são a ética, a pluralidade
cultural, o meio ambiente, a saúde, a orientação sexual e o trabalho e consumo. Nosso
objetivo, nesse trabalho, é o estudo do tema pluralidade cultural, observando qual a visão
que se tem do negro neste material e destacando a importância dessa questão na escola, pois
há a necessidade de se reconhecer a diversidade como parte inseparável na identidade
nacional e da importância em alimentar "uma Cultura de paz, baseada na tolerância, no
respeito aos direitos humanos e na noção de cidadania" (1998, p.117).
A temática da pluralidade se refere ao conhecimento e à valorização de
características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território
nacional, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo
e multifacetado. Enfatizar a valorização das diferenças existentes no país, não significa
aderir aos valores do outro, "mas respeitá-los como expressão da diversidade" (1998,
p.122). Historicamente, registra-se dificuldades com a temática do preconceito e da
discriminação racial/étnica, principalmente nas escolas, pois professores e alunos as
realizam de maneira inconsciente.
As mobilizações dos movimentos sociais conquistaram uma legislação
antidiscriminatória, culminando com a Constituição de 1988 que, segundo os PCNs (1998,
p.130), é uma das mais avançadas quanto aos temas do respeito à diferença e do combate à
discriminação. Na Constituição de 1988, a discriminação racial é um crime: Artigo 5º,
parágrafo XLII: [...] a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão nos termo da lei. Além disso, há mecanismos de proteção e de
promoção de identidades étnicas, como a garantia a todos do pleno exercício dos direitos
culturais, assim como apoio e incentivo à valorização e difusão das manifestações culturais:
artigo 5º, parágrafo VI e IX: [...] é inviolável a liberdade de consciência e de crença; é livre
as expressões intelectual, artística, cientifica e de comunicação.
A aplicação e o aperfeiçoamento da legislação soam decisivos, contudo são
insuficientes, pois é preciso haver o auxílio do processo educacional, demonstrando e
desenvolvendo atitudes e valores voltados para a formação de novos comportamentos. A
escola deve reconhecer as problemáticas: social, cultural e étnica, visto que é um local de
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convivência de pessoas de diferentes origens, costumes e dogmas religiosos. Além disso, é
um local em que são ensinadas as regras do espaço público para o convívio democrático
com a diferença e para se conhecer a realidade plural de um país como o Brasil.
Segundo os PCNs (1998, p.134), a arte, a pintura corporal, a cerâmica e outras
formas de expressar o conhecimento e a comunicação desvendam a experiência dos povos
que as produziram. Ao levar esses elementos artísticos para a escola, a criança e o jovem
podem conhecer e vivenciar as manifestações culturais de cada povo, desenvolvendo o
interesse não só por sua cultura, mas, também, pelos novos conhecimentos e princípios
revelados pelo outro indivíduo. É através da informação que se pode tentar reverter o
quadro de discriminação que se observa no nosso país.
O desvelamento na superação da discriminação é decisivo e exige do professor
alguns elementos: discernimento, intencionalidade e informação. Quando o professor
presencia na sala de aula uma situação de discriminação, por exemplo, deve discernir o
ocorrido e tratar com firmeza a ação discriminatória, esclarecendo "o que é respeito mútuo,
como se pratica a solidariedade, buscando alguma atividade que possa exemplificar o que
diz" (PCN,1998, p.139). Outro elemento essencial para o professor é a intencionalidade
como produto de uma reflexão que lhe permita perceber o papel que desempenha nessa
questão. É o momento que se pode trabalhar juntamente com seus alunos, o caminho da
superação do preconceito e da discriminação. Um bom exemplo é a análise dos livros
didáticos. Por último, é preciso que o professor se prepare com leituras sobre o assunto,
busque informações, vivências e atente-se aos gestos do cotidiano.
Vemos, portanto, que os PCNs preocupam-se com a questão da diversidade cultural
presente no país, destacando, por exemplo, que o professor e a escola devem promover aos
seus alunos informações sobre as diferentes culturas, sobre o respeito mútuo. É possível,
desse modo, sintetizar a idéia de pluralidade expressa nos PCNs (1998): [...] Sem dúvida,
pluralidade vive-se, ensina-se e aprende-se. É trabalho de construção, no qual o
envolvimento de todos se dá pelo respeito e pela própria constatação de que, sem o outro,
nada se sabe sobre ele, a não ser o que a própria imaginação fornece" (p.141).
Com todas essas precauções, porém, há a presença da intolerância tanto nos meios
escolares, quanto também dentro da sociedade civil. Em uma reportagem sobre a
diversidade que caracteriza os indivíduos, a revista Educação (agosto, 2004) deixa claro aos
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seus leitores a presença da intolerância no meio escolar, a qual acaba por configurar um
quadro marcado pela agressão física e psicológica a alunos e professores onde dever-se-ia
formar cidadãos que respeitassem a pluralidade do nosso país. Essa reportagem afirma que
nos Estados Unidos, pessoas que apresentam uma opção sexual diferente, deixam de ir, por
medo de agressão, à escola pelo menos uma vez por mês. Indica ainda, que no Brasil, a
intolerância como perpetuação do que ocorrem na sociedade e que as mobilizações das
organizações não-governamentais são as principais responsáveis pela luta contra a
discriminação na escola. Caracteriza a questão da intolerância como "cultural" e
"enraizada", aponta o fato de crianças afro-descendentes terem dificuldade de [...] se
reconhecer em alguns livros didáticos que trazem os negros em situação social inferior. Tal
situação, descrita, por um entrevistado, como [...] um empecilho para a valorização da
cultura e identidade negra junto a crianças e adolescentes [...]. Refere-se ainda que, há mais
de 15 anos os textos apontavam para o preconceito, quando os livros didáticos não
passavam pela triagem de avaliação pelo Ministério da Educação e tampouco os editores do
material escolar, percebiam essa abordagem como "politicamente incorreta".
Destacamos ainda os comentários da professora da Universidade Federal de Juiz de
Fora e membro da comissão técnica do MEC para avaliação dos livros didáticos, Sônia
Miranda e de Cláudia Werneck (2004), presidente da ONG Escola da Gente. Segundo a
primeira, a omissão é o problema maior entre os professores. Embora os PCNs, no subtítulo
Temas Transversais (1998, p.139), demonstrem que um bom modo de barrar a
discriminação seria o professor demonstrar e analisar com os alunos alguma atividade do
material didático que retratasse como o desrespeito é ruim para quem o sofre, também têmse,
na escola, profissionais despreparados para lidar com as situações apresentadas pelos
livros. Desse modo, naturaliza-se o preconceito e a intolerância, situação que ocorre da
forma parecida quando se trata de idosos, homossexuais e pessoas de etnias diferentes. Eles
aparecem ou não de forma estereotipada. Werneck, por sua vez, afirma que a escola deve
trabalhar o conceito de diversidade e da tolerância, para que se evite o simples tolerar,
partindo para o respeito das diferenças.
Trindade (2005) faz uma abordagem sobre o fracasso escolar em seu artigo
Diversidade Cultural e Fracasso Escolar, afirmando que[...] os grupos que não atendem às
expectativas valorizadas pela Escola tendem a ser culpabilizados pela não correspondência
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aos ideais escolares". Dessa forma, as questões relacionadas com a diversidade cultural
acabam por ter que conviver com algumas explicações ou justificativas dessa
incompatibilidade de alguns: privação ou déficit cultural, psicológico, social, carência
alimentar, carências generalizadas, questões de classe, dentre outros.
A autora não coloca o fracasso escolar como responsabilidade do usuário mais
imediato da escola, mas afirma que o modo de conceber seu significado está muito próximo
à concepção de vida e de vida escolar de quem se propõe a analisá-la/entendê-la. Portanto
para a autora, o [...] fracasso diz respeito às relações sociais tanto de ordem micropolítica
quanto macropolítica. Ou seja, diz respeito a como a comunidade escolar se constitui e se
relaciona entre si, com a sociedade mais ampla e com o Estado. Diz respeito às relações de
poder entre grupos sociais.
Com relação à escola, Trindade (2005) pontua que, uma vez que ela é uma
instituição do mundo ocidental, tenta universalizar as idéias de liberalismo, de
individualismo, de competitividade e do capitalismo, excluindo ou hierarquizando
valorativamente grupos diferentes dos seus membros hegemônicos. Assim, percebe-se que,
ao se confrontar com essa situação, a diversidade cultural fica na marginalização e o
fracasso escolar dos indivíduos marcados por ela vem à tona. A autora afirma ainda que se
valores como direitos humanos, igualdade, democracia, forem levados em consideração,
pode-se dizer que [...] a escola, por não tratar ou saber tratar seus usuários com eqüidade,
fracassa nos seus objetivos.
Apesar desses pensamentos, o que Trindade (2005) quer pôr em discussão não é a
escola [...] como produtora de fracasso escolar ou como fracassada em promover uma
educação igualitária para todos sem distinção de raça/cor, etnia, gênero, orientação sexual,
classe social, deficiência, ou qualquer diferença que seu usuário apresente [...], mas sim,
[...] a construção de uma pedagogia, uma educação que dê espaço à diversidade humana:
com cultura, modos de ser, sentir e agir diferenciados. Uma educação,
uma pedagogia, uma escola visceralmente comprometida com a Vida,
com o prazer, com a felicidade, com o respeito às diferenças, com a
transformação, com a alteridade.
A autora defende o rompimento da clássica história do cisne que é transformado em
"Patinho Feio", para que, desse modo, surja uma escola capaz de, [...] não só com a razão,
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mas com o coração, com todos os sentidos e todo o corpo [...] , permitir a existência e
promover as diferenças que são encontradas na pluralidade cultural que caracteriza o país.
Assim, "patos, cisnes, gansos, galos" poderão se conhecer, se respeitar, se preservar,
dialogar, se mesclar, se hibridizar, sem, contudo, deixarem de ser eles mesmos.
CONCLUSÂO
O objetivo deste trabalho não foi apresentar soluções para a questão do tratamento
inadequado da diversidade cultural no nosso país, mas sim, promover uma reflexão dessa
temática, a partir de um resgate histórico e da construção de um painel representativo de
como o multiculturalismo é tratado hoje.
Observamos que o assunto é polêmico, gerando diversos e numerosos estudos.
Contudo, isso por si só não é o bastante para que surjam atitudes em relação ao pluralismo
cultural existente, se não houver a mobilização e o interesse das pessoas para a discussão, o
papel preponderante da instituição escolar pode e deve ajudar a consensos mais maduros,
ou seja, adequados à população multifacetada da qual fazemos parte.
REFERÊNCIAS
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CÓRDULA, A. Qual a melhor Política Pública para as culturas populares?, 2005.
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http://www.unesco.org.br/noticias/opiniao/index/index_2002/gife/mostra_documento
II Congresso Nacional sobre Investimento Social Privado – GIFE – Educação, Diversidade
Criadora e Cultura de Paz, 2002. online. Disponível em:
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Acessado em 02 set. 2005.
MAMBERT, S. Cartas das Culturas Populares, 2005. Disponível online em.:
MIRANDA, S. e WERNECK, C. O inferno são os outros. In: Revista Educação. Ano 8, nº
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SAMWAYS, M. B. Introdução à literatura paranaense. Curitiba: Livros HDV, 1988.
TRINDADE, A. L. da. Diversidade Cultural e Fracasso Escolar, s/d. online. Disponível
em
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